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Tiago Pimentel
Críticas dos leitores para: tiago_pimentel@hotmail.com

domingo, dezembro 07, 2003

A crítica dos leitores

O Nuno Gonçalves enviou-me um texto a dar conta do seu fascínio pela amarga comoção que «Sunset Blvd» desperta em cada um de nós. Numa nota pessoal, devo dizer que é também um dos meus Wilder de eleição e um dos mais tristes filmes feitos sobre a morte... do corpo e da arte. Inscreve-se naquele tal dispositivo melodramático onde «Limelight» é o rei. Fica aqui o texto do Nuno:

A história do cinema está repleto de momentos significativos que deixaram marcas profundas e que mudaram de certa forma a maneira como o público olha para este mundo complexo e inesgotável da 7ªarte. Billy Wilder concretizou estes momentos em diversas ocasiões, seja em comédia com “Some Like it Hot” ou na construção de suspense com “Double Indemnity”. “Sunset Boulevard” é também um desses filmes revolucionários, que se torna ainda mais especial pela visão real aterradora da própria indústria.
Joe Gillis (William Holden) é um argumentista fracassado que depois de conhecer uma esquecida e apagada estrela do cinema mudo, Norma Desmond (Gloria Swanson), toma partido das suas ideias megalómanas e mirabolantes de retorno à tela com uma adaptação cinematográfica da história de Salomé, escrita pela própria e que Joe iria ajudar a “limar”. Desmond acaba por se apaixonar pelo seu novo empregado e a obsessão começa numa espiral doentia e perversa.
O tema mais flagrante de “Sunset Boulevard” é a própria Hollywood e a maneira como uma grande estrela de outrora acaba por viver o resto dos seus dia numa sinistra e recôndita mansão em Sunset Boulevard, a estrada das estrelas e (como no titulo em português) o crepúsculo dos deuses. Esquecida e abandonada pela indústria que a tinha acolhido e tornado famosa e pela nova geração de público que já não a reconhecia, Norma Desmond é o retrato de alguém que perdeu o seu rumo e razão de viver, inspirado em factos demasiado reais de abandono de artistas pelo mero facto de já não serem jovens e terem perdido a sua frescura original que tantos fãs tinha cativado. Hollywood tem milhares de histórias destas que sempre quis ocultar de uma maneira ou outra, ignorando o facto de alguma destas pessoas serem a razão da existência dos grandes estúdios. Mas quem se esquece mais depressa é o público, que apenas quer ver novas caras no grande ecrã e quando a idade começa a tomar conta delas, viram os rostos para as mais recentes e jovens aquisições. Há uma cena chocante em que Gloria Swanson, que também tinha sido esquecida por Hollywood há longos anos, joga cartas com caras reconhecidas do passado como Buster Keaton, e que tal como Norma Desmond se encontravam ocultos do olho míope do público. Gillis trata-os como o museu pessoal de cera de Norma Desmond, que continuava a viver no presente a glória do passado, não deixando que a crua realidade a tomasse e a acabasse por matar, deixando-se permanecer na ilusão que um dia iria voltar e que o seu sucesso iria ainda ser maior. Mas se esta realidade era horrivelmente presente nos anos 40 e 50, ainda acontece nos dias de hoje. Tudo o que é novidade é excitante e alguém que passou boa parte da sua vida a pensar no entretenimento do público vê-se abandonado e rejeitado pelas mesmas pessoas que durante anos os louvaram e admiraram. Outro dos muitos sub-temas e histórias é a da obsessão de Norma por Joe e como ele se deixa cair na tentação e aproveita-se da loucura e paixão de uma mulher perdida que agora lhe providencia o seu próprio sustento. E esta história em muitos pontos toca na história de Salomé, história essa que curiosamente a própria Norma Desmond quer adaptar para cinema.
A decoração barroca e datada da mansão ajuda a criar o ambiente soturno e incómodo da vida de Norma, que ali encontra o seu sossego final, afastada do cruel e inóspito mundo real. Billy Wilder é absolutamente exímio na realização (e também escrita) não deixando o espectador virar a cara com pena e obrigando-o a assistir, em cada plano sinuoso do olhar dos actores, à lenta combustão e consequente demência de uma mulher que o mundo quis esquecer, criando um dos mais importantes filmes do cinema, que na altura chocou Hollywood e que agora serve de inspiração para cineastas tão importantes como David Lynch, que de “Sunset Boulevard” muito retirou para a sua própria visão da “terra dos sonhos” com Mulholland Drive.
Gloria Swanson tem em “Sunset Boulevard” a interpretação da sua vida, Norma Desmond, uma personagem agora imortal da história do cinema e que muito em comum tinha com a própria Swanson. A devastadora cena final ficará para sempre registada como uma das mais avassaladoras alguma vez filmadas, em que Norma Desmond, já completamente demente, recria fantasiosamente o seu retorno aos estúdios e agradece à equipa o apoio e as boas vindas e prepara-se para o seu grande plano. Não só o choque emocional é devastador como a própria ideia e sabor amargo que deixa ficar muito após o final do filme e como todos nós na realidade comprovamos esta terrível história e alimentamos a destruição de pessoas como Norma Desmond, que de ficcional muito pouco tem.

Nuno Gonçalves

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