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Tiago Pimentel
Críticas dos leitores para: tiago_pimentel@hotmail.com

sexta-feira, novembro 14, 2003

A crítica dos leitores

Depois do Tiago Costa, um outro Tiago enviou-me dois textos muito interessantes. Tiago Teixeira escreveu então sobre o desafio realista que «Ken Park» representa para a sociedade contemporânea e a reflexão artística e humana que «Minority Report» impõe:

Crítica a filme KEN PARK :

Filme-choque deste Verão, Ken Park é uma obra perturbadora e dolorosa - realizada pelo sempre polémico Larry Clark ("Kids" (1995), "Another Day in Paradise" (1998) e "Bully" (2001)) em companhia do director de fotografia Edward Lachman que trabalhou com Steven Soderbergh em "The Limey" (1999) e "Erin Brockovich" (2000), Sofia Coppola em "The Virgin Suicides" (1999) e Todd Haynes em "Far From Heaven" (2002) - que se assume logo desde o início como um retrato realista, frontal, negro, cru e lancinante dos meandros da adolescência, mundo conturbado e em permanente evolução onde abundam o sexo, a droga, a violência e a morte. É neste universo decadente, turbulento, perverso e transfigurador que Clark e Lachman nos descrevem a vida de quatro adolescentes (Shaw, Tate, Peaches e Claude) da pequena cidade Visalia do estado da Califórnia, tendo todos eles como "link" o adolescente que dá título ao filme e que ao contrário destes concretiza o acto radical e trágico de pôr fim à vida. Nesta cidade aparentemente pacata os valores sociais e morais são no dia-a-dia corrompidos de forma brutal por indivíduos solitários que mergulham gradualmente num ambiente de total depravação, alheamento e sedentarismo sendo a essência dos comportamentos distorcidos dos pais transmitida a um ritmo constante aos seus filhos que se encontram numa crucial fase de modificações físicas e psicológicas, sofrendo assim estes um processo acrescido de desorientação mental/emocional - Shaw (Bullard) tem um "affair" com a mãe da sua namorada; Tate(Ransone) masturba-se (recorrendo à asfixia erótica) enquanto visiona um jogo de ténis, assassinando o avô por ser batoteiro e a avó porque entra no seu quarto sem bater à porta; Peaches (Limos), filha de um pai estritamente católico, é afinal de contas uma ninfomaníaca sádica e Claude (Jasso) usa as drogas como meio de fuga à sua família. Contudo o alvo do olhar directo, verdadeiro e pungente de Clark não são só os adolescentes mas também os adultos - a mãe da namorada de Shaw é irresponsável e cínica; o pai de Claude é alcoólico (tal como a mãe) e assume-se como macho quando na realidade é um traste patético, vergonhoso e miserável (o ideal farrapo humano) que sente um fascínio sexual pelo filho, responsabilizando-o por tal atitude (o que culminará na tentativa falhada de abuso sexual do mesmo e posterior frase característica de "persona non grata": "Ninguém me ama!") . Apesar do argumento que analisa criticamente, sem
piedade nem rodeios, a sociedade e respectivos habitantes (fidedignos piolhos sociais) e do elenco amador que revela novos talentos cinematográficos (salientam-se as interpretações de Ransone e Limos), a realização é demasiado "fotográfica", i.é, recorre inúmeras vezes a imagens estáticas que têm como finalidade dar particular relevância às impressões visuais, denotando-se em contrapartida a carência de uma caracterização aprofundada e sagaz das personagens e da música (que devia estabelecer uma relação simbiótica com as imagens); o filme exibe igualmente cenas de sexo explícito ofensivo (motivo que condicionou a censura nos E.U.A e proibição na Austrália) que comprovam a visão real e (para defeito do filme) obsessiva que Clark tem do acto sexual - o próprio afirma : "Se dizem que o amor é uma droga, então o sexo é a sua dose mortal de heroína". Resumindo, Ken Park é um filme que desafia normas preestabelecidas, choca mentalidades pela frontalidade e sinceridade com que aborda o "genus vivendi" da sociedade moderna e que marca pela diferença qualquer espectador (e ainda bem que existem filmes assim !).

