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Um site para pensar sobre tudo e chegarmos sempre a um singular pensamento final: sabermos que nada sabemos.
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Tiago Pimentel
Críticas dos leitores para: tiago_pimentel@hotmail.com

sábado, fevereiro 28, 2004



Sunday at the Oscars - Previsões


Aproxima-se o dia de todas as decisões. É uma noite, acima de tudo, para celebrarmos o cinema e relembrarmos como o poder da arte pode também mover massas. Ou seja, no limite, não se trata de celebrar os vencedores como "os melhores", mas como uma escolha. Aliás, até as nomeações são uma vitória. Com a escolha de um vencedor, está a renovar-se a indústria, a redefinirem-se horizontes; aliás, tanto mais que as fronteiras na entrega dos prémios começam a alargar-se cada vez mais. Hollywood abre as portas ao mundo por perceber que não poderá sobreviver sem ele no futuro. E, numa mesma noite, os cinemas dos vários cantos do mundo juntam-se em uníssono no hino coral da celebração do cinema e da sua História. Relembrar que só estamos ali a premiar os de hoje porque existiram os de ontem. Relembrar que entregar um prémio é sempre a transferência de uma celebração: premiar o trabalho, a profissão e a arte. Relembrar que abordar esta cerimónia de uma forma clubista (ou ganha quem eu quero ou isto é uma palhaçada) é a mais infantil falácia em que poderemos incorrer. Quando se perceber que a noite de Oscars existe para se falar dos filmes e não para justificarmos as nossas preferências, talvez se possam então definir princípios positivos para a base de um debate. Aqui ficam as minhas previsões para este ano.

MELHOR FILME

É um dos Oscars mais certos da noite. É a consagração da trilogia mais importante dos últimos anos cujos dois primeiros capítulos foram lembrados nas nomeações mas ignorados nos momentos decisivos. Talvez o mais justo (é fácil dizer isto, agora que podemos olhar para o passado) fosse premiar o primeiro filme: era o mais coeso, consistente e mistico (e, sem esquecer, foi o que lançou o universo). Em matéria de preferência pessoal, claro que fico contente se o filme ganhar por todas as razões e mais algumas, embora seja penoso fazê-lo num ano em que concorre directamente com Mystic River. Apenas um ponto que pode funcionar contra o filme de Peter Jackson: nunca na história, um filme de fantasia ganhou o Oscar máximo.

Vai ganhar: O Senhor dos Anéis – O Regresso do Rei
Deveria ganhar: Mystic River


MELHOR REALIZADOR

Pelas mesmas razões acima enunciadas, este deverá ser o ano para compensar o homem que se sabe ser a alma do projecto dos Anéis. Peter Jackson é o nome mais seguro para o Oscar de Realizador. A surpresa da noite seria Sofia Coppola fazer a dobradinha.

Vai ganhar: Peter Jackson
Deveria ganhar: Clint Eastwood


MELHOR ARGUMENTO ORIGINAL

É o prémio certo para Sofia Coppola. Tem ganho sempre em prémios anteriores (Globos de Ouro e os WGA, para citar apenas os mais relevantes) e parece ser a mais justa maneira de reconhecer este pequeno filme que já se transformou num fenómeno de culto.

Vai ganhar: Lost in Translation (Sofia Coppola)
Deveria ganhar: Na América (Jim Sheridan & filhas)


MELHOR ARGUMENTO ADAPTADO

Aqui deve funcionar a fortíssima fonte literária do filme de Clint Eastwood. Apesar deste poder ser mais um Oscar para fazer número para O Senhor dos Anéis, sem esquecer também a homenagem justíssima que poderia ser feita ao mestre Tolkien.

