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Tiago Pimentel
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sábado, novembro 27, 2004

Cinefilia autista

Há coisas que, por vezes, cansam e aborrecem. E a cinefilia pode ser uma dessas coisas, quando incompreendida. Empenhamo-nos tanto em apreciar o cinema em componentes cada vez mais rebuscadas (a concepção formal, a perfeição milimétrica do argumento, as inovações da realização) e esquecemo-nos da causa prima que tem levado rios de pessoas ao cinema, desde sempre: as histórias! Estamos tão preocupados em procurar componentes transcendentes que já poucos dão fundamental importância à necessidade de contar uma história. Peço desculpa por estar a usar a 1ª pessoa do plural, mas apesar de me tentar distanciar sempre dessa visão redutora, acho que a banalização se tornou tão preocupante que a culpabilização generalizada será um compromisso que, se calhar, deveríamos rever. Isto porque, cada vez mais, a cinefilia corre o risco de se tornar uma obsessão autista por supostos sinais de inovação, visões que achamos novas para estimularem a nossa vista cansada e banalizada de tanto consumir cinema, como se a cinefilia se transformasse num pobre conceito de cinefagia. São essas ideias que se transformam em vozes insatisfeitas que acusam, por exemplo, Terminal de não trazer nada de novo à carreira de Spielberg, ou a encontrar a iluminação do futuro no musical Moulin Rouge. Atenção, o que está em causa não é o direito à diferença, mas antes o esquematismo do discurso. Dizer que Terminal não acrescenta nada à carreira de Spielberg, deixa-me sempre um bocadinho aborrecido, sobretudo porque a cinefilia deveria ser capaz de nos apaixonar por cada filme, por cada história em vez de nos cansar a tal ponto que só valorizamos o que nos parece inovador. Terminal não acrescenta nada de novo? Pois claro, então Spielberg já tinha contado a história de um emigrante de leste que fica entalado num aeroporto americano, várias vezes. O cinismo e a dormência já é tão cerrada que ninguém quer saber da história. Ninguém quer saber se Spielberg filma os corredores do aeroporto com uma elegância tão natural e milimétrica que nos dá a sensação de já termos visto aquilo vezes sem conta. Não tem tanto a ver com já termos visto, mas antes com a forma de Spielberg nos receber naquele universo, fazendo-nos pertencer àquele lugar, como se sempre o tivessemos conhecido. Mas tudo isso é banalizado pelo olhar cinéfilo. O que interessa mesmo são as insanidades narcóticas do Baz Luhrmann, mesmo que contaminadas por uma anarquia arbitrária de montagem, sem lógica, mesmo na desordem. O que interessa é que parece inovador e, por isso, gostamos. De que interessa que a montagem seja confusa, mal amanhada e a história uma fantochada teen para encher um Domingo à tarde? Isto é um pouco preocupante. Ao longo de decádas, o cinema tem apaixonado massas populares espalhadas pelo globo que procuram histórias, emoções, reflexões. E tudo isso parece começar a importar cada vez menos. Já ninguém quer saber do emigrante que fica preso no terminal com o único desejo de completar as memórias (e o corpo) do pai. Poucos querem saber da história que se quer contar, do que os personagens têm para dizer e isso é triste, não posso deixar de lamentar. Parece que esse interesse só renasce com uma ou outra obra que pareça marginal, só essas parecem merecer o nosso tempo. Expressões como “mais do mesmo” ou “não acrescenta nada de novo” tornaram-se lugares comuns da nossa letargia cinéfila. Talvez tudo isto ajude a explicar a estranha falta de paciência de muitos cinéfilos pelo cinema mais velhinho, mais clássico. De facto, não há nada de novo nele...

Tiago Pimentel

1 Comments:

Anonymous Anónimo said...

bem pensado

1:48 da manhã  

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