Seabiscuit e os melodramas
Existe, infeliz e incompreensivelmente, uma grande resistência sempre que surge um filme que recupera a tradição melodramática do cinema clássico norte-americano (Minnelli, Cukor, etc). Como se tivesse sido atribuído um local específico no tempo para o melodrama e fosse, assim, impossível sobreviver com as mentes contemporâneas, obcecadas com alguma estética pós-moderna (Fincher, Tarantino). Nada contra o imenso talento destes dois cineastas, mas não será possível o cinema e todas as suas correntes, coexistirem num mesmo espaço temporal? Enfim, «Seabiscuit» foi um filme que me ajudou a relembrar a beleza humana que contagia uma simples história; o gosto pelas personagens, de estar com elas, aprender as suas qualidades e fragilidades, enfim, deixar que sejam elas a contar a história e a desenvolver as suas próprias vulnerabilidades. Porque ser Humano passa também por aceitarmos as vulnerabilidades do próximo. E é natural que, quando aparece um filme capaz de expor de forma tão desarmante as suas personagens, se torne tão difícil de lidar com um objecto destes; porque nos fala de forma tão aberta e franca ao coração. É difícil voltar a acreditar na inocência dos anos 40, sobretudo o período pós-Guerra - altura em que tanto precisávamos de candura e fantasia. Será assim tão difícil ou ter-se-à o olho humano tornado tão cínico que seja impossível recuperar o olhar humilde e inocente que nos consome durante um Capra? Dir-me-ão que este filme não é um Capra. Provavelmente não. Mas está mais próximo de um Capra do que, por exemplo, de um Lasse Hallström.
«Seabiscuit» conta a história de um triângulo de vidas cruzadas pela necessidade de se transcenderem enquanto corpos narrativos e progredirem inexoravelmente para a aceitação do seu próprio destino - componente, aliás, fundamental no universo clássico do cinema. É, nesse sentido, um genuíno filme de actores (destaque para o magnificamente discreto Chris Cooper). Vai sendo raro encontrar filmes que deixem as personagens falar e darem a conhecer-se de forma tão natural e comovente, como se fôssemos espectadores das suas vidas, mas num reality show que ainda acredita na honestidade expontânea dos seus corpos e recusa sempre a fotogenia reciclável das suas imagens e a superficialidade das relações humanas. Enfim, existe alguma ganga narrativa de vez em quando, sobretudo com alguns diálogos e enquadramentos históricos desnecessários à história mas que acabam por produzir, por vezes, um agradável efeito globalizante através daquelas personagens. Acima de tudo, este é um filme que relembra uma velha máxima transmitida pelas melhores gerações de cineastas: as situações não chegam para fazer funcionar o dispositivo melodramático; são, acima de tudo, as relações que construímos com aquelas pessoas durante aquele espaço de tempo que nos ficarão gravadas na memória.
Class.: ****
Tiago Pimentel
Existe, infeliz e incompreensivelmente, uma grande resistência sempre que surge um filme que recupera a tradição melodramática do cinema clássico norte-americano (Minnelli, Cukor, etc). Como se tivesse sido atribuído um local específico no tempo para o melodrama e fosse, assim, impossível sobreviver com as mentes contemporâneas, obcecadas com alguma estética pós-moderna (Fincher, Tarantino). Nada contra o imenso talento destes dois cineastas, mas não será possível o cinema e todas as suas correntes, coexistirem num mesmo espaço temporal? Enfim, «Seabiscuit» foi um filme que me ajudou a relembrar a beleza humana que contagia uma simples história; o gosto pelas personagens, de estar com elas, aprender as suas qualidades e fragilidades, enfim, deixar que sejam elas a contar a história e a desenvolver as suas próprias vulnerabilidades. Porque ser Humano passa também por aceitarmos as vulnerabilidades do próximo. E é natural que, quando aparece um filme capaz de expor de forma tão desarmante as suas personagens, se torne tão difícil de lidar com um objecto destes; porque nos fala de forma tão aberta e franca ao coração. É difícil voltar a acreditar na inocência dos anos 40, sobretudo o período pós-Guerra - altura em que tanto precisávamos de candura e fantasia. Será assim tão difícil ou ter-se-à o olho humano tornado tão cínico que seja impossível recuperar o olhar humilde e inocente que nos consome durante um Capra? Dir-me-ão que este filme não é um Capra. Provavelmente não. Mas está mais próximo de um Capra do que, por exemplo, de um Lasse Hallström.
«Seabiscuit» conta a história de um triângulo de vidas cruzadas pela necessidade de se transcenderem enquanto corpos narrativos e progredirem inexoravelmente para a aceitação do seu próprio destino - componente, aliás, fundamental no universo clássico do cinema. É, nesse sentido, um genuíno filme de actores (destaque para o magnificamente discreto Chris Cooper). Vai sendo raro encontrar filmes que deixem as personagens falar e darem a conhecer-se de forma tão natural e comovente, como se fôssemos espectadores das suas vidas, mas num reality show que ainda acredita na honestidade expontânea dos seus corpos e recusa sempre a fotogenia reciclável das suas imagens e a superficialidade das relações humanas. Enfim, existe alguma ganga narrativa de vez em quando, sobretudo com alguns diálogos e enquadramentos históricos desnecessários à história mas que acabam por produzir, por vezes, um agradável efeito globalizante através daquelas personagens. Acima de tudo, este é um filme que relembra uma velha máxima transmitida pelas melhores gerações de cineastas: as situações não chegam para fazer funcionar o dispositivo melodramático; são, acima de tudo, as relações que construímos com aquelas pessoas durante aquele espaço de tempo que nos ficarão gravadas na memória.
Class.: ****
Tiago Pimentel
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