Vai ganhar: Mystic River (Brian Helgeland)
Deveria ganhar: Mystic River (Brian Helgeland)


MELHOR ACTOR

É, de longe, o Oscar mais incerto da noite. Talvez por isso, o mais esperado. Murray e Penn competem directamente e, agora, com a sombra do pirata Depp de SAG em punho. Embora Depp seja uma improvável surpresa (relembro que ganhar o SAG significa ter apenas a maioria dos actores do seu lado, partindo com cerca de ¼ dos votos para os Oscars) não se pode esquecer que a sua posição pode melhorar consoante o número de votos que se dividam entre Murray e Penn. Sean Penn tem contra si a sua imagem auto-favorecida de militante anti-glamour que nunca põe os pés numa cerimónia de Oscars e este ano, vá-se lá saber porquê, já pondera a hipótese de aparecer. Em jeito de preferência pessoal, por todas as razões artísticas e pela classe e elegância que tem mostrado nos seus discursos de agradecimento, gostava de ver Murray a receber este galardão.

Vai ganhar: Bill Murray/Sean Penn
Deveria ganhar: Bill Murray


MELHOR ACTRIZ

Vai ganhar Charlize. Sem hesitações, se não ganhar é a surpresa da noite. É um Oscar merecido e bem à medida dos gostos da Academia – toda a alteração física, o facto de ser uma movie star, etc. Em todo o caso, acho que o trabalho de Naomi Watts e, sobretudo, de Diane Keaton são bem mais complexos e completos.

Vai ganhar: Charlize Theron
Deveria ganhar: Diane Keaton


MELHOR FOTOGRAFIA

O único Oscar patriótico da noite. Se Eduardo Serra ganhar, muitas casas portuguesas vão soltar um berro de patriótico orgulho. Reconhecendo a dificuldade de tal acontecer, fica a velinha acesa. Um ponto contra: Serra não pertence à associação americana dos fotógrafos (ASC). À perna estão Master and Commander e Seabiscuit.

Vai ganhar: Eduardo Serra (Rapariga do Brinco de Pérola)/Russell Boyd (Master and Commander)
Deveria ganhar: Eduardo Serra (Rapariga do Brinco de Pérola)


MELHOR LONGA-METRAGEM DE ANIMAÇÃO

Creio que a Pixar aqui vai falar mais alto que tudo o resto. Ainda que as Triplettes de Belleville possam servir de contrapeso, em todos os sentidos, julgo que o lado mediático e popular de Finding Nemo será decisivo.

Vai ganhar: Finding Nemo
Deveria ganhar: Finding Nemo


MELHOR ACTOR SECUNDÁRIO

Tem ganho tudo o que há para ganhar. É um dos Oscars mais seguros da noite. Tim Robbins deverá arrecadar este galardão pela sua assombrosa presença em Mystic River. Não escondo também a agradável surpresa que era o grande Djimon subir ao palco para discursar.

Vai ganhar: Tim Robbins
Deveria ganhar: Tim Robbins


MELHOR ACTRIZ SECUNDÁRIA

Deve ser o Oscar de compensação para Cold Mountain. O filme da Miramax deste ano ficou fora das corridas principais e deverá ser este o prémio de consolação. Renée Zellweger já soma a sua terceira nomeação consecutiva e, tudo indica, que à terceira é de vez.

Vai ganhar: Renée Zellweger
Deveria ganhar: Marcia Gay Harden


Estas previsões têm o valor que têm e o mais importante é mesmo esperar que seja uma noite de emoções memoráveis e de momentos inesquecíveis.

Tiago Pimentel

quarta-feira, fevereiro 25, 2004


You are a woman to love.

