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Tiago Pimentel
Críticas dos leitores para: tiago_pimentel@hotmail.com

domingo, dezembro 10, 2006



The Departed, de Martin Scorsese

Classificação:


Numa altura em que os franchises cinematográficos estão cada vez mais a ganhar um lugar na indústria (sobretudo nas sinergias que se conhecem entre o cinema oriental e o americano, nomeadamente no terror), é fundamental definirmos a natureza deste The Departed. Em boa verdade, não se trata de mais uma transposição mais ou menos banal dos meios de produção de um cinema para o outro. Trata-se, sim, do cumprimento da premissa central deste tipo de dispositivos. Isto é: refazer uma história. Ou, para sermos mais tradicionais: recontar uma história. Para todos os efeitos, as histórias sofrem remakes constantes com corpos e lugares diferentes (se Jurassic Park pode ser lido como o revisitar do conto de Frankenstein, também o mais recente Happy Feet pode ser encarado como o refazer da história do Patinho Feio). De facto, The Departed pode e deve ser olhado com esta liberdade formal e dramática, com a abstracção suficiente para percebermos como a mesma história originou filmes tão distintos.

De facto, olhando para Infiltrados e para este The Departed, facilmente percebemos como as sinopses são sempre fracos elementos de caracterização de uma obra. A história é a mesma, mas os pontos de vista são diferentes. A Scorsese interessam-lhe os dilemas melodramáticos que surgem da colisão de pessoas divididas pelas suas opções de vida, mas unidas na sua mais íntima orfandade. Recordo-me da personagem de Leonardo DiCaprio (o melhor actor da sua geração?), um homem que, algures na sua mistura profissional de identidades (é agente infiltrado), esqueceu-se da sua. Na sua errância, procura apenas matar a sua última identidade para poder renascer de volta para a sua vida (haverá algo mais trágico do que esquecermos a verdade da nossa própria identidade?).

The Departed é um filme que recupera uma dialéctica já encenada de forma magistral este ano por outros dois objectos notáveis (Munique e História de Violência). De facto, Scorsese encena-a como se ambas fossem vectores contraditórios de um mesmo corpo (de forma quase trágica, a identidade de cada um também se constrói da nossa relação com a violência e as suas múltiplas interacções). É fundamental sabermos que a violência não existe apenas sob a forma de uma bala a rasgar o tecido de um corpo: ela existe também no rosto de Nicholson e na sua solidão irremediável, confinado a relações transitórias, encontrando um sentido nos filhos que adopta na rua; e também sexual, no triângulo amoroso em que os seus protagonistas se infiltram na intimidade uns dos outros. E a presença subtil mas, ao mesmo tempo, tão forte de uma mulher (Vera Farmiga) nos dilemas centrais do filme, introduz também uma fascinante perspectiva feminina que raramente encontramos em Scorsese. De facto, se existe um lado masculino muito forte nos conflitos morais e bélicos que se desenham neste The Departed, ao seu lado (como se fosse um cheiro suave mas decisivo) a presença de um ponto de vista subtilmente feminino, acaba por converter um conto de armas, polícias e ladrões, numa trágica história de amor. E, como a violência, também o amor existe em todos os seus detalhes. Sem hesitações: uma das grandes obras primas dos últimos anos.

3 Comments:

Anonymous Anónimo said...

THE DEPARTED é um dos filmes-chave de 206,sem dúvida. A menção a remakes "com corpos e lugares diferentes" é interessante, mas não percebi qual a ligação entre FRANKENSTEIN e o filme de Spielberg. Gostaria de compreender melhor.

Cumps.

7:42 da tarde  
Blogger Tiago Pimentel said...

A relação entre Frankenstein e Jurassic Park enquadra-se precisamente na categoria "remakes com corpos e lugares diferentes". Um tem um corpo monstruoso desenterrado e reavivado, o outro tem dinossauros reintroduzidos no mundo depois de milénios passados sobre a sua extinção. Mas, no limite, ambos os filmes lidam com um princípio inequívoco: a capacidade de lidarmos com as consequências daquilo que criamos.

Mais do que isso, percebermos que ambos os filmes lidam com o lugar e o espaço que a Natureza nos permite ter no mundo. No caso de Frankenstein, a possibilidade de fazer renascer um ser que já morreu; e em Jurassic Park, a fascinante possibilidade científica de recriar dinossauros muito depois do seu tempo. Lidar com a morte e os seus anacronismos morais, mas mais do que isso: pensarmos que a vida (e a morte...) deixou de ser um fenómeno natural, para se converter em mais uma das nossas criações.

Cumprimentos

4:55 da manhã  
Anonymous Anónimo said...

Grato pela explicação!

7:29 da tarde  

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