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Tiago Pimentel
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terça-feira, março 16, 2004

Há poucos dias atrás fui rever o magnífico Lost In Translation e fiquei atento a algumas reacções no final do filme. Devo dizer que fico sempre um pouco agastado quando ouço coisas como «Mas que parvoíce, isto não é nada realista, então eles vão os dois para a cama e não acontece nada?», «O gajo tem cara de parvo.» Mesmo sabendo que o respeito pelo gosto do próximo é sempre uma das máximas que aprendemos a seguir, deveria também existir uma máxima ainda por cima dessa que dissesse algo do género: não comentarás o filme sem dedicares um ou dois neurónios à sua especificidade. A maior parte das vezes, creio que nos cruzamos com fenómenos absolutamente apaixonantes e nem nos damos conta. Talvez porque as filtragens da nossa sensibilidade o não permitam, ou porque nos decidimos a não pensar sobre as subtis variações dos fenómenos humanos exteriores à nossa curtíssima esfera pessoal. Claro que, ao vermos Lost In Translation, apercebemo-nos que o sexo é uma das componentes estranhas áquele espaço concreto, correndo o risco de o contaminar e acabarem, os dois, por se aproximarem de algo que queriam, naquele momento, fugir: o casamento (ou, no limite, o amor...). Daí que este filme de Sofia Coppola nunca me tenha parecido uma história de amor... nem sequer de amizade. Gosto mais de pensar que é uma história sobre uma relação. Uma relação tão pura que nunca se sabe bem o que é. Uma relação onde é possível dar um amoroso beijo na boca, ao mesmo tempo que se dá um amigável e carinhoso abraço. Gosto de olhar para este filme e aperceber-me que a verdade existe sempre na convulsão do meu olhar. Porque, em última análise, as duas personagens deste filme transfiguram-se nos ecos mais íntimos dos nossos desejos: no desejo da felicidade pura, em conseguir respirar uma imagem sem pensar na próxima. É por isso que se deitam na cama, como duas paisagens que descansam na serenidade que o momento oferece. O tal momento onde não é necessário pensar no que vem a seguir; o momento em que se deitam numa cama, mas podia ser num banco de jardim, a simbologia não interessa, apenas a proximidade. Num filme todo ele assombrado pela sugestão de nada se passar, podendo dar a sensação de pedir muito pouco ao espectador. Passa-se precisamente o contrário: a imponderável serenidade das imagens reflecte apenas o olhar de cada um. Se não estivermos dispostos a olhar e a procurar essa serenidade, o filme nada nos dirá. Talvez a verdadeira beleza esteja aí, numa sensibilidade específica, limpa dos preconceitos que contaminam o pensamento sócio-cultural contemporâneo. Pode parecer uma contradição. No início do texto digo, a determinada altura, que esta não é uma história de amor; que os dois fogem de ter uma relação amorosa. Mas será que o amor no seu estado mais puro não passará também pelo puro prazer de estarmos juntos?

Tiago Pimentel

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