I want to try something. I want to see if you stay together or if you dissolve into molecules.
«Antes do Anoitecer» (DVD), de Richard Linklater
Classificação:
Depois do amor
Eles não se viam há 9 anos, depois de viverem a noite mais intensa das suas vidas. Ele escreveu um livro sobre essa noite e ela trabalha em assuntos humanitários. O meu desejo romântico queria, mais do que tudo, juntá-los, mas a minha consciência partilha do desencanto dele. Que desencanto? Não se trata de nenhum desencanto romântico, apenas o desencanto próprio de quem lamenta as suas próprias memórias. Não que desejasse não as ter vivido, mas sobretudo, vivê-las de outra maneira, com uma outra maturidade que a juventude lhes negara. Quando ele a reencontra, há um jeito desajeitado nele a procurar-lhe o rosto para a beijar cordialmente. Talvez seja o jeito próprio de quem revisita um lugar antigo, inseguro da sua geografia afectiva. O olhar triste dele entristece-me sempre que o relembro e o sorriso desencantado dela é suficiente para encantar o mundo dele. Ambos lamentam as escolhas que fizeram no passado, desejando que tivessem sido menos românticos, mais conscientes das suas opções. Porque não trocámos de números? pergunta ele.
Há qualquer coisa na câmara de Linklater que tem tanto de discreto como de subtilmente presente. Em boa verdade, se há espaço para Ethan Hawke e Julie Delpy construirem um palco de genuíno realismo, é Linklater que lhes concede o protagonismo da câmara. Já em «Antes do Amanhecer», os lugares cediam a sua beleza ao encanto do casal (alguns lembrar-se-ão dos planos finais de «Antes do Amanhecer», daqueles lugares vazios e desencantados pela ausência dos dois apaixonados). Em «Antes do Anoitecer», Paris existe para além dos seus símbolos mais reconhecíveis, dispensando a grandiloquência da Torre Eiffel ou do Arco do Triunfo, concentrando-se nos pequenos detalhes da cidade, dos cafés, das pessoas... «Antes do Anoitecer» é um filme passado depois do amor, depois do fim dos contos de fadas. E é extraordinariamente cruel, tanto para eles como para nós.
É cruel sentir a irreversibilidade do tempo, das escolhas, do envelhecimento. Sentir que só na juventude é possível sonhar com aquilo que, mais tarde, descobrimos que não podemos ter. O meu lado militante e optimista acredita que todos podemos lutar pela nossa felicidade, mas ao mesmo tempo apercebo-me que, quanto mais caminhamos, mais peso têm as decisões que tomamos. E eles sabem tão bem disso... Ele confessa ter escrito um livro para ela e ela uma música para ele e acabamos no mesmo ponto de suspensão do primeiro filme. O meu olhar de criança impele-me para a tradição dos contos de fadas, mas no fundo sei que o intenso realismo do filme não (cor)responde a nenhuma utopia romântica. Há uma nova maturidade em «Antes do Anoitecer», diferente da do filme anterior... uma outra interrogação, mais perturbante e complexa: e depois do amor?