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Tiago Pimentel
Críticas dos leitores para: tiago_pimentel@hotmail.com

sábado, agosto 27, 2005

Sobre Alone in the Dark

Uma breve nota para dar conta de um filme histórico que importa descobrir nas salas: Alone in the Dark. Um filme tão mau que escreve História na escala celestial dos piores filmes de sempre, sem sequer se tornar num objecto da escola Ed Wood, onde o infinitamente mau se poderia tornar, inadvertidamente, interessante. Mas nada de interessante se passa em Alone in the Dark. É tudo mau: desde o argumento absurdo, até às pálidas ideias de personagens que por lá se passeiam desorientadas, passando por uma montagem arbitrária de imagens que funciona, ora como catalisador caótico de sequências de acção, ora como telediscos segmentados e devidamente enquadrados pela música. Um longo e penoso bocejo, sem direito ao entretenimento do ridículo. Um rotundo zero não chega para definir este objecto.

Tiago Pimentel

sexta-feira, agosto 19, 2005



U2 Vertigo Tour // Alvalade 2005

Into the Heart


Dizer que a aventura para o concerto dos U2, em Alvalade, começou 48 horas antes do espectáculo (altura em que muitos já acampavam à sombra do estádio) é um eufemismo. A odisseia começou há 6 meses atrás, quando milhares de pessoas passaram noites ao relento para conseguir ingressos para aquele que, antes mesmo de acontecer, já era o concerto do ano em Portugal. E, durante estes 6 meses, muita tinta escorreu nos jornais sobre o mercado negro, bilhetes falsos, preços absurdos e passatempos dantescos, tudo em nome da mais vergonhosa vigarice. Mas quando chega a hora de pisar o estádio, tudo isso é esquecido, todas as noites ao relento para conseguir bilhete, as horas de espera à entrada do estádio, tudo em nome de pouco mais de 2 horas de música. Quem está de fora, dificilmente compreenderá esta devoção de culto a uma banda rock. Tem a ver com questões de fundo que implicam, necessariamente, perspectivas subjectivas sobre a nossa relação de compromisso com toda e qualquer forma de arte. E não são poucos os olhares que troçam da sobriedade artística da música (nomeadamente da cultura pop/rock), ao mesmo tempo que canonizam uma exposição de pintura ou a estima intelectual de um concerto de ópera. Todas as formas de arte são fascinantes nas (e por causa das) suas diferenças.

Mas não é menos verdade que a vinda dos U2 a qualquer país não é um acontecimento trivial. É um happening mediático, sem dúvida. Raras bandas conseguiram, como eles, deificar a música; isto é: criar um sentido de existência nas suas canções onde, inevitavelmente, nos revemos. Diz-me que música ouves, dir-te-ei quem és. Seria uma maneira justa de colocar a questão, sobretudo se procurarmos, sem receios, a religiosidade implícita à nossa entrega humana (que o escárnio intelectual tantas vezes gosta de denunciar como «fanatismo»). U2 (“tu também”) define na perfeição a relação das pessoas com o património musical da banda - existe esse sentido de pertença, como se as músicas fossem orações que transcenderam os próprios criadores e que existem, agora, como diálogo fundamental entre o Homem e o seu Humanismo. A Arte é isso: a dialéctica com nós próprios.

Mas o que tem isto tudo a ver com um espectáculo rock num estádio com 52.000 pessoas? Tudo! É o mais próximo que temos de uma eucaristia cool, se quiserem. Quatro músicos a tocarem rock’n’roll como se estivessem à procura de um sentido existencial supremo. Como se fosse, de facto, uma forma de nos aproximarmos de algo divino. Os U2 cresceram a ouvir os últimos grandes gritos do rock, um movimento que nasceu com a vontade de mudar o mundo. Eles são, naturalmente, uma das poucas bandas que ainda vive nesse nascimento do rock; eles acreditam, mais do que nunca, que a música pode mudar o mundo – mudou pelo menos o meu mundo, afirma Bono.

