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Tiago Pimentel
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terça-feira, dezembro 09, 2003



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«In America»

O projecto mais pessoal de Jim Sheridan, é assim que vem catalogada esta fábula realista sobre uma família irlandesa que tenta um novo começo nos EUA. É, de facto, um dos filmes mais pessoais de Sheridan: fala directamente sobre a sua vida familiar na América e tem importantes referências à sua vida pessoal. Mas não é apenas por isso que «In America» é um dos mais geniais e comoventes acontecimentos cinematográficos do novo século. É, antes do mais, uma triste, dolorosa e mística fábula sobre aprendermos a aceitar a morte para conseguirmos continuar a vida. Tem todos os contornos de uma fábula, desenhada pelas especificidades fantásticas das personagens, pelo feeling «era uma vez...» que se sente em cada plano, mas pintado com cores assumidamente realistas o que não deixa de emprestar uma certa tristeza novaiorquina ao filme - longe da violência de Scorsese e do carnaval cosmopolita de Woody Allen (ambas visões demarcadas e geniais da realidade que habita Nova Iorque).

«In America» é uma das mais comoventes, dolorosas, ternurentas e dilaceradas experiências do ano (em boa verdade, entre nós será apenas para 2004) com um trabalho de argumento, de ritmos e de construção das personagens absolutamente exemplares. Já há algum tempo que não víamos um filme tão encantador na forma como ilustra a transferência da morte para a vida. Ou seja, «In America» é um daqueles raros filmes que se centra decisivamente na forma como observamos a morte e como essa experiência pode ser tão enriquecedora na forma como decidimos viver. E as personagens são, nesse sentido, as fundações simbólicas do sonho americano: triunfar contra tudo e todos, mesmo em condições sócio-económicas deploráveis. Mateo, a personagem de Djimon Hounsou, funciona como a personificação divina e una dos valores familiares e humanos que todos, no fundo, procuram durante o filme. Não é por coincidência que esteja assombrado por uma condição fatal no filme inteiro, deificando-se e funcionando como um messias particular de uma pequena família, ensinando-os a acreditarem, a amarem e, no limite, a aceitarem a morte como uma nova forma de vida. Tudo isto filmado sem mostrar os sinais mais evidentes de uma Nova Iorque a lutar com os seus próprios desencantos interiores, como imagem urbana de uma família que já não acredita no amor depois da morte de um dos seus filhos. É uma América filmada a partir da Europa com o encanto da melhor tradição das fábulas americanas e o olhar desfeito de uma família amputada de um pilar (tal como a cidade que habitam agora). Todo o sofrimento e tristeza caminham de forma encantatória para um plano final da cidade de Nova Iorque onde todos os fantasmas se desmontam à luz da lua, a acenarem-nos como almas de um passado tormentoso que soubemos libertar e aprenderemos a recordar. Já há alguns anos que não havia filme com tantas razões qualitativas, emocionais, políticas e humanas para dominar uma noite de Oscars. Raramente os EUA foram filmados numa perspectiva tão distante e distinta mas de forma tão interior e convulsiva. Mais uma vez, resta relembrar que este é um filme de uma comoção imensa que inevitavelmente irá devassar o saco lacrimal. Ignorá-lo seria colocarmos em causa as necessidades dos nosso próprio corpo em expulsar e materializar as emoções que sentimos cá dentro.


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Tiago Pimentel

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