Para espectadores que gostam de arriscar.

O Melhor : O argumento, a fotografia, Tiffany Limos e James Ransone.
O Pior: Overdose de sexo explícito e análise "fotográfica" megalómana do
real.

Classificação: ***1/2

Crítica ao filme MINORITY REPORT:

Em 2054, num futuro negro, degradado e hostil, o crime é uma presença constante e incómoda e a sua erradicação é feita da forma mais radical, agressiva e tecnologicamente avançada que é possível: a informação que se possui sobre os vindouros actos criminais pode obter-se com uma antecedência de duas semanas, num raio de 450 quilómetros. Os dados são fornecidos por Pre-Cogs, três videntes que têm a capacidade de ver assassínios antes destes ocorrerem, à unidade de polícia Pre-Crime, liderada por John Anderson (Tom
Cruise), um homem emocionalmente instável (desde o desaparecimento do seu filho) que se entrega totalmente ao seu trabalho numa tentativa desesperada de fugir de si mesmo, das suas angústias interiores. O sistema policial parece infalível até ao dia em que se dá um surpreendente "volt-face" : Anderson é acusado de um crime que ainda não cometeu e a vítima é para este um desconhecido. Fugindo das autoridades, Anderson procura a todo o custo (nem que para tal troque literalmente de olhos em consequência da indentificação dos cidadãos ser feita por um "chip" inserido no globo ocular, numa das cenas mais impressionantes do filme) descobrir quem o incriminou e quais as razões existentes. A partir de uma das premissas mais interessantes e estimulantes (do ponto de vista emocional e intelectual) da história do cinema de "sci-fi" , Spielberg presenteia-nos um esplêndido filme a todos os níveis que vive sobretudo da descrição impiedosa e credível que Philip K. Dick (autor dos livros "Do Androids Dream of Electric Sheep ?" e "We Can Remenber It For You Wholesale", posteriormente adaptados ao cinema no magnífico "Blade Runner" (1982, de Ridley Scott) e no excitante "Total Recall" (1990, de Paul Verhoeven)) fez de um futuro próximo onde todos os valores morais, sociais, políticos e filosóficos são questionados permanentemente; a atmosfera sombria e mística, realização suprema, fotografia sinistra e bela, elenco fabuloso (destaque para a interpretação arrebatadora e memorável da actriz inglesa Samantha Morton (escolhida no lugar de Cate Blanchett), baseada menos no diálogo e mais nas expressões faciais) e efeitos visuais revolucionários são os acréscimos imprescindíveis que tornam esta obra fílmica num "mix" irresístivel de acção, drama, ficção-científica e "film noir" típico dos anos 40 e 50. Após uma carreira no cinema marcada por inúmeros sucessos simultaneamente artísticos e comerciais (proeza raramente alcançada na história da 7ª arte), Steven Spielberg constrói um filme digno de visionamento atento, reflexão e discussão, pelos temas que aborda mas fundamentalmente pela maneira inteligente, eficaz e sedutora com que estes são manejados no filme. O "leitmotiv" do filme (será que os fins justificam os meios- será que uma sociedade isenta de crime justifica a eventual prisão de inocentes?), a engenhosa e elaborada realização de Spielberg e as interpretações bem conseguidas de todo elenco (desde a estrela talentosa e milionária Tom Cruise, passando pelo veterano actor sueco Max Von Sydow, o actor irlandês revelação Colin Farrell e acabando na sempre fascinante Samantha Morton) funcionam formidavelmente no seu "ensemble". Concluindo, "Minority Report" é irrevogavelmente uma das melhores obras de Spielberg e consequentemente um dos melhores filmes do início do século XXI.

Para quem tenciona assistir a um filme de elevado valor artístico.

O Melhor: o argumento, a realização, as interpretações, a fotografia, a
montagem, os efeitos visuais, sonoros e especiais...Resumindo: tudo.

O Pior: A sensação de que o argumento se torna, por vezes, algo confuso.

Classificação: *****

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