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Tiago Pimentel
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terça-feira, outubro 07, 2003





O Cinema no futuro


Avizinham-se tempos de convulsões para o cinema. Por diversos motivos mas, sobretudo, porque a experiência de cinema em casa está a aproximar-se cada vez mais do que se vive numa sala de cinema. Claro que todos temos os nossos princípios e eu continuo a acreditar que a ida a uma sala de cinema tem um ritual específico impossível de recriar na nossa sala de estar. Mas para a esmagadora maioria do público a situação é outra bem diferente. A sala de cinema é um incómodo: ter que aturar as pipocas, os risos inoportunos, o preço dos bilhetes, o sorver irritante dos refrigerantes, os espectadores mais faladores, etc. De facto, a possibilidade de reconstruir uma sala de cinema no conforto da sala de estar é uma fortíssima alternativa. E falo disto com alguma experiência própria: tenho vários amigos e conhecidos que desistiram de ir ao cinema e preocupam-se mais em expandir a sua DVDteca. E este Verão de sucessivos fracassos com «Blockbusters» simboliza algo de muito significativo. Neste momento, a grande fonte de lucro das grandes distribuidoras está no mercado de DVD. É aqui que se pagam o que resta dos custos e se enchem os bolsos dos lucros durante uma média de 8 anos, de acordo com os estudos estatísticos. Por outro lado, o mercado dos DVDs está a ser ameaçado pelas cópias piratas cada vez mais próximas do formato cristalino do digital. E estamos a falar de filmes como «Tomb Raider 2», «Terminator 3», «Hulk», etc. - tudo filmes que, se calhar, fariam bastante mais dinheiro há uns 10 anos atrás. Isto tudo para perceber já uma decisiva conclusão: ainda que o esforço criativo seja cada vez menor (daí o número preocupante de sequelas), chegámos finalmente a um ponto de saturação do mercado no que diz respeito à dimensão espectacular do visual. Já não há espaço neste formato de cinema para conseguir fazer brilhar o olhar espantado do espectador; perdeu-se aquela que era a sensação primária que acompanhou as primeiras pessoas a entrar numa sala de cinema: o medo da imagem do «lado de lá». Claro que não me estou a esquecer de filmes como «Hero» que conseguem coisas assombrosas com a imagem que é possível hoje em dia. Mas a questão não é essa; estamos a ponderar a possibilidade de ultrapassar o conceito de imagem como o conhecemos hoje em dia.

Hollywood precisa de descobrir novas formas de produção cinematográfica. A questão é complicada até porque exige a reconversão total dos equipamentos de reprodução audiovisual já instituídos. Várias alternativas já falharam no passado. Estou a lembrar-me por exemplo do IMAX que permanece apenas como uma tecnologia de suporte para salas de espectáculos audiovisuais. Enfim, não é totalmente verdade, até porque em Los Angeles, na Universal Studios, existe uma sala IMAX que projecta um filme em cartaz (há uns anos visionei lá o épico de guerra «Apocalypse Now Redux»). Neste momento há duas grandes alternativas: cinema digital e a tecnologia MaxiVision48. A guerra está a ser ganha pelo primeiro, sobretudo com a campanha de marketing brutal que George Lucas tem sustentado. E o cinema digital traz, de facto, inovações importantes como a duração infinitamente maior das cópias, a reprodução perfeita e cristalina da imagem digital e a projecção digital por satélite minimizando o perigo das piratarias. Por outro lado, não oferece grandes avanços a nível da imagem a não ser varrer as «moscas» do ecrã; tal avanço seria provavelmente banalizado nos primeiros meses. Ou seja, possivelmente não consegue lucros suficientes para pagar os custos de implementação da própria tecnologia digital. Já a segunda tecnologia (MaxiVision48) parece ser muito mais revolucionária a nível visual (mais próxima de tecnologias que pretendiam expandir a experiência sensorial como a IMAX e a Odorama). Basicamente trata-se de uma tecnologia que permite a reprodução a 48 imagens por segundo (o dobro do que se consegue agora). Qual é o resultado prático? Roger Ebert esclarece tudo em mais pormenor em http://www.maxivision48.com/ebert.html, mas de qualquer forma, nas suas próprias palavras, a experiência traduz-se por se converter a tela numa espécie de janela. Ou seja, seria como estar a olhar por uma janela para o mundo real lá fora, com uma reprodução tridimensional impressionante.

Será, do ponto de vista do mercado, uma tecnologia bastante mais difícil de implementar. Até mesmo considerando que é uma tecnologia com 4 anos e muito pouca gente ouviu falar dela. A diferença é que não tem um nome como George Lucas a promovê-la. Seja como for, o cinema caminha para sentidos inexoravelmente paradoxais. Como cinéfilo, confesso que gostava de ver a Maxivision48 a triunfar (se se confirmar ser tão impressionante como o anti-digital Roger Ebert afirma ser), sobretudo porque se reavaliariam questões de fundo ligadas directamente à dimensão genuinamente cinéfila de uma deslocação até às salas de cinema. Neste momento também não sustento a ilusão de algo que, de facto, ainda não vi. Roger Ebert é alguém que sempre se opôs à instituição do digital (as suas palavras, se bem me lembro, comparavam o digital a uma espécie de estado de hipnose, enquanto que a película se aproximava mais do sonho). E não nos podemos esquecer que, se o MaxiVision48 triunfasse, os problemas que se colocam hoje com a película (degradação das cópias, projecções muitas vezes em más condições, etc) persistiriam uma vez que a tecnologia continuaria com esse formato de base. Em todo o caso, parece-me que o mais importante é descobrir uma forma do cinema poder encontrar mais espaço para continuar a evoluir e siderar a massa humana; como, aliás, sempre o fez ao longo dos tempos. Seria como regressar um século atrás e entrar numa sala de cinema como se fosse a primeira vez, independentemente do filme. Voltar a temer a imagem. Regressar ao estado zero da sensualidade visual e resgatar o espectador de um certo sentido letárgico e indiferente que se ocupou dele quando visita uma sala de cinema. Revalorizar o peso das grandes salas e repor o simbolismo divino que sempre encontrámos dentro de uma sala escura iluminada pela lanterna mágica. É a única forma de recuperar o sentido de ritual que distingue as salas de cinema da nossa sala de estar. Vamos ver como se comporta o futuro.

Tiago Pimentel

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