Eram 20h10 quando os Kaiser Chiefs entraram para uma abertura solitária (os Keane cancelaram por doença do vocalista), mas enérgica. Mesmo sabendo que o repertório musical da banda, concretamente do álbum Employment que vêm promover, é demasiado homogéneo (cada música parece uma variação sobre outra), o seu desempenho ao vivo é, francamente, positivo e divertido. Serviu para distrair e facilitar a longa espera até às aguardadíssimas 22h. Foi nessa altura que começou a soar Wake Up, dos Arcade Fire, e adivinhava-se: os U2 vinham aí. E confirmou-se: passados 2 minutos da música ter começado, a banda pisa o palco de Alvalade arrancando a primeira explosão de alegria das gargantas do público português. Um “1, 2, 3, 14” bem pronunciado em português dava o mote para o pujante Vertigo abrir as hostilidades e colocar milhares de pessoas a pular e a gritar. As luzes apagam-se e o sentimento de vertigem instala-se literalmente; toda a gente salta em diversas direcções, numa espécie de equilíbrio colectivo cáustico, sem atropelos nem violência. A música dos U2 é, muitas vezes, agressiva mas nunca se torna violenta. A mítica I Will Follow seguiu-se para preservar a energia de Vertigo, resgatando também o coração de muitos fãs mais acérrimos da banda. À terceira faixa, mais uma para os ouvidos mais devotos da banda (The Electric Co), alguém decidiu estender um boneco de cartão, em tamanho real, do Bono, ao que o vocalista, com um sorriso, gesticulou para lho enviarem. Um momento de antologia, com Bono agarrado ao boneco, como se se olhasse ao espelho e, por momentos, revivesse as dualidades fascinantes de The Fly/Mr. MacPhisto. Num impulso de raiva, mordeu o boneco e atirou-o para longe. Bono, além de um vocalista de excepção, é um magnífico show man. Ele tem o público na mão, desde o primeiro minuto, como se estivesse a actuar para meia dúzia de amigos num velho pub irlandês.

Elevation arrancou muitos “whoo hooo” e foi um momento de calíbrio vocal impressionante, por parte das 52.000 gargantas presentes e ansiosas por participarem no espectáculo rock, com paisagens gospel. Era o caso da magnífica I Still Haven’t Found What I’m Looking For, que iluminou o estádio de Alvalade a isqueiros e resgatava a alma gospel do rock americano que os U2 tanto admiram. De seguida, a banda iniciava um bloco de músicas sólidas do seu último trabalho How to Dismantle an Atomic Bomb: City of Blinding Lights, Miracle Drug, Sometimes you Can’t Make it on your Own e Love and Peace or Else. Começava, também, o palco a exibir as suas primeiras habilidades, ao nível da luz e da cor, nomeadamente na utilização da gigantesca estrutura de fundo que formava imagens, letras, cores, etc. Miracle Drug é dedicada, carinhosamente, ao Hospital da Estefânia, e Sometimes You can’t Make it on your Own recupera as memórias do falecido pai de Bono, momento em que o vocalista retira, pela primeira vez, os óculos que lhe escondiam as lágrimas. A soturna e industrial Love and Peace or Else anuncia-se e Bono reaparece com uma fita na cabeça onde se pode ler «Coexist», escrito com o C do crescendo muçulmano, um X como a estrela de David judaica e um T a simbolizar a cruz de Cristo. Era a primeira referência política dos U2, num concerto que viria a pautar-se, também, pelos grandes ideais e o apelo à militância e sensibilidade de quem os ouvia. Outra bandeira dos U2 reentra: Sunday Bloody Sunday, um dos hinos máximos anti-terroristas, onde Bono reforça o seu lenço de coexistência, através da projecção da mesma palavra na estrutura de fundo. Bono pede para gritarmos «No more!», e nós, no máximo das nossas capacidades vocais, berramos a pulmões cheios o que ele pede. Por duas horas, gritamos a uma só voz, como nunca antes o fizéramos, pelo fim do terrorismo e das injustiças desumanas que atemorizam o planeta. São os U2, iguais a si mesmos, mobilizando massas para algo mais do que ouvir canções. Estávamos a cantar ideais, a berrar justiça e a chorarmos emoções. Por esta altura, até os mais desatentos tinham percebido que não estavam num concerto normal. Ali, a música era um embrulho artístico para exorcizarmos as nossas mágoas, para nos sentirmos parte de um organismo muito superior a nós. Durante pouco mais de 2h, cada um de nós era uma pequena parte de uma única voz que se fazia ouvir nos arredores de Alvalade. Cantávamos como se fosse a coisa mais importante do mundo. E talvez fosse, estávamos a cantar a nossa pele e o nosso corpo.

