<$BlogRSDUrl$>

Um site para pensar sobre tudo e chegarmos sempre a um singular pensamento final: sabermos que nada sabemos.
_____________________________

Tiago Pimentel
Críticas dos leitores para: tiago_pimentel@hotmail.com

domingo, março 21, 2004

O Insustentável Peso da Ignorância

De facto, pasmo a olhar para as notícias. Nove dias depois dos atentados em Madrid, inúmeras manifestações pedem a paz e a retirada das tropas militares do Iraque e Mário Soares (homem que aprendi a admirar) acha que a melhor solução para acabar com o terrorismo é o diálogo. E, no meio disto tudo, é incrível como ainda se anda a discutir se havia ou não armas de destruição no Iraque, como se isso fosse o centro de discussão da necessidade de democratizar o Iraque e destituir uma ditadura que ameaçava, em qualquer perspectiva que queiramos discutir, a segurança mundial. Acho que já é tempo de deixarmos de discutir se a intervenção militar no Iraque foi, ou não, correcta. Foi feita e não se pode agora voltar atrás e deixar um país sem ordem nem autonomia. Poucos dias antes das eleições espanholas, um atentado terrorista em Madrid colocou o medo na Europa. É importante que isto seja dito. Quando aconteceu o 11 de Setembro, o europeu reagiu de uma forma comodista e amedrontada como é, aliás, sua característica. Ou seja: "o atentado aconteceu do lado de lá do Atlântico, os americanos que lidem com isso. Quanto menos sobrar para nós melhor." Como se a Al-Qaeda fizesse distinções dentro do mundo ocidental. Aliás, como se eles fizessem distinções fora do seu mundo e de quem não aceita a sua religião.

A seguir ao 11 de Setembro, os americanos perceberam que tinham que fazer alguma coisa e aperceberam-se, como qualquer habitante deste planeta mais atento já terá percebido, que a luta contra o terrorismo é uma espécie de luta contra o invisível. Isto é, não é possível apontar para um sítio no mapa. O Iraque surgiu num contexto de correcção daquilo que, há 12 anos, estava a funcionar mal: o controlo de armas de destruição num país governado por um criminoso. Na altura, ouvi os comentários mais absurdos que exigiam que, se o Iraque tem que ser confiscado, porque é que os EUA não terão que sê-lo também? A memória do pensamento contemporâneo é tão curta (ou faz por sê-lo) que já ninguém se lembrava que se tratava do mesmo homem que, dozes anos antes, invadiu o Kuwait. É um governo criminoso e, como tal, não pode ser permitido o acesso a armas de qualquer natureza que coloquem em causa a segurança mundial. Se juntarmos a isto o facto de Saddam não deixar que os inspectores da ONU passassem as fronteiras para verificar a existência, ou não, das ditas armas, é fácil de imaginar que, num clima de pós-11 de Setembro, os americanos decidissem acelerar as “negociações”.

Também não é difícil de perceber que o europeu, no seu despreocupado comodismo, pensasse que o único inimigo de Al-Qaeda eram os EUA e que, a haver alguma intervenção militar, seria da exclusiva responsabilidade do governo de George W. Bush. Ontem, ao ver o apanhado da Contra-Informação de Sábado, voltei a ouvir as mesmas piadas recorrentes sobre as armas de destruição no Iraque. Aliás, é muito típico do habitante europeu ligar-se de forma falsamente nostálgica a um passado que julga ainda definir compromissos morais. Isto deu origens a comentários como “pois, querem tirar o Saddam de lá, mas foram os americanos que o lá puseram” ou “foram os EUA que deram armas ao Iraque e agora queixam-se do quê?” Quer dizer, como se isto fosse avalista automático de se praticarem actos criminosos e invalidasse que os EUA pudessem agir em legítima defesa. São apenas dois exemplos, mas havia ainda quem fosse buscar o caso do Chile (só faltava mesmo falarem nos índios...). A seguir ao 11 de Setembro, era natural que os EUA acelerassem a sua política externa e pressionassem a ONU para ultrapassar as suas limitações burocráticas. O Iraque andava a gozar com as ferramentas e instituições do mundo ocidental e, ainda por cima, pertence ao mundo islâmico tornando-o um potencial colaborador com forças terroristas. Mas agora, mais do que nunca, já não interessa discutir a legitimidade da guerra. Ela está feita, agora interessa dar ao Iraque condições para se autonomizar e garantir qualidade de vida. É importante que os países à sua volta se apercebam que a qualidade de vida aumenta, de facto, com a queda de uma ditadura.

Mas, agora, algo de muito novo sucedeu. O problema deixou de estar apenas do lado de lá do Atlântico. Os terroristas da Al-Qaeda atacaram na Europa. O medo chegou à Europa e, ainda assim, a generalidade dos europeus ainda prefere acreditar que foi a união da Espanha aos EUA que originou este ataque. Ou seja, enquanto não nos tocar a nós, vamos ficar quietinhos sem fazer nada porque o problema é vosso. Foi assim que muitos estadistas europeus pensaram, na altura do 11 de Setembro. E se amanhã houver um ataque na França? Vamos culpar a lei do véu? E se o atentado for na Alemanha? Vamos culpar a coligação das Nações Unidas na intervenção militar no Afeganistão? Quando é que vamos parar de tentar atribuir culpas e assumir, de uma vez por todas, que o alvo do terrorismo islâmico sempre foi o mundo exterior às suas fronteiras? Quando é que vamos perceber que Al-Qaeda não faz distinções geográficas, apenas religiosas? Quando é que vamos parar de inventar culpas para o passado e começar a reflectir sobre o presente? Confesso algum medo. Não é um medo específico. Não tenho medo de entrar no metro ou num centro comercial. Tenho medo da nossa ignorância. Tenho medo que o nosso medo nos custe caro. Tenho medo que este onda de terror desmembre a UE como a conhecemos num conjunto de actos sucessivos de desresponsabilização. Tenho medo da incompetência política de estadistas como Zapatero que, depois do povo espanhol ter redefinido o governo como Al-Qaeda pretendia, declarou que iria retirar as tropas espanholas do Iraque concluindo a vitória política total dos terroristas islâmicos. Tenho medo das nossas reflexões intelectuais enfadonhas e ineficazes, em absoluto, para a evolução da segurança mundial. Tenho medo do nosso comodismo. Tenho medo de ser europeu.

Tiago Pimentel

0 Comments:

Enviar um comentário

<< Home

This page is powered by Blogger. Isn't yours?