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Tiago Pimentel
Críticas dos leitores para: tiago_pimentel@hotmail.com

segunda-feira, novembro 08, 2004



How to Dismantle an Atomic Bomb - U2

Class.:


Listen to me now!!

How to Dismantle an Atomic Bomb é o título do mais recente trabalho dos lendários U2. E raras vezes assisti a um fenómeno tão apoteótico como este. Senti-me muito pequeno a ouvir o disco, como se fosse de facto o primeiro álbum que estava a ouvir (e Bono avisou que este era o primeiro álbum da banda). É possível ver ali todas as imagens que maquilharam o rock contemporâneo dos últimos 20 anos, mas de uma forma pessoal e nunca distante. Daí que me pareça tão visionário procurar a solução dos novos sons... nas origens. Buscar o futuro no passado. Mas nunca de uma forma científica, mas sim pessoal. Olhar para a música de uma forma muito específica e resgatar as imagens que ainda enriquecem o nosso imaginário para fazer nascer algo de muito especial. A ideia com que fico é a dos U2 a passearem pelas paisagens do seu próprio passado e a dedicarem uma música a cada uma: uma para Unforgettable Fire, outra para The Joshua Tree, outra para Achtung Baby e por aí fora. O resultado é um assombro. Uma peça artística de 11 canções (mais uma extra para as edições britânicas) com uma alma inesgotável. É um álbum apaixonado por tudo, pela vida, pela música, por Deus, pelo Homem, pelas suas fragilidades, pelas suas virtudes. Mas é também uma obra assombrada pela presença do pai de Bono que faleceu durante a Elevation Tour - Bono chegou mesmo a dizer que, para ele, o título do álbum sempre lhe soou mais a How to Dismantle an Atomic Bob (o nome do seu pai, Bob Hewson).

É possível encontrar pedaços espalhados pelo álbum de uma vontade desesperada de reencontrar os pensamentos do pai e repetir, sem perder o fôlego, ecos confessionais que façam a música romper as fronteiras do tempo e do espaço, da vida e da morte... E uma das componentes mais interessantes dessa relação tem precisamente a ver com o seu lado mais atípico e convulsivo. Ou seja, não se trata de uma relação perfeita, nunca produzindo os temas típicos de admiração entre pai e filho. A relação de Bono com o seu pai era, como se sabe, problemática e tudo isso sangra no álbum de forma particularmente angustiante. Tudo aquilo que o mítico vocalista pede é uma última oportunidade para ser ouvido pelo pai (“Can you hear me sing?”). Esse desespero passa por toda a duração do álbum e pela própria voz enrouquecida que o tabaco não lhe tem perdoado. De facto, com o tempo o vocalista tem perdido a suavidade planar que as suas vocais, em tempos, já tiveram. Mas, no seu lugar, ganhou uma rouquidão dramática, obscura que torna as músicas mais sombrias (quando têm de ser) ou mais grandiosas quando a guitarra épica de The Edge pede uma voz calejada pelo tempo com a emoção suficiente de uma vida maior do que ela própria, «bigger than life». A guitarra de The Edge reencontra, aqui, paisagens, ecos de outras memórias que pareciam perdidas e mistificadas pelo nosso imaginário. Agora reencontradas, percebemos que ainda são uma mistificação mas que podemos habitá-las com o fulgor do novo. E aqui parece-me o maior equívoco dos detratores normais e banais da banda irlandesa. Sempre prontos a criticar quando fazem algo dentro do seu som, como se fossem meras reciclagens e auto-citações. Criticam-nos sempre por não procurarem inovar. Como se fosse isso o mais importante. Os U2 nunca procuraram serem inovadores; eles apenas procuraram sempre ser únicos. É isso que os distingue de todos os experimentalistas inócuos e vazios que contaminam a indústria musical. Eles nunca foram gratuitos porque procuram sempre que as canções sejam extensões da sua paixão pela música e não uma dissertação inovadora e experimental que tenha um impacto histórico qualquer na forma de construir músicas. E, ao ouvir este álbum novo, tenho a sensação de nunca ter ouvido nada assim, apesar de saber localizar perfeitamente cada canção no tempo. Mas é tudo novo para mim. Sim, a Miracle Drug parece saída do Unforgettable Fire mas nenhuma música desse álbum me faz sentir o que sinto com Miracle Drug. Será isto uma inovação ou uma reciclagem? Será que a banda inovou? E para que é que isso interessa? How to Dismantle an Atomic Bomb soa, de facto, como se fosse o primeiro álbum da banda. Para mim, soa como se fosse o primeiro álbum que ouvi, desde sempre. E só depois de chegar ao fim é que me apercebi da razão de terem escolhido o título que escolheram. Dismantle é uma das expressões mais ambíguas do vocabulário inglês. Como desmantelar uma bomba? Como recuperar a saúde humana que o mundo tem perdido, nos últimos anos? Como se desconstrói o ódio explosivo que tem dividido a humanidade? Como se dialoga com a morte? Como se compreende a morte? Como se compreende a vida? Como se compreende o nosso pai depois de nos ter deixado? Como fazê-lo ouvir que ele faz parte de nós? Sabendo – e o Bono bem o sabe – que somos todos parte do mesmo ser. Somos todos parte da mesma bomba e, quando explodirmos, explodimos todos. Até lá, resta-nos acreditar na música, no Homem e, no limite... em Deus.

