<$BlogRSDUrl$>

Um site para pensar sobre tudo e chegarmos sempre a um singular pensamento final: sabermos que nada sabemos.
_____________________________

Tiago Pimentel
Críticas dos leitores para: tiago_pimentel@hotmail.com

sábado, novembro 01, 2003



A imagem e a estética

A Cinemateca está a fazer um ciclo integral do cineasta Stanley Kubrick (finalmente), altura ideal para repensarmos o valor e o peso deste mítico realizador na História do cinema. O meu colega Mário Jorge Torres escreveu um artigo intitulado «Ver Kubrick de olhos bem abertos» no Jornal Público, onde defende (com o rigor e a frontalidade que lhe são reconhecidos) que Kubrick terá um peso excessivo na cinefilia actual, sobretudo nos cinéfilos com menos de 40 anos. Compreendo os seus argumentos e também percebo o seu subtexto - uma interrogação sobre a abrangência da verdadeira cultura cinéfila: será que os cinéfilos com menos de 40 anos viram mais que 2 ou 3 filmes de Hawks, Welles ou Von Sternberg? Se calhar não. Nem eu pretendo fazer uma extrapolação geral sobre o que a geração pós-«studio system» pensa de Kubrick. Quanto a mim, penso que foi um dos cineastas mais enigmáticos da História. Dos mais obsessivos também.

É o autor de um dos filmes mais abstractos (o mais abstracto?) da História do cinema, «2001, Odisseia no Espaço», e de uma das mais violentas - social e humana (e não apenas física e gráfica) - fitas que alguma vez desafiaram o olho humano, «Laranja Mecânica». Sempre que penso em cinema de terror, é impossível não relembrar a claustrofobia que as paredes «kitsch» desenhavam em «Shining», onde Nicholson passeava a nostalgia dos monstros descabelados e aos gritos do velho cinema expressionista - o tal «Mal Irracional» que Lang falava. A retrospectiva integral que a Cinemateca está a fazer é preciosa no sentido de deixar os incondicionais do cineasta descobrirem os seus primeiros filmes: «The Killing», «Killer's Kiss». Enfim, se «Full Metal Jacket» era um filme de guerra tendencialmente desequilibrado, mas com momentos sublimes lá dentro, já os outros filme de (anti)guerra (construídos nos antípodas), a sátira negríssima «Dr. Strangelove» e «Paths of Glory», tinham as coordenadas todas no sítio. Kubrick era um cineasta obcecado pelo peso da imagem, pelas variações que poderia impor aos olhares, à forma e às personagens. Cada imagem de Stanley Kubrick nunca era apenas um enquadramento mais ou menos bonito, como muitos querem fazer crer. A imagem «kubrickiana» era obsessiva nas cores e nas formas, fazendo tudo existir num universo cósmico místico, exterior a tudo o que se produzia até aí (e desde aí).

As cores quentes de «Barry Lyndon» aqueciam os corpos esquálidos que o habitavam e transformavam um filme de época num épico do abstraccionismo, num paradoxo de emoções em surdina constante, como se sussurrassem por baixo da impenetrável «voz off» de Michael Hordern. Tenho sempre alguma resistência a essas listas recicláveis e efémeras onde se hierarquizam os melhores cineastas de sempre. Quanto muito faria uma lista alfabetizada dos meus 50 cineastas de cabeceira, onde Kubrick lá estaria, pois claro. Se é melhor que Haws ou Welles, são questões menores. Foi, sem dúvida, um dos mais enigmáticos cineastas vivos e dos mais singulares. Foi, talvez, dos realizadores que mais fez por resgatar o sentido esquecido da palavra estética e o relançou como forma de partida para a construção de uma estrutura dramática. É impossível datar os seus filmes: eles existem apoiados numa lógica de imagens, cores e formas que são, antes do mais, deslocadas de quaisquer sinais de imediato realismo. O realismo de Stanley Kubrick é o da criatividade artística, existe na sua fábrica mental em constantes reformulações, a invocar toda a sensualidade que uma imagem nos pode provocar - porque rivaliza com a nossa lógica, desafia a nossa disponibilidade mental e afectiva e desperta a nossa capacidade de olhar. Revisitar a sua realidade será obrigatório para qualquer cinéfilo, com menos ou mais de 40 anos, deixando de lado questões menores de hierarquias e relevâncias históricas.

Tiago Pimentel

0 Comments:

Enviar um comentário

<< Home

This page is powered by Blogger. Isn't yours?