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Tiago Pimentel
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terça-feira, outubro 28, 2003




Brendan: A love like that doesn't come up twice in your life!
Sean: Most of the times, it doesn't come once.


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«Mystic River», de Clint Eastwood

Não é todos os anos que aparece um filme a instalar-se de forma tão directa e omnipresente nas vibrações mais emocionais da morte. Clint Eastwood é, de resto, um dos cinestas mais obcecados com as variações dramáticas que a morte pode impor aos seus filmes e às suas narrativas. «Mystic River» talvez seja o culminar de tudo isso, de uma súmula de obras instaladas nessas variações, aproveitando para transformar aquilo que podia ser uma ficção policial mais ou menos interessante num poderosíssimo drama sobre a omnipresença da morte e da sua contextualização... na vida. A realização é profundamente clássica mas as perturbações são intemporais. «Mystic River» é, antes de mais, um filme coladíssimo aos lugares, uma espécie de narrativa onde a geografia emocional é decisiva para as reacções e comportamentos dos corpos; é, acima de tudo, um filme que arrasta a morte desde o início como mais um lugar, uma geografia do corpo humano, ali bem perto de nós, ao virar da esquina, sentada ao nosso lado à porta de casa. Nesse sentido, «Mystic River» é também um filme sem qualquer espaço para romantismo ou alívios bucólicos; é um drama profundamente desencantado com o ser humano onde não acredita existir já espaço para o amor (enfim, dá um desconto de esperança).

Na verdade, as personagens de Eastwood são como anjos da morte, corpos que arrastam consigo sinais de uma impotência vivencial imensa, mortos antes mesmo que o corpo se decida a morrer. E são todos geniais, desde o trabalho assombroso de Tim Robbins até à mais angustiante contenção dramática de Kevin Bacon. Todos transportam consigo restos da vida de outros corpos com que se cruzaram. Eastwood dá espaço para todas as personagens existirem fora de um vácuo interior de composição dramática, como espelhos de outros rostos com os quais partilharam e partilham a sua vida. No limite, «Mystic River» acaba mesmo por ser um filme sobre a necessidade do ser humano em transportar consigo a energia de outros corpos além do seu. E essa necessidade é tão radical que caminha constantemente no fio da navalha, entre a vida e a morte, a vingança e a culpa. É, também, um filme profundamente social e com a consciência de que as especificidades daquela comunidade se entranham na pele de cada um como se fossem poeiras do ar. Resta saber até quando a água do Rio Mystic continuará a ser suficiente para lavar as memórias que impedem o romantismo esquecido de se voltar a instalar no espaço humano.



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Tiago Pimentel

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