<$BlogRSDUrl$>

Um site para pensar sobre tudo e chegarmos sempre a um singular pensamento final: sabermos que nada sabemos.
_____________________________

Tiago Pimentel
Críticas dos leitores para: tiago_pimentel@hotmail.com

sexta-feira, julho 02, 2004



Marlon Brando (1924-2004)

Morreu, com 80 anos, aquele que era por muitos considerado o «melhor actor de sempre». Marlon Brando morre quase um ano depois de Elia Kazan, realizador de quem foi um dos principais cúmplices humanos e dramáticos. Foi um dos pioneiros mais emblemáticos do Método, sobretudo pela forma como transformava o processo criativo de acting num fenómeno hiper-realista de renovação de todas as formas de representar. Nunca a expressão chapliniana «o mundo é um palco» atingiu proporções tão intensas como no fenómeno Brando. Foi um dos mais revoltados actores de sempre e, talvez por isso, um dos mais polémicos. Em 1973 recusou o Oscar pela sua prestação em «O Padrinho» como voz de revolta à descriminação que Hollywood mostrava pelos Índios nativos dos EUA. Mas para a História ficará, mais do que o Oscar, a imortal e carismática figura de Don Vito Corleone (Brando) que Coppola conseguiu vender ao patrão da Paramount (na altura, Charles Bludhorn) Marlon Brando como ideal para esse papel. Coppola filmou Brando a mascarar-se de Vito Corleone, passo a passo, colocando os lenços de papel na boca e a untar o cabelo. Bludhorn terá dito "quem é este velho? É fantástico!"

Era um actor de excepção, não porque sabia as falas todas de cor ou porque todos os takes lhe saíam bem à primeira. Mas precisamente pelo contrário, como relembra Anthony Hopkins: «Era preciso filmar vários takes com Marlon Brando, porque havia sempre algo que falhava. Mas quando saía bem, era o mais próximo que podíamos estar de um milagre de Deus.» E era nessa ambiguidade, nessa incerteza que Brando construía as suas composições artísticas, como esculturas mais próximas de um conceito dramático do que de uma estrutura bem definida de características, maneirismos e vícios. Lembro-me de «On the Waterfront», por exemplo, num diálogo entre Brando e Eva Marie Saint, quando Eva deixa cair o seu lenço (acidentalmente, já que não constava no guião). Um actor vulgar ficaria sem saber o que fazer e esperava o «corta!» do assistente de realização. Brando pegou no lenço e acariciou-o enquanto continuava o diálogo intensificando a agrura dramática da cena e, de repente, recriava novas formas de explorar a sensibilidade específica de uma situação através do improviso e da incerteza.

Foi um dos pais da representação realista. Talvez seja redundante colocar a questão desta forma. Foi um dos pais do cinema, um dos renovadores dos formatos dramáticos e humanos que nos colocam (a nós, espectadores) em confronto com a sensibilidade realista de uma persona «bigger than life» que nos poderia representar a todos. Talvez fosse isso que o colocava sempre um degrau acima dos outros. Porque ele tinha espaço, dentro de si, para representar todas as formas do humano. Porque ele nunca olhava para o teatro e para o cinema de uma forma matemática ou metodológica. Dentro dele existia o cinema no estado mais puro. Sem equações nem filtros de ensino. Era uma escultura abstracta, uma ideia, uma noção, um conceito. Hoje morreu. Estamos todos um pouco mais desamparados, já que com ele morreu também a inspiração de todo um conjunto de novas gerações. Essa força de vida esgotou-se (em boa verdade, já se vinha esgotando há alguns meses). Mas era uma força «bigger than life» e, por isso, inesgotável. Morreu o corpo, ficou o espírito. Morreu o actor, ficaram as memórias. Em criança chamavam-lhe Bud. Um rapaz sem nome, cuja alcunha o colocava nos pés de qualquer ser humano do planeta. Adeus Bud, you had class. You were someone. You were more than a contender!

Tiago Pimentel

0 Comments:

Enviar um comentário

<< Home

This page is powered by Blogger. Isn't yours?