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Tiago Pimentel
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segunda-feira, março 01, 2004




Nova Zelândywood

Depois do intervalo da passadeira vermelha há um ano atrás, o glamour da entrada no Kodak Theatre regressou este ano, demasiado esquartejado pelos intermináveis interregnos publicitários da TVI. Billy Crystal foi também um feliz retorno a estas noitadas introduzindo a cerimónia com um dos mais memoráveis e espectaculares números de entrada em toda a história dos Oscars. Quanto à cerimónia em si, foi das mais fracas dos últimos 10 anos. Por várias razões, mas sobretudo porque falhou a celebração da memória do cinema. Tanto mais que se deu pela falta de mais momentos de antologia cinematográfica a recordar os nomes e os títulos que aprendemos a amar e que a Academia tão bem sabe recordar.

Mas não só, o próprio discurso dos vencedores foi de uma anorexia cinéfila absoluta, sem respeito nenhum pelo passado. Aliás, a Academia preparou o galardão máximo de uma forma absolutamente simbólica: a transferência do Oscar de Spielberg para Jackson. E Jackson nem se apercebeu do valor desta homenagem como um valor simbólico no reconhecimento oficial da Academia pelo cinema fantástico recuperando uma das suas figuras paternas mais determinantes. Em vez disso, Jackson achou relevante agradecer pela enésima vez ao povo e governo da Nova Zelândia. De repente, todos se esqueceram que filmes bem superiores como a trilogia dos Indiana Jones, a trilogia do Star Wars, ET, Encontros Imediatos do 3º Grau, entre outros, tiveram que existir e suportar serem ignorados (mas nunca esquecidos), cerimónia após cerimónia, para este Senhor dos Anéis conseguir finalmente vingar o género. Nada contra a trilogia de Peter Jackson (em boa verdade, acho-a fascinante) mas custa-me que, tanto nos agradecimentos, como na própria produção se tenha esquecido aquilo que ao longo de tantos anos tem sido a eucaristia cinéfila durante cerca de 4 a 5 horas. A saber: a reposição do passado. Ou seja, vivemos a noite dos Oscars, não como uma modalidade olímpica de entrega de prémios, mas antes como uma sessão contínua de imagens perdidas na nossa memória, recuperadas agora em pequenos momentos agregados num todo, numa súmula de memórias cinéfilas que poderiam conjugar um filme em si mesmas: o filme da nossa cinefilia, ou seja, do nosso amor pelo cinema.

Mas tudo isso esteve em regime de dieta na produção da cerimónia deste ano; apenas dois pontos memoráveis com a sublime montagem de vários momentos da carreira da grande Katharine Hepburn e o In Memoriam que começou por recordar Gregory Peck. De resto, foi uma cerimónia enfadonha, sem momentos entusiasmantes, com discursos de agradecimento cujos respectivos recipientes poderiam usar para adormecer os filhos à noite (quanto mais não valia ouvir Bill Murray do que a lenga-lenga de Sean Penn)... No entanto, há que ser justo: Tim Robbins merecia ganhar. O Senhor dos Anéis merecia muitos (não todos) dos Oscars que ganhou, sobretudo se for para premiar a trilogia (justificação que me parece algo desajustada, já que, ou muito me engano, ou os outros dois filmes já tinham ganho Oscars também). Em todo o caso, também não sou apologista de, subitamente, se correr o filme de Peter Jackson com todos os Oscars que se conseguirem desencantar, como se fosse possível premiar três filmes de uma só vez. Não só me parece desadequado como absurdo também que tal aconteça num ano em que concorre com Mystic River. Maiores injustiças foram feitas no passado, nem é preciso relembrá-las (Chicago o ano passado, para citar uma recente), mas não consigo aceitar que, no meio de tantos Oscars, pelo menos o de argumento adaptado não tenha sido entregue a um dos mais perfeitos e milimétricos argumentos dos últimos anos: Mystic River, precisamente. Este exagero de 11 Oscars parece-me tanto mais significativo do enfado da cerimónia se atentarmos à reacção da plateia do Kodak Theatre aquando da entrega do Oscar de Melhor Realizador a Peter Jackson, supostamente um aguardado momento. Um momento que se esperava de gáudio absoluto para reconhecer devidamente o trabalho do realizador que deu luz cinematográfica à obra literária de Tolkien. Um momento em que se esperava uma ovação de pé no Kodak Theatre.

Não aconteceu nada disto. Foi um momento tão banal como a entrega de um Oscar de melhor curta metragem documental. Porquê? Talvez porque a plateia estivesse farta até à ponta da crina de aplaudir 9 vezes até à altura, O Senhor dos Anéis. Talvez porque a cerimónia estivesse a ser aborrecida. Talvez porque no meio de 11 Oscars, o de Peter Jackson não tenha o destaque e o peso que merecia. Por mil e uma razões, o certo é que quando Jackson recebeu o Oscar da mão de Tom Cruise, já não soavam palmas no Kodak Theatre. Ou seja, para a História poderão ficar os números, mas faltam os momentos. Foi, além do mais, uma cerimónia aborrecida até na distribuição dos prémios. Sean Penn, Charlize Theron, Peter Jackson, O Senhor dos Anéis, etc... era impossível ser mais previsível. Aliás, em boa verdade, muitos de nós até quiseram complicar demais as previsões (eu recordo-me que previ 8 Oscars para O Senhor dos Anéis). Colocando a questão de uma forma paradoxalmente clara e eficaz: foi a cerimónia mais imprevisivelmente previsível dos últimos anos. O que é, normalmente, uma grande celebração de cinema, acabou por ser, este ano, uma aborrecida festarola de hobbits. E eu que gosto tanto dos filmes.

Tiago Pimentel

Lista dos Oscars mais importantes:

Melhor Filme: O Regresso do Rei
Melhor Realizador: Peter Jackson
Melhor Actor: Sean Penn
Melhor Actriz: Charlize Theron
Melhor Actor Secundário: Tim Robbins
Melhor Actriz Secundária: Renée Zellweger
Melhor Argumento Original: Lost In Translation
Melhor Argumento adaptado: O Regresso do Rei
Melhor Guarda-Roupa: O Regresso do Rei
Melhor Direcção Artística: O Regresso do Rei
Melhor Caracterização: O Regresso do Rei
Melhor Banda Sonora: O Regresso do Rei
Melhor Canção: O Regresso do Rei
Melhor Longa Metragem de Animação: Finding Nemo
Melhor Fotografia: Master and Commander
Melhor Mistura de Som: O Regresso do Rei
Melhor Montagem de Efeitos Sonoros: Master and Commander
Melhor Montagem: O Regresso do Rei
Melhores Efeitos Especiais: O Regresso do Rei

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