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Tiago Pimentel
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quinta-feira, novembro 27, 2003

O Tempo, a História, o Novo e o Único

Escrevo este texto sem intenção de responder directamente a ninguém. Mas as ideias que o Bruno Lomba e eu trocámos nos respectivos blogues levou-me a escrever um texto sobre a questão das importâncias, dos valores, das evoluções e de outros conceitos da mesma família. Olhando para o cinema de uma perspectiva histórica, é estimulante pensar nas diferentes riquezas e formas de construir uma arquitectura cinematográfica que as várias gerações de cineastas experimentaram. É possível pensar que Griffith foi, nesse sentido, um dos mais importantes cineastas da História – provavelmente o pai do cinema. É oportuno pensar que «Birth of a Nation» representa também o nascimento do cinema, como uma apresentação do alfabeto cinematográfico. É possível pensar no cinema clássico americano como uma paisagem de constantes variações dos seus próprios elementos. Estou a pensar, por exemplo, em cineastas tão distintos como Ford e Hawks: unidos pela mesma paisagem, mas separados radicalmente pelo olho da câmara. Claro que é interessante (até mesmo decisivo se quisermos compreender as convulsões contemporâneas que o cinema atravessa) perceber como evoluiu a 7ª arte. Longe de mim querer enquadrar um tópico tão rico e complexo no âmbito deste texto, mas seria interessante dar um ou dois exemplos, quanto mais não seja para desmontar o raciocínio inexoravelmente simplista que leio ocasionalmente quando se fala dos mestres do cinema. Hitchcock é quase sempre uma recorrência, enquanto nome fundamental para o avanço da indústria e do cinema. Vou poupar algumas palavras e citar Sidney Lumet no seu livro (magnífico, de resto) «Making Movies»: «Uma das razões que fazia Hitchcock ser justamente adorado era o seu toque pessoal ser fortemente sentido em cada filme seu. Mas o mais importante era perceber porquê: Ele essencialmente fazia sempre o mesmo filme. As histórias não eram as mesmas, mas o género era: um melodrama, perfumado por comédia ligeira, interpretado pelos actores com mais «glamour» que conseguia encontrar (e, já agora, os que fossem mais populares e comerciais), fotografado quase sempre pela mesma pessoa e com a música composta quase invariavelmente pelo mesmo.» Lumet escreveu isto num contexto específico. Falava ele da forma e como esta deveria seguir uma função. Mas esta citação serve apenas para relembrar que Hitchcock não é um cineasta «herdeiro de si próprio»; é, antes do mais, herdeiro do que viu e conheceu. É possível encontrar ali Orson Welles, Hawks e outros mestres do cinema clássico... e do melodrama.

Em boa verdade, talvez o único mestre sem herança tenha sido D.W. Griffith. Depois disso existem variações gramaticais, diferentes construções frásicas e textuais. Orson Welles, por exemplo, demarcou-se radicalmente da gramática Selznick (daí radicando os seus imensos problemas de controlo sobre os filmes). Kubrick talvez seja o único nome da História que existiu numa dimensão paralela onde, por curioso paradoxo, deixou o seu nome marcado na História ao mesmo tempo que o seu legado cinematográfico permanece intocado no seu próprio tempo. Ou seja, não foi uma gramática inovadora: o cinema não evoluiu com novas variações da forma «kubrickiana». Talvez por ser inimitável, mas para efeitos históricos pouco importa. E isto provoca-me uma reacção de insólito paradoxo: afinal Kubrick é um dos meus cineastas de cabeceira e pouco ou nada do seu cinema vive nos cineastas contemporâneos. Enfim, «2001, Odisseia no Espaço» é a excepção. Isto tudo para quê? Para denunciar um equívoco cada vez mais generalizado e que acaba por contaminar o pensamento cinéfilo no geral: pensar que os verdadeiros mestres e os grandes filmes são aqueles que trouxeram algo de novo ao cinema. Permitam-me desmontar este problema em duas partes. Primeiro, há que agarrar bem o conceito do novo. O que significa isto? É algo que nunca vimos antes? Bem, nesse sentido, um óptimo exemplo de um cineasta não-inovador é Tarantino. É um cineasta de um talento imenso mas é, também, um grande reciclador de fórmulas já usadas. Em boa verdade, dificilmente alguém faz cinema hoje sem repescar aquilo que conhece do passado; é uma impossibilidade humana, ponto final. O discurso crítico às vezes pode favorecer equívocos do género: Howard Hawks foi um dos grandes mestres porque trouxe algo de novo ao cinema. Nada contra, mas parece-me no mínimo enganador compararmos cineastas contemporâneos (decorridos que estão pouco mais de 100 anos de cinema) com cineastas que viveram a infância cinematográfica. E se Hawks e Ford viveram a infância (e um bocadinho da puberdade), talvez Hitchcock tenha sido o responsável pela adolescência, explicando assim (felizmente) os imensos traumas que habitam o cinema contemporâneo.

Alegorias lúdicas à parte, creio que é preciso perceber muito bem esta lógica do tempo para então compreendermos o fenómeno Histórico. Em segundo lugar, parece-me de todo discutível que o “novo” seja sinónimo de bom. Aliás, o discurso crítico favorece e sustenta bastante esta dicotomia, irritante na minha opinião. Li algumas coisas (poucas felizmente) sobre «Mystic River» acusando o filme de não trazer nada de novo. Então não traz? É a primeira vez que vemos Tim Robbins chorar daquela maneira. É a primeira vez que Clint Eastwood filma corpos daquela forma tão fúnebre e dorida. É a primeira vez que vejo um filme cruzar temas como a pedofilia, o uso de armas indiscriminado e a inocência corrompida da infância, desta forma tão sóbria e desencantada. Aliás, eu gosto de pensar que vamos ao cinema, não para ver o novo, mas para ver o único. E é isto que «Mystic River» nos dá. Pode não parecer novo, mas é único. Assim como «A.I. – Inteligência Artificial» é único. Ou como «Magnólia», «Being John Malkovich» ou «Ken Park», apenas para citar filmes contemporâneos. Gosto de pensar que vou ao cinema não para descobrir o que é que determinado filme traz de novo à História do cinema; mas sim, ver o que traz de novo para mim. Um filme existe sempre para um espectador e não para servir objectivos históricos ou as necessidades intelectuais de um biógrafo. Gosto mais do «Solaris» do Soderbergh do que do Tarkovsky, e estou-me nas tintas se o original foi mais importante historicamente que o seu «remake». No limite, a resposta está em reconhecermos afinal o que amamos no cinema: os filmes importantes para a História, ou importantes para nós.

Tiago Pimentel

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