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Tiago Pimentel
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quarta-feira, janeiro 07, 2004

«Bully», de Larry Clark

O Fim

Apesar de nos chegar depois de «Ken Park», «Bully» na verdade é anterior ao dito e só agora chega ao mercado português. E parece-me, venha o que vier, um dos filmes decisivos de 2004. Nos antípodas dos simplismos das telenovelas e das marionetas e fantoches adolescentes que nelas habitam, está o cinema de Larry Clark: sempre distante desses lugares comuns de que a adolescência vive nos fragmentos televisivos, mas intimamente próximo da sua mais genuína vertigem gravítica. Isto porque Clark filma os jovens directamente nas suas interrogações mais inconscientes. Ou seja, afasta-se do lado mais óbvio das telenovelas (os labirintos entediantes dos namoros e das traições) que acaba por ser a mais consciente e recitada problemática dos (e pelos) adolescentes.

Mas Clark não é um cineasta de citações; é, antes do mais, uma entidade paterna que filma a juventude como se de uma comunidade se tratasse, onde pode captar a gravidade perdida de uma certa realidade humana, observando os comportamentos, os movimentos, os sorrisos, as lágrimas e recusando, desde o ínicio, a rotina novelesca e de alguns péssimos filmes de adolescentes onde o jovem é uma espécie de andróide, clonado de filme para filme, reduzido ao sacana que só quer sexo ou ao eterno romântico cândido e imaculado. Longe destes estereótipos (infelizmente) tão recorrentes na cultura artística que retrata a realidade adolescente, «Bully» é um filme que vem de dentro; é uma espécie de documentário comportamental sobre as gravidades geracionais que se perderam.

O cinema de Clark não funciona numa lógica de denúncia. Apesar das figuras paternas permanecerem quase sempre exteriores aos circuitos primários da narrativa, são sempre fundações simbólicas da incompreensão linguística absoluta e do fosso ideológico/comportamental que os separa dos próprios filhos. E «Bully» nesse sentido é um dos argumentos mais apurados e subtis que Clark alguma vez filmou. Apoia-se numa simples ideia: o novo grupo de amigos de Marty quer ajudá-lo a matar o seu melhor amigo que o espanca desde miúdo. Filmar com esta crueldade e indiferença a morte tem dois efeitos distintos: um primeiro, a excitante aventura que este grupo de jovens despreocupado com tudo, pretende agora viver; e uma segunda, quando o filme nos mostra o lado mais inocente dos jovens, incapazes ainda de lidar com o peso humano, psicológico e dramático de algo como um homicídio (na verdade não haverá idade possível para lidar com algo tão insustentável).

Perdidos nesse efeito gravítico sem sentido, os jovens de «Bully» estão colocados num dos lugares mais ingratos do ser humano: a altura em que deixam a segurança de um lar para se prepararem para um novo mundo onde têm que se valer a si próprios. Estão no início de algo, mas «Bully» é um dos filmes mais trágicos sobre o fim da adolescência e, nesse sentido, sobre o fim de todo o romantismo do mundo.


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Tiago Pimentel

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