Charlie and the Chocolate Factory
Class.:
Uma pequena delícia! Tim Burton recupera uma personagem do património nacional, cultural e afectivo dos EUA, Willy Wonka, e empresta-lhe a sua própria sensibilidade, para o tornar também parte do seu património cinematográfico. Johnny Depp é radicalmente diferente de Gene Wilder, sem ser necessariamente melhor ou pior por causa disso; é, antes do mais, um trabalho de composição que se projecta na ambivalência de figuras tão próximas do cinema americano como o próprio Jerry Lewis. Existe, de facto, esse lado genuinamente naive em Depp, à medida que desconstrói todo um modelo de comédia fascinado pela descoberta amarga de uma identidade. Confesso que alguns excessos esquemáticos do argumento e das personagens, reforçado (em última instância) por todo o lado kitsch do filme, inviabilizam um tratamento mais incisivo sobre todas as variações do modelo melodramático que o filme pretende efabular.
Formalmente, é um herdeiro directo de objectos muito dignos do cinema clássico americano, como o incontornável «O Feiticeiro de Oz». Tematicamente, é mais próximo a Burton do que se possa pensar. O cineasta recupera a busca de uma identidade (mais especificamente, a relação com o pai) como fundamento temático de todas as fábulas. É nos labirintos da sua orfandade que Willy Wonka se revê como herói amargurado das grandes fábulas do cinema americano e acaba por ser apanhado, inadvertidamente, na recuperação de um lugar humano que se julgava irremediavelmente perdido: a família – espaço simbólico que funciona como catarse para todas as tragédias. Existem alguns pontos de contacto com «Eduardo Mãos de Tesoura», além da presença catedrática do pai e do isolamento auto-imposto pelos protagonistas que, confrontados com uma sociedade que não os compreende, refugiam-se na sua própria marginalidade. Existe algo mais: a comunicação artística que as suas diferenças ajudaram a tornar especial e apurada. Enquanto Eduardo esculpia as mais belas peças de arte em arbustos e cubos de gelo sem, no entanto, poder tocar numa pessoa, já Willy Wonka vive obcecado pelos sabores mais exóticos para colocar no seu chocolate de forma a comunicar, de alguma forma, com o mundo exterior. Isto é: enquanto, no primeiro, o tacto (ou falta dele) servia de metáfora ao amor irredutível e espiritual entre dois seres, no segundo, o sabor preenche a existência de alguém condenado a viver sem toque humano.
O filme está, além do mais, carregado de elementos burtonianos, desde a fábrica de chocolate (mais um local simbólico onde os seus protagonistas se refugiam da normalização social), até aos arrepiantes Oompa Loompas e respectivas coreografias, passando por uma fotografia kitsch que capta todas as imagens dentro da fábrica (isto é: dentro do imaginário de Willy Wonka). Não estou seguro que o esquematismo do argumento, com maior ou menor previsibilidade, acabe por resultar, mas creio que todas as questões melodramáticas que foram levantadas, acabam por ser limitadas pelos excessos kitsch e pela linearidade dos destinos que se definem para cada personagem. Apesar de superficial, «Charlie and the Chocolate Factory» é uma belíssima fábula sobre a aceitação de um espaço humano (a família) - normal na sua presença mas especial na sua essência - sem abrirmos mão das diferenças que nos tornam especiais.
Tiago Pimentel
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