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Tiago Pimentel
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quarta-feira, outubro 01, 2003



«Dogville», de Lars Von Trier

O Lugar do Espaço

É uma das experiências mais arfantes dos últimos tempos. Em Cannes, muitos defendiam que deveria ter sido o vencedor da Palma de Ouro. Ainda não vi «Elephant» mas «Dogville» é um daqueles filmes que nos devolve o fascínio que nunca deveria abandonar o nosso olhar de criança (longe dos efeitos mais pueris a que a palavra está geralmente ligada). É um pouco como se, enquanto espectadores, nos sentíssemos a entrar pela primeira vez numa sala de cinema; daí que a surpresa quase infantil nos assombre e fascine à medida que descobrimos um brinquedo novo. «Dogville» é um desses filmes. Um objecto de uma carga teatral imensa mas também (e sobretudo) submerso pelo seu apaixonado pulsar cinematográfico. Servindo-se de um conceito de «mise-en-scène» absolutamente genial, sugerindo a possibilidade de abandonarmos os cenários convencionais para, na sua ausência, olharmos melhor para o espaço interior de cada personagem, o filme conta a história de uma bela fugitiva chamada Grace (Nicole Kidman) que encontra em Dogville o refúgio que necessita para se esconder dos gangsters que a perseguem.

Lars Von Trier não é nenhum artesão mais ou menos académico; é um cineasta que percebe, acima de tudo, que cada conceito diferente de imagem que aplica num filme terá que estar associado a uma sensação, a uma emoção e, no limite, ao próprio tempo dramático da história; e não apenas como se fosse um projecto de fim de curso com o único objectivo de desconstruir o que se aprendeu com a História da imagem. «Dogville» é muito menos Dogma95 que os seus filmes anteriores - menos câmara a tremer ao ombro, apostando muito mais num conceito de montagem que Soderbergh utiliza nos seus filmes mais experimentais («Falcão Inglês»). «Dogville» é um filme que descobre novos lugares cinéfilos e humanos no interior do seu próprio espaço. O que é o espaço em «Dogville»? Melhor ainda, o que é o espaço no cinema? No espaço estão sempre baralhadas as coordenadas mentais e afectivas de um certo universo ainda por descobrir. É dentro do espaço que se descobrem as relações mais íntimas com os corpos. É por isso sensato - e até necessário - relembrar que o espaço é sempre vital para construirmos uma relação com determinado universo, com determinado corpo, com... algo ou alguém. «Dogville» é uma obra de ficção onde tudo é ficcionado: a história, o tempo, o espaço. Ao mesmo tempo, tudo é estranhamente real. Funciona um pouco como um filme de ficção-científica no que diz respeito à distância formal do seu espaço; mas é um filme de uma proximidade afectiva francamente arrebatadora. É na ausência de paredes, muros, tectos e portas que Von Trier desnuda e expõe o Ser Humano na sua integridade. E é tudo tão comovente, revoltante, convulsivo e genuíno que, venha o que vier, «Dogville» é mesmo uma das experiências mais inesquecíveis de 2003. Ah, e já agora, Nicole Kidman é mesmo uma das melhores actrizes do mundo! Não havia memória de uma entrega tão apaixonadamente desamparada da actriz a um papel protagonista.


Class.: *****

Tiago Pimentel

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