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Tiago Pimentel
Críticas dos leitores para: tiago_pimentel@hotmail.com

domingo, novembro 23, 2003

A crítica dos leitores

Estamos mesmo à beira de mais uma semana, mas antes vou deixar aqui um texto que o Bruno Lomba (velho conhecido do #q.i) me enviou a propósito do lançamento em DVD dos Indys, mais especificamente de Raiders of the Lost Ark. Não é habitual eu fazer isto, mas completarei este texto com um comentário meu:

O primeiro filme da saga Indiana Jones, um verdadeiro triunfo de Lucas e Spielberg. No fundo este filme abre uma nova etapa nos filmes de aventura, resumindo tudo o que de melhor se tinha feito até à data. Pensaram em Tom Selleck mas foi Harrison Ford que ficou com o papel, que constitui a par de Rick Deckard ("Blade Runner") o apogeu de toda a sua carreira. É um filme que recordo com muito carinho, marcou a minha infância, um filme quase perfeito, o romance, a comédia, o suspense, aliás, o que mais me impressiona, hoje, em Indiana Jones, é a maneira como Spielberg gere os climax's, o humor negro que se sobrepõe, esporadicamente, a toda aquela mescla de entretenimento. Não quero entrar em qualquer tipo de comparações com os outros dois filmes, todos eles são brilhantes, este e o The Last Crusade principalmente. Também acho oportuno desmistificar o fenómeno Spielberg, que, de facto, não é o único a fazer cinema de entretenimento com qualidade. Há um bocado aquele mito de que é profícuo gostar dos filmes de Spielberg como fuga a todos os nossos ideais de que o cinema tem que ser uma arte nobre, que defende a dignidade do ser humano como valor absoluto, que tem que ser anormalmente complexo e rico a gerir os interesses e os valores humanos, satisfazendo, desta forma, a parte lúdica, abrindo espaço para a renegação de uma série de evidências mais evidentes (desculpem a redundância) . Ou então não aceitar, de todo, Spielberg como um dos cineastas mais importante da actualidade numa atitude quase sádica, e então, neste caso, apelando à diferença. Duas posições radicais, e por isso é que eu digo que Spielberg é um realizador muito sobrevalorizado por uns e, porventura, o mais subvalorizado por outros, temos agora um bom exemplo, o do jornal inglês "The Guardian" que nos diz que Lynch e muitos outros auguram um futuro mais promissor que Spielberg. Mas o que é preciso dizer é que Spielberg é um realizador, também ele, limitado, genuíno sem sê-lo. A música de John Williams é fascinante, mas Spielberg pontualmente "tortura-nos". No fundo Spielberg revela-se incapaz de dar um contributo verdadeiramente positivo como outros mestres do passado, cuja obra desembocou em águas turvas, singulares, que ecoam, ainda hoje, nas nossas memórias e em todos os "livros de Cinema".

Parece-me importante levantar algumas questões pertinentes sobre o texto do Bruno Lomba, até porque existem algumas contradições práticas no seu discurso. Posso ser injusto até porque creio não ter compreendido todas as ideias e justificações que ele coloca no seu texto. Aliás, permito-me mesmo dizer que faltam algumas justificações para determinadas ideias deixadas em banho-maria. Quanto à questão da anedótica lista do jornal «Guardian» pode ter alguma ressonância pela sua internacionalização, mas para sermos justos, é o equivalente português do Correio da Manhã por exemplo. Fico também sem perceber de que formas sinuosas Spielberg nos tortura com a banda sonora de John Williams. E em que aspecto afinal Spielberg é limitado ou genuíno (sem sê-lo). Também não concordo com a tua posição relativamente a uma hipotética passagem turística perfeitamente inócua de Spielberg pelo espaço cinematográfico. Mas sinto também algumas resistências em apresentar contra-argumentos (sobretudo por não existirem argumentos à partida). Em qualquer dos casos, Spielberg foi o responsável pela renovação de um tempo cinematográfico com a criação de «Jaws» (1975) e a recuperação dos estúdios, terminando um espaço de 8 anos (1967-75) de absoluta utopia na criação da Arte (belo nos princípios, impossível na prática); foi o responsável pela reinvenção do cinema-aventura, recuperando o espírito das matinés e desafiando todas as convenções cinematográficas e de «mise-en-scène» que vigoravam na altura; foi o responsável pelo relançamento da fábula popular (E.T.), pelos desafios arriscados mas delirantes do burlesco de 1941 - Ano Louco em Hollywood; aceitou desafios narrativos e temáticos que o distanciavam da sua imagem de marca (imagem que hoje em dia já é difícil de definir); redefiniu o conceito de espectáculo como uma variação nobre e específica à própria Arte; no mesmo ano em que conseguiu isso com Jurassic Park (3 Oscars), a sua Lista de Schindler arrebatou 7 estatuetas da Academia, provando a sua incontornável versatilidade; redefiniu em absoluto a estética dos filmes de guerra, numa lógica documental hiper-realista (valendo-lhe mais um Oscar); fez um film-noir (Minority Report) que lhe valeu a aclamação crítica quase consensual; marcou férias (como ele disse) para filmar Catch Me If You Can; tem dois Oscars de realizador, um para melhor filme e arrebatou o auditório de Cannes em 1982 com o seu E.T. - O Extraterrestre. É, provavelmente, o realizador americano mais importante da geração dos movie brats e a única mais-valia que o tempo lhe poderá dar é a afirmação do seu valor artístico e deitar por terra, de uma vez, a noção reaccionária de que tudo o que vende é mau ou apenas interessante sem nunca possuir um verdadeiro valor artístico. Hitchcock sofreu a mesma injustiça no seu tempo e agora (depois do livro de Truffaut) é visto como um dos génios maiores da História do cinema. Seja como for, sinto alguma necessidade lacónica para construir os meus argumentos até porque não senti da tua parte um esforço suficiente para os justificares, Bruno. Fico à espera que dediques mais que meia-dúzia de linhas para descrever a complexidade de Spielberg, sem teres a necessidade de colocar sempre em causa a sua importância histórica despropositadamente ou lançares bombas e expressões de jovem turco sem colocares o mesmo esforço nas justificações. Compreendo a indiferença que Spielberg te possa causar, mas não é apenas sobre os que gostamos ou adoramos que devemos ser exaustivos na nossa escrita.

Com os melhores cumprimentos,

Tiago Pimentel

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