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Tiago Pimentel
Críticas dos leitores para: tiago_pimentel@hotmail.com

terça-feira, dezembro 16, 2003



Confesso que fenómenos da nossa televisão como «Operação Triunfo», «Big Brother» ou outros da mesma família, costumam passar-me completamente ao lado. Geralmente enquadram-se num dispositivo mediático que em nada favorece o lado complexo do humano, reduzindo-o a uma conjuntura linear de acções e reacções provocadas por uma ideia genérica que não possui os fundamentos inteligíveis para se tornar num conceito. Em todo caso, o programa «Ídolos» da SIC, cujo princípio de trabalho me suscita algumas resistências (sobretudo se nos lembrarmos que o insulto nunca foi avalista da ironia nesse programa e era tudo tratado na base do pior bairrismo possível) foi, no entanto, bastante rico na descoberta de uma massa musical. Aliás, em alguns zappings acidentais, devo dizer que a diferença qualitativa das vozes deste programa para o da concorrência (Operação Triunfo) é notória. Sobretudo se contarmos com um pequeno fenómeno de 16 anos que vulcaniza os palcos cada vez que enche os pulmões com a sua respiração tímbrica. Deixo-vos com um pequeno texto que redigi sobre este fenómeno chamado Luísa Sobral e, já agora, a convidar-vos (a quem não conhece) a espreitar este programa - não no sentido mais mediático e clubista com que tem sido promovido (e disso, os constantes apelos aos votos nos candidatos tem sido decisivo) mas, antes, observando-o como espectadores sem compromisso com o seu conceito mas apenas com os seus efeitos. Ou seja: vamos ouvir (e ver) música. Aqui fica o texto:

Quem me conhece (seja daqui ou de outros espaços virtuais - e não só) sabe que raramente entro em discursos clubistas do género dos que passam em rodapé durante o programa. Nem é essa a razão que me levou a escrever este texto. Mas há, de facto, comportamentos dentro do programa que me provocam algumas reacções alérgicas e de urticária: a forma descarada como o júri do programa anda a tentar manipular a opinião do público. Dizer coisas como «ó Ricardo, ou ganhas isto ou não me chamo Luís» é uma das mais desavergonhadas, descaradas, despropositadas e irresponsáveis frases que alguém numa condição de júri poderia proferir.

Dito isto, acho que é altura de referir aquilo que me parece ser um dos fenómenos mais avassaladores dos últimos tempos musicais. Com 16 aninhos apenas, a mulher (e não menina!) chamada Luísa é uma espécie de sensação ou enigma. Gosto bastante da voz diferente do Nuno e do potencial do Ricardo, mas sem qualquer tipo de experiência musical eis que está esta senhora de 16 anos com um talento natural completamente explosivo. A diferença entre estar num país mais atrasado como o nosso e nos EUA é que cá é acusada de falta de maturidade e lá seria eleita rapidamente como a nova coqueluche do país.

Ouvi-la cantar uma versão de «House of The Rising Sun» foi uma das mais inesquecíveis e arrebatadoras experiências que me lembro de assistir nos últimos anos, não só em termos de cover mas mesmo em originalidade e personalidade artística. Na última gala eu estava algo nervoso. Ela vai cantar Rui Veloso? Como se sairá? Mas desde o primeiro momento que abriu a boca até terminar a canção que a minha respiração se suspendeu num êxtase progressivo. A sua voz estava em constante repressão e contenção, como se fosse uma alma dorida a sussurrar e a qualquer momento os seus sussurros pudessem explodir como um vulcão. A canção parecia voar na serenidade convulsiva da sua voz. Depois de terminar, eu perguntei-me: "mas será que ainda vai ser possível continuar a ignorar durante mais tempo o valor desta mulher? Todos os outros são fabulosos, mas esta Luísa a cantar transmite uma tal torrente emocional e uma expressividade corporal e vocal que não tem paralelo naquele programa."

Isto pensava eu a seguir a ouvir cantar este pequeno grande fenómeno. Mas, para meu espanto, o senhor Manuel Moura Santos fez um daqueles comentários que é quase tão embaraçoso e infeliz como o seu mau português. Este senhor decidiu despachar esta interpretação estarrecedora da Luísa de forma negativa em função da sua tenra idade. Talvez este género de comentários infantis (oops) se adequassem na perfeição ao início do programa (altura em que ainda se despachavam 90% dos cantores wanna be sem talento nenhum), mas neste nível já não me parece que alguns dos elementos do júri (para não dizer todos) sejam adequados ou estejam sequer à altura de comentar o que estão a ouvir sem cair em simplismos e facilidades opinativas.

O Sr. Moura Santos achou que a canção que a Luísa levou deveria ter sido cantada com mais profundidade uma vez que se trata de uma confissão de amor. Ora, sem querer ofender o senhor, parece-me que quem vai com umas trombas daquelas todos os dias para o programa poucos sermões pode dar sobre o amor... Falta de maturidade, meus senhores, é não reconhecer que uma canção sobre o amor tem muito mais valor e peso emocional se for cantada num esquema de constante repressão e angústia. Muito poucos se lembram de reformular mentalmente esta simples questão: afinal, de que falamos quando falamos de amor? Curiosamente, ao ouvir a Luísa cantar aquela música, a pergunta assombrou-me. Como é possível que alguém consiga cantar isto assim? Com tanta dor e expressividade e, ao mesmo tempo, com tanta naturalidade e originalidade. O excelentíssimo júri estava muito mais empenhado em querer manipular a opinião pública de forma a mandarem embora a Luísa do que propriamente a criticarem objectivamente. Primeiro porque uma coisa como "não tens experiência no amor" nunca se diz e prova apenas falta de civismo e maturidade, e depois porque não foi capaz de justificar afinal onde está essa falta de maturidade. Depois, a crítica que a Sofia Morais fez acusando a Luísa de cantar sempre o mesmo parece que só funciona para esse lado... porque se falarmos do Ricardo, aí já é um autêntico poliglota musical.

Devo dizer que gosto muito da voz do Nuno mas, sinceramente, muito pouco me transmite em termos emocionais. O Ricardo tem uma voz bastante cativante, mas gostava de o ver cantar um jazz vocal tipo Sinatra (parece-me que esse sim seria o seu estilo). A Rita sinceramente nada me diz, apesar de parecer tão simpática e dedicada ao que faz. Agora a Luísa é muito mais que apenas uma voz original ou afinada. É uma força da natureza, um talento explosivo à espera de ser descoberto e reconhecido. E, como sempre, os grandes talentos reconhecem-se em bruto: sem experiência, sem trabalho, sem escola e desde muito jovens. Eu acredito que o público português se consiga distanciar das manipulações do nosso júri malandreco e pense qual é o cantor que mais consegue transcender a qualidade de mero intérprete musical original. Em qualquer dos casos, parece-me que a qualidade dos intérpretes que habitam este programa dispensam discussões clubistas e as habituais fofocas de revista «teen» que os têm rodeado.


Tiago Pimentel

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