Something's Gotta Give

Fui ver «Alguém tem que Ceder» e fiquei agradavelmente surpreendido com o filme. Uma película romântica feita à maneira dos grandes clássicos e, mais importante que tudo, apoiada directamente no seu cimento humano. Ou seja, Jack Nicholson destila humor e carisma enquanto Diane Keaton não só justifica a sua nomeação como é, a partir de ontem, a minha favorita para o Oscar. Em todo o caso, é um Oscar decidido à partida a favor de Charlize Theron. Quanto ao filme, gosto dos ritmos, das subtilezas do argumento, do trabalho dos actores, da gestão do tempo, dos timings, do intrépido sentido de humor que perpassa o filme inteiro, das suas raízes exclusivamente clássicas mas com uma respiração dramática perfumada pelo contemporâneo. Gosto da forma como Diane Keaton gere as fragilidades humanas da sua personagem. Gosto das imagens caricaturais que Nicholson gere cada vez melhor sem nunca perder o conceito de composição. Sem ser extraordinário, é um filme que merece ser visto, assim mesmo: em grande ecrã onde nos sentimos parte de uma história e de emoções específicas que nos atingem de forma distinta do vizinho do lado. É isto que significa ir ao cinema. Não é apenas porque os efeitos especiais ficam mais giros em grande ecrã. Nota nada secundária: Keanu Reeves está competente.

Tiago Pimentel

sábado, fevereiro 21, 2004

Revisionamento de Big Fish

Hoje fui rever o filme de Tim Burton e, de facto, é uma coisa inexplicavelmente bela. No texto que escrevi sobre o filme explicitei, e mantenho, a indiferença que sinto por Ewan McGregor, um actor cujo valor está claramente deslocado, em baixa, para o resto da matéria humana deste filme. Parece-me um turista da narrativa, sem gravitas dramática nenhuma, quase sempre reduzido a autocolantes sorridentes de anúncio televisivo. Há duas histórias em «Big Fish»: a primeira, contada em primeira mão por Edward Bloom, limitada pelas insuficiências de McGregor mas compensada pela imaginação interminável de Tim Burton; e a segunda, uma obra prima absoluta, sobre um filho que tenta descobrir a verdadeira identidade do seu pai às portas da morte. É um filme de uma beleza convulsiva e um tratamento de choque para as nossas emoções mais íntimas. Afinal, muitos de nós ainda gostam de acreditar que a vida e os nossos segredos estão, não na realidade que vivemos, mas nas histórias que sonhamos. Quanto mais não seja no cinema.

Tiago Pimentel

sexta-feira, fevereiro 20, 2004

A crítica dos leitores

Olá Tiago Pimentel. Queria apenas dizer que concordo praticamente com tudo o que escreveu no seu artigo sobre a música intitulado Os Deuses devem estar loucos. Eu tenho 28 anos e as minhas bandas/músicos continuam a ser os U2, Pearl Jam, Nirvana, Guns, Bowie, The Police, Bruce Springsteen, etc. Das mais recentes gosto também dos Lamb, Portishead, Tricky, Cold Play, Smashing Pumpkins, Badly Drawn Boy, The Gift, entre outros. Mas realmente é difícil encontrar aquele bichinho especial que havia nas bandas antigamente e que arrastava multidões em tours, as groupies, as band aids, etc. Tudo isso se perdeu. Por acaso nunca tinha pensado sobre isso e agora que pensei, não acho resposta. Mas concordo com a sua perspectiva sobre o aparecimento do hip hop e do adormecimento do rock poder ter algo a ver. Apesar do hip hop muitas vezes ser usado como arma para criticar, acho que não tem a força nem a união que o rock tinha nos anos 60 e 70. Hoje em dia as pessoas da minha geração preferem as bandas mais pequenas como desculpa por serem pouco comerciais. A sério que não percebo, basta serem gajos desconhecidos ou muito trip que ficam logo todos excitados. E mal falo em bandas um pouco mais comerciais e é a mesma coisa que invocar o diabo. Será que isto não prejudica também o espírito puro da música que se vivia antes e hoje é como se tivesse que ser uma coisa super privada, sem mais ninguém poder ouvir.

