
«The Terminal», de Steven Spielberg
Class.:

O Extraterrestre que veio do planeta Terra
O cinema tem destas coisas. De vez em quando lá aparece um filme que nos devolve o grau zero de todas formas de pensar e sentir. Devolve-nos (a nós, espectadores) porque o cinismo que contamina o pensamento social, já nos fez esquecer que existem lugares dentro do nosso corpo que ainda não foram absorvidos por essa letargia emocional. Num aeroporto onde chegam e partem dezenas de milhares de pessoas por dia, Viktor Navorsky (Hanks) é apenas mais uma falha no sistema: o seu país entrou em guerra civil e Viktor perdeu a sua cidadania enquanto o governo não recuperar o controlo da situação. Nesse sentido, Viktor está proibido de sair do terminal do aeroporto e entrar em Nova Iorque.
É possível sentir que Spielberg terá regressado às suas fontes clássicas mais directas, sobretudo Capra e Keaton. De resto, o herói de The Terminal absorve toda a amplitude do herói «capriano»: é alguém sem lugar, sem nada a não ser um enorme coração capaz de alterar a vida de qualquer ser com quem se cruze. Mais uma vez, seguindo o registo melodramático de «Apanha-me se Puderes», «The Terminal» transcende a frivolidade que o nosso olhar procura numa comédia «light». Sem nos apercebermos, o filme desenha o labirinto existencial de um personagem perdido num aeroporto (e na vida) à procura de completar as últimas memórias paternas (e, num certo sentido, para completar o corpo do pai) e regressar de novo a casa. Na sua passagem pelos EUA, conhece habitantes do mundo cujas relações estabelecidas transcendem qualquer barreira linguística ou cultural. No fundo, é a história revivida do ET. Apesar do extraterrestre, desta vez, ser bem humano, vem de um lugar inventado (Krakhozia, algures na Europa de Leste). É para esse «planeta» que, sabemos, terá de regressar. Em boa verdade, é a tragédia suspensa dos melodramas mais dolorosos de Spielberg: a construção efémera de uma família destinada à separação. Ou, para recuperar a ambiguidade de finais como os de ET ou AI, é a tragédia «happy/sad» desenhada pelo efémero que deixará marcas para o resto da vida.
Mas «The Terminal» não é uma quadro concreto. É, antes do mais, uma pintura abstracta de corpos, estímulos, emoções, sentimentos. Apetece dizer que todos os corpos são aparições. Com tudo o que a palavra arrasta de efémero e eterno. Porque uma aparição pode durar apenas uns segundos aos nossos olhos e permanecer para sempre na nossa memória. Assim é, por exemplo, Catherine Zeta-Jones, personagem feita à imagem de tantas mulheres contaminadas pela errância do amor do cinema clássico norte-americano. Muitos espectadores poderão sentir uma sensação algo desconcertante, já que a história de amor é tratada com a mesma prioridade de outras sub-histórias da narrativa. Talvez porque este filme não é uma história de amor. Pelo menos não entre Viktor e Amelia. É, sobretudo, uma história de um filho que, depois de cumprir a sua missão, apenas quer regressar a casa.
«Life is Waiting» diz-nos o cartaz do filme. Todos esperam, diz Viktor. E num terminal de aeroporto, onde todos esperam vidas que chegam, vidas que partem, o filme dá vida a um pequeno circo de personagens que vivem a sua vida como personagens de um conto de fadas em busca do seu final feliz. Alimentado por gags que nos deixarão um sorriso desenhado no rosto por vários dias e potenciado por uma narrativa melodramática fortíssima, «The Terminal» é uma das mais comoventes experiências dos últimos anos de cinema e um filme que apetece levar para casa e ver, vezes e vezes sem conta.
Tiago Pimentel
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