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Tiago Pimentel
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segunda-feira, janeiro 26, 2004



«Lost In Translation»

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«Virgens Suicidas» era um filme sobre a impossibilidade de compreendermos o feminino. Aliás, não tanto a impossibilidade, mas sobretudo o desejo masculino de recuperar as memórias de um amor que nunca existiu fora de uma penumbra mística e, no limite, se reconstrói nos impulsos amorosos mais laminares de quem sobreviveu para relatar a história das manas Lisbon. Era um documentário confessional filmado à distância, com a proximidade íntima de alguém que as amava, mas também com a incerteza admirável de quem as deificava. Eram deusas antes de serem mulheres, mortas antes mesmo de se suicidarem. Assim filmou Sofia Coppola o seu primeiro filme.

Sobre «Lost In Translation» paira essa mesma penumbra mística. Mas a mística desta vez não recai sobre ninguém em especial, mas sobretudo sobre a irredutibilidade da relação que se desenvolve entre Bob Harris (Bill Murray) e Charlotte (Scarlett Johansson). Existe, de facto, uma dimensão de errância associada não apenas à gravidade perdida de ambas as personagens (ambos pela alienação do seu casamento) mas, também, à cultura em que se encontram e que lhes é radicalmente alienígena, mas com a qual, no fim de contas, se acabam por identificar. Parecendo ser um filme sobre o fim do Ser (ou sobre as alturas em que nos confrontamos com o perturbante paradigma: afinal, qual o meu papel neste mundo?) é, na verdade, uma história sobre o recomeçar de algo. E nem tem que ser permanente, é apenas um despertar momentâneo, uma emoção efémera mas com o poder do eterno, uma vontade orgânica de mexer o corpo sem ser por obrigação ou reflexo, como se, pela primeira vez, se percebessem palavras sem necessidade de traduções.

E se Scarlett Johansson é um pequeno prodígio na ambiguidade dramática e mística dos seus movimentos errantes, Bill Murray é genial na reprodução contida de alguém que se encontra na insuficiência do seu próprio humor (ou amor). E se Scarlett consegue perturbar com apenas um pestanejar, Murray consegue arrancar uma gargalhada mexendo apenas um músculo facial. É um filme de actores com uma realização apaixonada, presente e, acima de tudo, com um respeito imenso pelos espaços das suas personagens. Não é um filme sobre o amor. Nem sequer é um filme sobre a amizade. É um filme sobre uma relação. É um filme sobre o momento. E é um dos filmes mais genuínos e honestos sobre o valor do banal, seja uma discoteca, um bar de karaoke ou um simples café.

Tiago Pimentel

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