Rui Oliveira


Olá Rui Oliveira,

Vou pegar apenas na segunda parte do seu texto, ou seja, quando manifesta a sua indignação face ao tratamento dual que se faz hoje da música: comercial e alternativa. De facto, é verdade... e não apenas para a música. No cinema é a mesma coisa: quantas vezes estou farto de ler que Hollywood é mau e que o cinema americano só quer é dólares. Sinceramente, estes comentários valem quanto muito uns dois bocejos e pouco mais. O valor de uma música ou de uma banda/cantor nunca depende do número de pessoas que consegue cativar. Por exemplo, no texto que escrevi, deixo explícita a admiração imensa que tenho pelos U2. Assim como admiro Madonna, Radiohead, Pearl Jam, Ryan Adams, Ashfield, Interpol, Sigur Ros, Tortoise, Red House Painters, Portishead, Mercury Rev, Belle and Sebastian, entre outros. Ou seja, colocando a questão de maneira diferente: não condiciono os meus gostos pelo número de pessoas com quem os partilho. Em todo o caso, o objectivo do meu texto anterior nem era tanto apurar da qualidade da música em si; aliás, é impossível fazê-lo, em termos absolutos já que varia sempre de pessoa para pessoa. Quando qualifiquei Bono como o Papa da bíblia musical contemporânea, isto ia no sentido de ele ser o último dos herdeiros da dimensão bíblica da música. Ou seja, é dos poucos que ainda acredita que o rock pode mudar o mundo e o único, de facto, com poder para o fazer.

Cumprimentos,

Tiago Pimentel

quinta-feira, fevereiro 19, 2004

Os Deuses devem estar loucos - reflexão sobre a música de ontem e de hoje

Qual será a diferença entre descobrir hoje Rock Your Body, de Justin Timberlake, e The End, dos Doors (em 1967)? Ou entre ouvirmos todos os dias Crazy in Love, de Beyoncé Knowles e Imagine de John Lennon (em 1971)? Ou mesmo entre as melhores baladas dos Cold Play e Sunday Bloody Sunday, dos U2 (1983)? Não me parece que a reflexão deverá ser feita partindo de fundamentos tão subjectivos como os da qualidade da própria música. Mas é verdade que a cultura hip-hop e a sonoridade rap tem aculturado as novas gerações, ao mesmo tempo que a generalidade do rock tem-se deixado seduzir pela preguiça sonora do reclame publicitário. Onde ontem existia John Lennon, hoje existe Justin Timberlake por exemplo. Onde ontem existiam os Pink Floyd, hoje existem os Cold Play.

Enfim, as coisas não são assim tão lineares; hoje existe também um dos vocalistas mais determinantes e convulsivos de toda a História: Bono, dos U2. É possível encontrar nele a chama messiânica dos grandes deuses da música. Mas é igualmente incontornável encontrarmos nele a convivência com o passado, como se a sua presença fosse, de uma só vez, presente, porque ainda vivo de corpo, e passada porque nos habita com a nostalgia revivalista do nascimento do rock contemporâneo. Mesmo nas suas canções mais pós-modernas (como Stateless, da sublime banda sonora de Million Dollar Hotel), os U2 não esquecem o passado que lhes define os contornos musicais. Ou seja, pertencem a memórias mais distantes (pelo menos às gerações de quem tem hoje para cima de 20 anos). E quem diz U2, pensa também nos primeiros tempos dos Oasis, legítimos seguidores do rock tradicional dos Beatles.

