«I, Robot», de Alex Proyas
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Mais uma vez, parece-me haver um enorme equívoco por parte da crítica norte-americana. Não apenas porque ignora a especificidade de um objecto como «I, Robot», mas também porque, num curto espaço de tempo, aclamou «Spider-man 2» por uma ordem de razões que usou depois para atacar «I, Robot». Ou seja, estamos na aparente presença de dois filmes de entretenimento superior com a diferença de se reconhecer o direito à frivolidade no filme de Sam Raimi, enquanto o de Proyas já seria obrigado a uma componente reflexiva. Isto implica, claramente, um desconcertante equívoco na análise dos dois objectos, de resto, completamente distintos.
«I, Robot» descende da família visual de «Minority Report» e do seu futuro negro e sujo, onde as imagens das tecnologias de ponta desse tempo se cruzam com sinais do nosso presente. Mas é aí que se esgotam quaisquer semelhanças entre o filme de Spielberg e o de Proyas. O filme de Proyas é um conto de sci-fi sobre a convivência da tecnologia e do humano e das vantagens e perigos que a inteligência artificial poderá simbolizar para a humanidade das futuras gerações. Mas é um filme que dispensa a imaginação do espectador (no sentido de se projectar naquele tempo futuro) para ser profundamente actual. Na verdade, «I Robot» é um exercício brilhante sobre a projecção do nosso conceito de sobrevivência. É um filme de sci-fi sem fífias de argumento com um casamento perfeito entre o entretenimento puro e imaginativo e a fortíssima e pertinente componente reflexiva (mesmo Will Smith funde, na perfeição, todas as suas variações enquanto actor carismático com subtis, mas fortíssimas, componentes dramáticas). É um filme que, para estimular os neurónios do espectador, não precisa de recorrer à redundância de colocar os seus personagens a filosofarem e a debaterem «pensamentos» de «fortune cookies», como na trilogia «Matrix» (talvez isto seja desconcertante para uma parte da crítica que venerou a saga dos manos Wachowski). Afinal, qual é o lugar da máquina num mundo de Homens? Aliás, reformulando e respeitando o pensamento específico do filme: haverá lugar para uma nova forma de pensar? Ou seja, será possível simular o pensamento, as emoções, as imagens, os corpos?
Proyas arriscou a simulação cinematográfica, o visionarismo das novas possibilidades imagéticas. As imagens que compõem o espaço no futuro, que simulam aquilo que foi conhecido como realidade, noutros tempos: os hologramas, o corpo dos robôs, as suas feições e as novas formas de publicidade. Tudo isto são reinvenções de realidades, aperfeiçoadas progressivamente até não se distinguir a realidade da ficção. Ou melhor, até a ficção se tornar realidade e viajarem de mãos dadas nas imagens convulsivas que estão ainda por nascer. É neste interessantissimo enquadramento que nasce «I, Robot». Que enquadramento? A possibilidade do artificial se tornar humano.
Tiago Pimentel
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