Vertigo

O single de apresentação do álbum que já conhecemos. Uma música que casa na perfeição o seu desespero apocalíptico com uma festividade punk que celebra a música como desvio de todas as tragédias.

Miracle Drug

Um pequeno milagre esta música. A canção começa com os ecos da guitarra de The Edge e o espírito eleva-se a estados de sublimação. A voz de Bono entra como um profeta de amor cantando “I want to trip inside you head, spend the day there and hear the things you haven’t said.” A música cresce até ganhar um pulmão épico que parece dançar pelas cordas electrizantes que The Edge dedilha.

Sometimes You Can’t Make it on your Own

Na minha opinião, a música mais poderosa do álbum. Vai ser o próximo single e não tenho dúvidas que será uma canção histórica que ficará para a posteridade. Foi a música mais directamente relacionada com o pai de Bono. O cantor canta “listen to me now” com um desespero na voz capaz de perturbar o mais indiferente dos cépticos. No clímax, Bono chama pelo pai “You’re the reason I sing”, numa das linhas mais comoventes e confessionais da sua carreira.

Love & Peace or Else

O primeiro grito industrial com remisturas e produções electrónicas que não podiam deixar de lembrar o período dos anos 90 que a banda transitou, entre Zooropa e Pop. É uma grande encenação rock e faz lembrar um bocadinho uma partitura de Andrew Lloyd Webber (as mais arrojadas). Será uma boa alternativa à Bullet the Blue Sky, para renovar os momentos de crítica política e social nos concertos.

City of Blinding Lights

Outro milagre. O início da música volta a reencontrar um casamento mágico entre notas que parecem perdidas nas cordas de uma guitarra com um piano etéreo a controlar o ritmo (sim, Where the Streets have no Name renasceu). A bateria entra para a mistura e, nem por um segundo, o ambiente se torna cáustico. É um hino de grandes estádios feito por uma banda que domina todas as variantes musicais com uma serenidade ímpar.

All Because of You

Um momento Rattle and Hum, com a banda a recuperar os sons crus do blues e das guitarras de rua que encontraram em Harlem. Música eficaz e com uma mão firme na guitarra. Uma boa alternativa para a Desire, ao vivo.

A Man and a Woman

Nos primeiros segundos identifiquei, de imediato, os The Police. É uma música dentro das suas tonalidades raggae e com um refrão que fica facilmente no ouvido. A letra é lindíssima e o tema cresce com várias audições. Magnífico.

Crumbs From your Table

O momento mais Achtung Baby do disco. Está também ligado à luta que Bono tem travado em África e ao avanço desmesurado da SIDA e da extrema pobreza. “Where you live should not decide whether you live or whether you die” canta o vocalista. A música é sublime.

One Step Closer

Outra música dedicada directamente ao pai de Bono, depois de Noel Gallagher (Oasis) lhe ter dito que o seu pai (quando ainda era vivo) estava mais próximo que eles de conhecer a verdade. Uma apoteose de contenção emocional e outra obra prima absoluta.

Original of the Species

Um dos temas que dará mais que falar e uma das mais belas baladas que a banda já compôs. Foi escrita por Bono para a filha recém-nascida de The Edge. Fala, não só do fascínio que o mundo nos parece quando somos crianças, mas também dos problemas que contaminam o crescimento e pervertem a inocência. Correndo o risco de parecer redundante, é uma música magnífica.

Yahweh

O final de álbum mais perfeito que os U2 alguma vez conseguiram. Uma música com uma carga positiva fortíssima e uma entrega de Bono ao Deus hebraico. Isto porque depois de ter chamado pelo pai, pelas novas gerações, pelas nações unidas em relação a África, o vocalista percebeu que nada mais pode fazer. Resta-lhe entregar o seu corpo a Deus e cantar a busca da verdade na religião: “Take this soul and make it sing”.

Tiago Pimentel

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