E agora que assistimos à consolidação do rap, do hip-hop, do house, do trance, etc, que heróis admiramos? É possível olhar para Timberlake com os mesmos olhos de súbditos religiosos que olhavam Simon e Garfunkel, por exemplo? De facto, creio que se perdeu algo que as gerações dos nossos pais e avós conheceram muito melhor que nós. A saber: a dimensão messiânica da música. Ou seja, sentir que a música pode, de facto, mudar o mundo. Será possível hoje existir uma música como America (Simon e Garfunkel) capaz de fazer sonhar toda uma geração e oferecer-lhes a dádiva da descoberta? Julgo que se perdeu o conceito religioso, como se uma música pudesse servir de oração ideológica para se redefinirem constantemente os ritmos da vida. Perdeu-se não apenas isso, mas também a própria cultura da banda. Ou seja, ainda que exista a cultura da canção, já não se olha para uma banda como se fossem os pregadores das nossas mais íntimas orações; como se olhava antes para Nirvana, por exemplo. Talvez não exista espaço hoje para tanta oferta e as músicas acabem por se perder em memórias muito curtas, na gigantesca máquina industrial de fabricação da Britney Spears do dia.

Ou seja, de uma forma muito directa, faltam heróis para as novas gerações. Heróis que permaneçam. E o Homem sempre precisou de heróis, sempre precisou de orientação. Seja ela qual for: a de um pai ou de uma mãe, a de um padre, a de um amigo... Talvez seja por isso que as mais jovens gerações de hoje me pareçam sempre um pouco perdidas. Não no sentido mais pitoresco das drogas ou da vida boémia em geral (ainda está para vir uma geração mais dada ao álcool e drogas que a dos 70’s), mas sobretudo pela forma como vivem sem objectivos, sem sonhos e sem grandes estruturas ideológicas. No fundo, talvez não vivam, mas antes sobrevivam. Como se a efemeridade do momento pudesse oferecer, de uma vez só, a tranquilidade despreocupante da existência sem, no entanto, sentirem a necessidade do momento seguinte. Faltam sacerdotes na bíblia musical contemporânea. Temos um Papa (Bono Vox) mas falta a Igreja (no melhor sentido da palavra).

Tiago Pimentel

domingo, fevereiro 15, 2004



Cold Mountain, de Anthony Minghella

Site Oficial

Class.:

Montanhas geladas

Para quem, como eu, tinha adorado «O Paciente Inglês» e gostado bastante de «O Talentoso Mr. Ripley», é com amarga desilusão que recebo «Cold Mountain», a mastodôntica produção da Miramax, já comparada a «Heaven's Gate» (que, como se sabe, arruinou o estúdio da United Artists). E é penoso ver tanto talento desperdiçado num filme sem paixão, sem vertigem, demasiado limado de quaisquer desequilíbrios humanos, sem obsessão nenhuma quando o cerne da história é, precisamente, o regresso de um soldado ferido a casa, para junto da sua amada que, à distância, cultiva um amor desesperado e obsessivo. Numa realização desapaixonada e, a tempos, embaraçosamente amadora com descuidos notórios nas ligações de imagens, sobretudo nas passagens de perspectiva entre os planos gerais e os grandes planos, com a falta de rigor de um telefilme e uma montagem serviçal, académica e televisiva (com o rigor, mas também a previsibilidade, de um Dallas). Algo que apenas posso explicar pelas dificuldades que devem ter encontrado a filmar em exteriores tão complicados como os da Roménia sem tempo, nem espaço, para organizarem o trabalho.

«Cold Mountain» recebe, pontualmente, descargas eléctricas de um desfibrilhador narrativo, como a personagem agradavelmente exuberante de Renée Zellweger ou da força da Natureza chamada Natalie Portman. Fora disso, é um pastel sem coesão, sem paixão, sem consistência, sem alma, revestido por um leque de personagens secundários que deixam ficar a sensação de serem imitações de imitações de ideias de personagens. É uma imitação barata de outros clássicos muito superiores como «E Tudo o Vento Levou». Todo o conceito «bigger than life» que funcionou como imagem de marca da produção Selznick perdeu-se e ficamos com a sensação de estar a ver uma falsificação escancaradamente mal feita, com uma vontade urgente de ir rever the real thing...