Miss Sarajevo, música original do álbum Passengers (onde Bono cantava com Pavarotti), foi anunciada por Bono como uma oração em memória das vítimas do atentado terrorista de Londres. Foi um dos momentos mais arrepiantes do concerto, onde os isqueiros acesos convocavam o silêncio trágico de corpos que, hoje, são apenas memórias. Como numa missa, rezava-se pelas memórias dos que morreram, esperando que também eles reencontrassem a paz nos cântigos que entoávamos. Ou talvez fosse apenas a única forma de lidarmos com o nosso próprio desespero face ao monstro do terrorismo (não nos podemos tornar no monstro para combater outro monstro, dizia Bono). Com as últimas notas de Miss Sarajevo a respingar, começava a ser projectada, em bom português, a Declaração Universal dos Direitos Humanos, um dos momentos mais comoventes e aplaudidos da noite. Escritos em português e lidos em inglês, os seis artigos enunciados foram sempre acompanhados por palmas efusivas de um público tão interiorizado no espectáculo que, muitas das vezes, participava como podia, sem saber se devia – o que arrastou efeitos positivos (como o ar perplexo do Bono face ao entusiasmo do público, soltando, várias vezes, um espantado Wow, que se passa aqui?), bem como negativos (Bono a gesticular para o público parar de bater palmas, durante Miss Sarajevo). O público queria participar de todas as maneiras e nem sempre sabia como fazê-lo. A essência de um espectáculo rock também se constrói nesta imprevisibilidade e a banda tê-la-á sentido, seguramente... e terão ficado muito satisfeitos.

Seguiu-se o bloco «África», com três bandeiras emblemáticas da banda irlandesa: Pride, Where the Streets have no Name e One. Pride foi, como é tradição, cantada em memória de Martin Luther King e do seu sonho de igualdade universal (Não é apenas um sonho americano ou europeu, mas também é asiático e africano). Seguiu-se, provavelmente, o mais amado dos clássicos dos U2: a transcendente Where the Streets have no Name, que colocou 52.000 corpos a estremecerem o estádio ao som dessa música frenética, mas harmoniosa, ríspida mas épica, onde todas as notas coexistem como se fossem Mandamentos pronunciados por Deus. Em fundo, passavam as bandeiras africanas, e o coração de quem presenciava, já sangrava com a intensidade humana que se vivia. Bono discursou, confessando o seu desejo de ver Portugal, não a acompanhar, mas sim a liderar a campanha Pobreza Zero em África. Não podemos resolver todos os problemas, mas aqueles que podemos, temos de resolver! Bono é um dos mais genuínos comunicadores de grandes massas do planeta. Só ele consegue falar de direitos humanos e da pobreza sem parecer um lugar-comum ou um falsário. Só ele consegue mostrar-se agradecido pela condecoração que o presidente Sampaio lhe concedeu, nessa mesma tarde, e soar absolutamente credível quando diz: Também nós, hoje, nos tornámos portugueses. Talvez a explicação seja simples: talvez seja porque ele acredita, genuinamente, nisso. E nós, com ele, acreditamos também. Era o mote para tocar One: Nós somos mais poderosos quando actuamos como Um só. Uma das músicas mais tristes e tocantes dos U2 era cantada, sentida e chorada por milhares de corações que se faziam ouvir e sentir. Havia quem desse as mãos e as erguesse no ar, outros abraçavam-se e outros olhavam, ainda, para o chão a tentar captar um pouco dessas notas para si mesmos. Fã ou não, One é a bandeira mais universal dos U2 e isso intensifica o sentido de partilha. Esse conhecimento possibilitava que estranhos se abraçassem como amigos de sempre, porque essa ligação estava na música, todos se sentiam parte dela e, por isso, nela se reconheciam. Termina o corpo principal do concerto. A banda retira-se e prepara o Encore.

