


11’09’’01 – 11 Perspectivas
Não é fácil olhar para um objecto tão fragmentado quanto este (quanto mais não seja pela diversidade de cineastas e culturas que nele habitam) e conseguir uma sensação final claramente definível. Até porque se há coisas muito boas lá dentro, há também episódios perfeitamente sensaborões e outros até obscenamente maus. O episódio mexicano (Iñárritu) é o único que lida directamente com as imagens do 11 de Setembro... sem as mostrar. Em boa verdade, Iñárritu recupera as imagens trágicas que todos conheceram e deixa apenas o som, obrigando o espectador a reviver essas imagens na sua memória. É, quanto a mim, o episódio mais forte, tanto mais que parte de um dispositivo audiovisual perfeitamente televisivo, negando-o logo de seguida, num paradoxo de sensações e emoções absolutamente angustiante.
Gosto muito do episódio israelita (Amos Gitai), pela forma como partindo de uma reportagem televisiva que dava conta de um acto terrorista em Israel, conseguia ao mesmo tempo passar naquele espaço um outro evento que ocorria do outro lado do mundo. Subitamente todo o espaço fica unido e deixam de existir fronteiras para a informação. Depois tenho um carinho especial pelo episódio da Makhmalbaf (Irão) e da perspectiva inocente, mas nunca ingénua, como lida com o fenómeno isoladamente. É um dos poucos segmentos que pensa apenas sobre o espaço que foi destruído e as pessoas que morreram. Nesse sentido é um filme sem um dimensão política evidente mas de uma compaixão humana avassaladora. Gosto também bastante do episódio francês (Lelouch), sobretudo porque, deixando a tragédia do 11 de Setembro para pano de fundo, consegue reproduzi-la de uma forma ainda mais fantasmática na extinção do amor entre dois corpos novaiorquinos. E o fim do amor representa sempre o fim de algo.
Pelo lado negativo, está a abominável carcaça política mais simplista e maniqueísta de todos os episódios: o segmento de Ken Loach (Reino Unido). Já são conhecidos os ideais radicais de Loach mas o seu segmento é menos um documentário e mais um comício político de um pedantismo tal que até a personagem principal parece estar a discursar para os simpatizantes de um partido de esquerda. Atenção que já nem se põe em causa concordarmos ou não com os seus ideais políticos, até porque um filme pode ser sempre um grande objecto político. Mas nunca se consegue essa dimensão à custa da alienação do espaço das personagens, convertendo essa dimensão numa espécie de tempo de antena onde Loach promove o seu discurso moralista, pedante e simplista. O episódio egípcio (Youssef Chahine) pertence ao mesmo espaço do segmento de Loach, com uma agravante: coloca em campo duas personagens e dá voz apenas ao militante anti-americano como se fosse uma simulação manipuladora e enviesada de um debate televisivo. Já o episódio de Sean Penn me parece mais híbrido embora tenha muitas dúvidas relativamente ao final e à forma como ele gere a queda das torres; o aparecimento do sol, nomeadamente, parece-me um elemento demasiado simplista e até perigoso para desmistificar uma certa ilusão americana, como que a sugerir, ainda que inconscientemente, o lado positivo da queda das torres. Como se vivessem na sombra ou numa escuridão que os impedisse de ver e fossem agora finalmente iluminados. Enfim, a revelação da morte da sua mulher pode emprestar alguma ambiguidade humana ao episódio mas tenho muitas dúvidas em relação à gestão de ideias e à própria perversidade que, a meu ver, desvirtualiza aquele segmento.
No fundo, é um filme desequilibrado, com coisas muito boas, outras muito más e muita paisagem. Um filme também algo distante do seu tema e bastante irritante com alguns discursos políticos militantes ou apenas moralistas, no mais redutor sentido da palavra.

Class.:

Tiago Pimentel
0 Comments:
Enviar um comentário
<< Home