Tiago Pimentel
Vi o jogo Benfica/FC Porto com bastante atenção. Depois de uma primeira parte morta e com o Porto a controlar a situação, fiquei boquiaberto com o banho de futebol que o Benfica conseguiu impor na segunda parte. Por momentos, parecia o Benfica de há uns bons anitos atrás e, por diversas ocasiões, tiveram mesmo quase a passar para a frente do marcador. Quanto a mim, Mourinho escolheu uma má altura para começar a abusar da frase «somos a melhor equipa do campeonato português». Se isso era claramente verdade no início do campeonato, creio que neste momento as coisas são muito mais divididas. O Porto tem vindo a descer enquanto o Benfica, por oposição, tem subido. Fiquei um pouco perdido com as palavras do treinador do clube azul e branco durante a conferência de imprensa após o jogo. Como é possível ainda defender que não houve uma equipa que se tenha destacado claramente? Parece-me óbvio e objectivo. Foi um bom jogo de futebol, com uma excelente segunda parte e um «fair play» razoável. Mais jogos assim, por favor...

Tiago Pimentel

sexta-feira, fevereiro 13, 2004

A primeira impressão a seguir a ver «Monster» é constatar, para surpresa minha, que Charlize Theron consegue ser actriz se quiser. Ou melhor, se calhar a surpresa nem é tanto por verificar que ela consegue a complexidade laboriosa de um verdadeiro trabalho de actor (Charlize, afinal, sempre foi uma actriz competente e eficaz); nem pela impressionante transformação física (mais 15 quilos e uma prótese facial que tornam a actriz praticamente irreconhecível); mas, sobretudo, pelo trabalho interior que Charlize exigiu de si própria. Não é uma personagem preenchida por maneirismos. Ou seja, não foi construída por fora, mas sim de dentro. O comentário segue brevemente.

Tiago Pimentel

quinta-feira, fevereiro 12, 2004

Wake Up Thoughts

Acordei hoje com o Jeff [Buckley] a cantarolar-me letras de um desespero sereno, como quem aguarda a morte com a tranquilidade do amor. E enquanto pronunciarem o nosso nome, jamais morreremos.

I once was open, and one with a travelling heart.
I loved this sweet guy.
Just like a fiction rushing in your riverbed,
Arise like applause in my head.
And in the half-light, where we both stand
This is the half-light, see me as I am.
Just like the ocean, always in love with the moon,
It's overflowing now, inside you.
We fly right over the minds of so many in pain
We are the smile of light that brings them rain.
In the half-light, where we both stand
In the half-light, you saw me as I am.
I am a railroad track abandoned
With the sunset forgetting I ever happened,
That I ever happened.

quarta-feira, fevereiro 11, 2004

Há uma espécie de suspensão visual em «A Rapariga do Brinco de Pérola». Há a suspensão dos quadros reais fotografados de forma assombrosa por Eduardo Serra (cada vez mais próximo do Oscar). Mas há também a suspensão enigmática do rosto de Scarlett Johansson, algures entre a ingenuidade pueril da criança que não aprendeu ainda a ser olhada e o erotismo de quem perverte a ponderação da luz sobre o seu corpo, subvertendo as formas e a forma como os olhares a desenham (e desejam). Quanto ao filme... falta-lhe sumo, desequilíbrios, vertigem, risco. Há um controlo absoluto sobre os corpos e os planos que tem um efeito desconcertante sobre a soltura expontânea dos actores, praticamente inexistente. Mas uma agradável experiência, nonetheless.

Tiago Pimentel

domingo, fevereiro 08, 2004


How much does life weigh?

«21 Grams», de Alejandro González Iñárritu

Site Oficial

Class.:

Um filme fragmentado pela imponderabilidade incerta do tempo, onde o mais importante é sentir a tragédia a caminhar para um lugar independentemente da sua (falta de) linearidade temporal. Mais que uma racionalidade lógica das situações e das emoções, há imagens, há sensações, há percepções. Não interessa, de facto, perceber o que vem antes ou depois; é um filme para sentir e seguir, afinal de contas, a linearidade emocional por oposição ao caos narrativo.

