
Why are you crying?
I dunno
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«Elephant», de Gus Van Sant
É um dos filmes mais secretamente dolorosos feitos sobre o estado actual da juventude (podia ser apenas a americana, mas o espaço do filme transcende essa restrição geográfica). A proposta é aparentemente documental: Van Sant pegou na câmara e seguiu literalmente alguns dos jovens na sua vida escolar. Ainda que existam restos dramáticos fortíssimos do incidente de Columbine, em momento algum me parece que o objectivo do filme seja teorizar sobre a abundância generalizada de armas no mercado americano. «Elephant» é um dos mais perturbantes objectos de ficção criados num aparente mecanismo de exposição documental. Sobretudo, é um filme que não pretende exercer uma irritante manipulação de pensamentos nem reduzir a complexidade da realidade a uma ou duas conclusões genéricas sobre a erupção da violência descontrolada – exponenciada, é claro, pelo uso de armas de fogo. Ao contrário do insuportável «Bowling for Columbine», este filme de Van Sant é muito mais pensador mesmo parecendo que não está a pensar nada. Porquê? Porque limitando-se a mostrar os jovens na sua vida habitual, o filme obriga o espectador a pensar sobre a realidade que está a observar, em vez de adoptar pensamentos já fabricados (como, aliás, é habitual na política televisiva e abundava aos magotes na ditadura de ideias que era «Bowling for Columbine»).
É um filme sem pingo de maniqueísmos, nem manipulações e muito menos de demagogias. Sendo um objecto de ficção tem muito mais verdade documental do que «Bowling for Columbine» alguma vez sonhou conseguir. É um filme, nesse sentido, muito pouco teórico; é a exposição desnudada da juventude, uma espécie de observação científica sobre os comportamentos diários de vários jovens de uma escola. E mostra tudo: como os jovens gostam de jogar videojogos assassinos e sanguinários, ou como é ridiculamente fácil comprar armas no mercado virtual; mas mostra também como os jovens se conseguem marginalizar uns aos outros e o desequilíbrio mental que isso pode provocar a alguém que sofre humilhações constantes. Será que esta raiva descontrolada que perpassa a juventude não terá raízes bem mais profundas do que o discurso académico e até epidérmico daqueles que promovem a censura dos videojogos ou da violência na televisão? Será que não nasce directamente nos seios familiares ou escolares, nos relacionamentos humanos e pessoais? Será que o casamento das fragilidades de várias mentes ainda em construção não poderão provocar lesões mais profundas no interior humano de um jovem, do que as imagens de violência gratuita que dominam, por vezes, o espaço televisivo? São perguntas que o filme não tenta, nem quer, responder. Simplesmente mostra. E mesmo na amostragem é um filme de um rigor imenso, sobretudo na pluralidade de pensamentos que procura: mostra um jovem claramente perturbado (coincidência ou não, também é constantemente marginalizado na escola) mas mostra também um outro chamado John que tem claros problemas com o pai mas, ao mesmo tempo, demonstra uma clarividência mental e afectiva muito mais equilibrada.
«Elephant» parece-me o filme ideal para recebermos nos antípodas das seitas televisivas; é um filme para nos obrigar a pensar e a pormos de parte a acomodação de pensamentos que geralmente contamina o indivíduo gerando as uniformizadas ideologias de massas. É difícil pensar, mas ninguém disse que este era um filme fácil.

Class.:

Tiago Pimentel
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