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Tiago Pimentel
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sexta-feira, outubro 31, 2003

CONFESSIONÁRIO

- A Verdade e a Lei


Bom, chegámos à última sexta-feira do mês e é altura de Confessionário. O mês foi, de facto, dos mais convulsivos dos últimos tempos, talvez por estarmos a caminhar cada vez mais no sentido de várias verdades (legais e morais) na nossa sociedade - e a verdade é sempre convulsiva. Foi um mês onde se desmascararam várias carecas, nomeadamente a de quem pensava que o sistema judicial funciona num regime perfeitamente idílico, como se fosse exterior ao factor humano, imperfeito por natureza. No entanto, a questão da violação do segredo de justiça foi, como tudo, tratado numa gigantesca máquina de «marketing» mediática, onde qualquer informação, por mais especulativa que fosse, poderia ser usada para aumentar o clima de histeria em volta da situação legal e política do nosso país. E no meio deste caos, ninguém parou para pensar afinal de onde vêm estas informações e em que contexto foram obtidas e produzidas. Miguel Sousa Tavares tocou em questões decisivas no Jornal da TVI, como a descontextualização falaciosa de informações proferidas em circunstâncias específicas e a própria violação da privacidade do indivíduo. Não é problemático que se revelem segredos fundamentais para o funcionamento eficaz da justiça? E se fossem informações protegidas por sigilo profissional, como as de advogado-cliente ou psicólogo-paciente?

Em boa verdade, creio que há situações limite em que esses segredos deixam de o ser e são transcendidos por circunstâncias que desafiam todos os cânones que criámos para nos organizarmos enquanto sociedade e civilização. Por lei, os órgãos de comunicação social têm o direito a proteger as suas fontes. Mas numa situação limite, em que se colocassem em causa os fundamentos legais do próprio sistema judicial que legislou essas regras, não seria um paradoxo continuar a aceitá-las? É, possivelmente, altura de pensarmos em que situação (moral, ética, social, legal) esta fragilidade do segredo de justiça nos colocou. É apenas mais um falhanço do sistema (porque humano)? Ou será um erro de raíz com os fundamentos originais que construiram a base do nosso próprio sistema legal? Pessoalmente, não tenho a resposta objectiva para este assunto. É uma questão que vem da religião; o grande problema por trás de religiões como a católica é escudarem-se em valores tradicionais esquecendo que o Homem (pilar fundamental em qualquer religião) já evoluiu e construiu novas gramáticas de ética e moral. E sejamos francos, esta é uma questão que ultrapassa a geografia dos tribunais. A capa da última edição da revista Flash trazia Paulo Pedroso com a sua namorada, numa entrevista intitulada "Como vivem com a suspeita de pedofilia". Paulo Pedroso, um sujeito bastante reservado, está subitamente a dar entrevistas à revista Flash. Mas creio que para demonstrar esta publicidade enganosa bastava ver a recepção despropositada - digna de herói de guerra - que Pedroso recebeu pelos seus colegas de partido, quando saiu da prisão.

A vantagem de estar a escrever um texto de opinião em vez de um texto legal é estarmos protegidos contra os efeitos sociais e humanos que uma decisão desse calibre possa provocar. Será que desmascarar as fontes que passaram a informação cá para fora iria beneficiar o estado legal do nosso país? Parece-me que tudo isto ultrapassa a lei. É, antes de mais, uma questão de ética (não é a ética que se esconde por trás de todas as leis?). Proponho deixarmos de lado todas as luxúrias legais e as ginásticas gramaticais para reflectirmos sobre o valor ético que está por trás disto tudo. Afinal, estamos ou não à procura da verdade? Continuarão os nossos princípios e valores adequados ao estado evolutivo da nossa civilização actual? Mais: não serão inimigos da evolução? São apenas perguntas e não insinuações de uma qualquer retórica mais irónica. A verdade é convulsiva e acreditarmos que estamos num nível civilizacional que nos permite lidar com a verdade do mundo e das pessoas com relativa estabilidade, é uma ilusão. As convulsões e os constantes desequilíbrios sempre fizeram parte da evolução humana e acreditar que chegámos a um nível de estabilidade onde já não precisamos de mudar é o mais grave erro que podemos cometer.

Bom fim-de-semana,

Tiago Pimentel

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