No público começava a gritar-se How long to sing this song, cântigo tradicionalmente entoado pelos fãs para chamarem a banda, novamente, ao palco. E assim aconteceu. Ouvem-se os primeiros acordes de Zoo Station, no apoteótico diálogo entre a guitarra de Edge, esbatida pela bateria de Larry Mullen Jr. Bono reaparece com um fato de motorista e os écrãs e a encenação do palco recria as ambiências cáusticas e negras da gloriosa ZooTv (digressão que, também, passou em Portugal, em 1993). Segue-se a fortíssima The Fly, possivelmente, um dos temas com direito a mais aparato visual traduzindo-se nas tradicionais palavras a trovejarem no écrã gigante, como um programa de lavagem cerebral. Segue-se um dos temas mais queridos dos U2, a eterna balada With or Without You que Bono aproveita para resgatar uma fã do público e dar uns passinhos de dança bem aconchegados. Uma jovem que, sem dúvida, terá vivido um dos momentos da sua vida. O espectáculo estava a chegar ao fim e intensificava-se a desnudação de um som sofisticado, substituido pela acústica Yahweh. Uma canção que serve de diálogo directo entre o Homem e Deus, como uma entrega do nosso corpo à vontade divina. Em pano de fundo, voltava a passar a expressão Coexist, com uns desenhos mais “pop art” que pareciam conhecer o caminho mais directo para a nossa sensibilidade. A simplicidade da mensagem coincidia com uma canção humilde e despida de sons sofisticados e elaborados. Yahweh conquistou-me o coração e é, hoje, uma das minhas preferências máximas na discografia da banda. Tocada com uma guitarra acústica e uma voz que parece habitar no fim de um mundo, desesperada pela dor de quem já não sabe o que fazer, mas fascinada pela possibilidade do recomeço. Yahweh é uma entrega de alguém que, desencantado com as injustiças que adoecem o mundo, desiste de tudo e entrega o corpo e a alma a Deus para que Ele faça o que entender. É um tema dilacerante e fascinante, quer acreditemos em Deus ou não, nunca foi essa a questão.

A seguir, os mais atentos preparavam-se para ouvir Vertigo, a música que tradicionalmente abre e fecha os concertos da digressão. Mas qual não foi a surpresa quando soaram os primeiros acordes da mítica 40, hino que os U2 usaram em 1983 para fechar os seus concertos. Desde então que a música conquistou o panteão de um misticismo muito amado, suportado por uma coreografia que, traduzindo, implica a saída individual de cada membro dos U2 (primeiro Bono, depois The Edge, Adam e, por fim, Larry) do palco. Sabíamos, nesta altura, que os U2 nos estavam a dizer adeus. Mesmo depois da saída, o público continuava a cantar o refrão How long to sing this song? A maioria sabia que eles não voltavam, mas a música ecoava e só parou quando as luzes do estádio se ligaram e a música dos Kraftwerk anunciava o fim do concerto. O concerto terminava, mas a música fazia por persistir, como um cheiro que nos tinha ficado na roupa. Milhares de pessoas saíam do estádio e preparavam-se para acordar desse sonho. Mas estavam melhores, mais preenchidas. Fora do estádio podíamos ser anónimos entre nós, mas ali dentro, na familiaridade da música, aconchegávamos, sem receios, o ombro do vizinho para partilharmos, também com ele, as nossas lágrimas ou a nossa voz. As luzes do estádio ligam-se. Começa a passar outra música que não U2. Os ruídos da cidade fazem-se ouvir novamente, as buzinas dos automóveis reentram no nosso mundo, as luzes de uma cidade estranhamente surrealista despertam-nos desse sonho. As vozes desse público são, agora, ecos anónimos e imperceptíveis que se dissolvem na rua, e as imagens desse evento são mais uma linha no meu rosto. É estranho relembrar esse concerto, já que deveria ser uma imagem guardada com precisão e realismo, mas, por insólito paradoxo, essa memória é cada vez mais desconcertante e deslocada. Como se a tivesse sonhado. Talvez seja esta a magia de um concerto rock. Qual? A de vivermos um sonho.

Tiago Pimentel

segunda-feira, agosto 15, 2005





U2 Vertigo Tour // Lisboa - Alvalade

Não foi ainda inventada a adjectivação que faça justiça ao concerto dos U2 que presenciei ontem, no estádio Alvalade XXI. Brevemente colocarei aqui um texto extenso e mais reflectido sobre os momentos que eu e mais 52.000 pessoas vivemos. Por agora, deixo aqui apenas a minha mais sincera perplexidade e incapacidade em traduzir, por palavras justas, o concerto épico de 14 de Agosto de 2005.

Tiago Pimentel

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