Também li algumas comparações que se fizeram em relação a «Blood Work» de Clint Eastwood (na maioria das vezes, para menorizarem o valor deste «21 Gramas»). É uma comparação tão inoportuna quanto seria invalidar «A Lista de Schindler» por já existir «Salo ou os 120 dias de Sodoma». «21 Gramas» é um filme sobre o valor da vida, sobre o certo e o errado, sobre o valor precioso de cada momento (mesmo que baralhado pelos anacronismos caóticos da nossa existência). Benicio Del Toro, Naomi Watts e Sean Penn são os pilares simbólicos (no melhor sentido da palavra) da errância de vivermos sem um sentido definido. Aliás, como na estrutura do filme, não é a vida também um conjunto de momentos que, com a sua riqueza, nos desordenam a memória? E, no limite, vivemos limitados pelas nossas próprias inseguranças morais que nos caucionam um sentido para continuarmos a respirar ou para deixarmos o coração bater.

Tiago Pimentel

segunda-feira, fevereiro 02, 2004

Lágrimas de Crocodilo

Depois do trágico fim que se acidentou sobre Fehér há uma semana atrás, juro a pés juntos que fiquei mesmo comovido com o luto do povo português. Como o prof. Marcelo Rebelo de Sousa explicou, e muito bem, é uma forma de sentir que nos é muito característica. Somos um povo naturalmente desequilibrado, amargamente insensível para umas coisas mas exageradamente sensibilizados por outras. É a nossa forma de ser, é a nossa cultura e devemo-nos orgulhar da forma como chorámos a morte de Fehér. É, aliás, bom relembrar que, em tempos de funesto cinismo, ainda conseguimos sentir.

É com profunda tristeza que observo, uma semana depois, a canibalização absoluta desse luto. Primeiro no jogo entre o Sporting e o FC Porto. E, notem, nem é preciso especular sobre a veracidade da afirmação (gravíssima, a confirmar-se) que Mourinho terá feito sobre o jogador Rui Jorge; basta a atmosfera anti-fairplay que se gerou durante e no fim do jogo para invalidar toda a união que se julgava consumada na semana anterior. E, para vilipendiar de vez a integridade da moral e da ética que habita o mundo do futebol português, aos 93 minutos de jogo (o mesmo minuto, sensivelmente, da queda de Fehér uma semana antes) dá-se início, no Estádio D. Afonso Henriques (no jogo Guimarães-Boavista), a um remake português das batalhas campais de «Braveheart». Como é possível acontecer algo desta magnitude a 4 meses do Europeu e uma semana depois da morte de um jogador, precisamente no mesmo estádio? Existirão razões que possam explicar este fenómeno de falta de civismo num país de primeiro mundo? E em Portugal? O leitor mais informado saberá certamente que num país de terceiro mundo, estas situações são de uma banalidade assustadora. E nós? A 4 meses de um acontecimento tão decisivo e determinante para testar a saúde das nossas infraestruturas a nível da segurança e do escoamento de massas humanas e empenhados nas mais esforçadas tentativas por manter os padrões de convergência gerais da UE, em que mundo nos queremos enquadrar?

Um ponto positivo: a suspensão por 30 dias do Estádio D. Afonso Henriques. Isto é bom, mostra que afinal também é possível tomar uma decisão célere no nosso país. E que razões se conseguiram apontar, afinal, para a alienação total de qualquer conceito de civismo ou de desportivismo? João Loureiro, do lado do Boavista, acusou Pimenta Machado, presidente do Guimarães, de criar constantemente certos ambientes (não estou a ser inconclusivo, foi mesmo só isto que o presidente do Boavista disse). Do lado do Guimarães, argumentou-se que, num jogo com 6 substituições, é estranho haver apenas 4 minutos de desconto e que isso revolta o mais pacífico dos adeptos...

Tiago Pimentel

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