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Tiago Pimentel
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quinta-feira, fevereiro 19, 2004

Os Deuses devem estar loucos - reflexão sobre a música de ontem e de hoje

Qual será a diferença entre descobrir hoje Rock Your Body, de Justin Timberlake, e The End, dos Doors (em 1967)? Ou entre ouvirmos todos os dias Crazy in Love, de Beyoncé Knowles e Imagine de John Lennon (em 1971)? Ou mesmo entre as melhores baladas dos Cold Play e Sunday Bloody Sunday, dos U2 (1983)? Não me parece que a reflexão deverá ser feita partindo de fundamentos tão subjectivos como os da qualidade da própria música. Mas é verdade que a cultura hip-hop e a sonoridade rap tem aculturado as novas gerações, ao mesmo tempo que a generalidade do rock tem-se deixado seduzir pela preguiça sonora do reclame publicitário. Onde ontem existia John Lennon, hoje existe Justin Timberlake por exemplo. Onde ontem existiam os Pink Floyd, hoje existem os Cold Play.

Enfim, as coisas não são assim tão lineares; hoje existe também um dos vocalistas mais determinantes e convulsivos de toda a História: Bono, dos U2. É possível encontrar nele a chama messiânica dos grandes deuses da música. Mas é igualmente incontornável encontrarmos nele a convivência com o passado, como se a sua presença fosse, de uma só vez, presente, porque ainda vivo de corpo, e passada porque nos habita com a nostalgia revivalista do nascimento do rock contemporâneo. Mesmo nas suas canções mais pós-modernas (como Stateless, da sublime banda sonora de Million Dollar Hotel), os U2 não esquecem o passado que lhes define os contornos musicais. Ou seja, pertencem a memórias mais distantes (pelo menos às gerações de quem tem hoje para cima de 20 anos). E quem diz U2, pensa também nos primeiros tempos dos Oasis, legítimos seguidores do rock tradicional dos Beatles.

E agora que assistimos à consolidação do rap, do hip-hop, do house, do trance, etc, que heróis admiramos? É possível olhar para Timberlake com os mesmos olhos de súbditos religiosos que olhavam Simon e Garfunkel, por exemplo? De facto, creio que se perdeu algo que as gerações dos nossos pais e avós conheceram muito melhor que nós. A saber: a dimensão messiânica da música. Ou seja, sentir que a música pode, de facto, mudar o mundo. Será possível hoje existir uma música como America (Simon e Garfunkel) capaz de fazer sonhar toda uma geração e oferecer-lhes a dádiva da descoberta? Julgo que se perdeu o conceito religioso, como se uma música pudesse servir de oração ideológica para se redefinirem constantemente os ritmos da vida. Perdeu-se não apenas isso, mas também a própria cultura da banda. Ou seja, ainda que exista a cultura da canção, já não se olha para uma banda como se fossem os pregadores das nossas mais íntimas orações; como se olhava antes para Nirvana, por exemplo. Talvez não exista espaço hoje para tanta oferta e as músicas acabem por se perder em memórias muito curtas, na gigantesca máquina industrial de fabricação da Britney Spears do dia.

Ou seja, de uma forma muito directa, faltam heróis para as novas gerações. Heróis que permaneçam. E o Homem sempre precisou de heróis, sempre precisou de orientação. Seja ela qual for: a de um pai ou de uma mãe, a de um padre, a de um amigo... Talvez seja por isso que as mais jovens gerações de hoje me pareçam sempre um pouco perdidas. Não no sentido mais pitoresco das drogas ou da vida boémia em geral (ainda está para vir uma geração mais dada ao álcool e drogas que a dos 70’s), mas sobretudo pela forma como vivem sem objectivos, sem sonhos e sem grandes estruturas ideológicas. No fundo, talvez não vivam, mas antes sobrevivam. Como se a efemeridade do momento pudesse oferecer, de uma vez só, a tranquilidade despreocupante da existência sem, no entanto, sentirem a necessidade do momento seguinte. Faltam sacerdotes na bíblia musical contemporânea. Temos um Papa (Bono Vox) mas falta a Igreja (no melhor sentido da palavra).

Tiago Pimentel

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