<$BlogRSDUrl$>

Um site para pensar sobre tudo e chegarmos sempre a um singular pensamento final: sabermos que nada sabemos.
_____________________________

Tiago Pimentel
Críticas dos leitores para: tiago_pimentel@hotmail.com

sexta-feira, outubro 14, 2005



Alice

Class.:


O peso mudo das imagens

Existe em «Alice», algures na penumbra azulada das suas imagens, uma indiferença generalizada pelos corpos que as habitam e pela dor que neles se sugere. Em boa verdade, tudo em «Alice» é sugerido, mas nunca habitado: desde o «filmar» da ausência até à manifestação plural da dor por ela provocada. A ausência de quem? Da filha, Alice, desaparecida há vários meses. A dor de quem? Dos pais: Nuno Lopes e Beatriz Batarda, o crente e a descrente. O pai, Nuno Lopes numa irreconhecível barba, nunca deixa de acreditar na possibilidade de reencontrar a filha, utilizando mecanismos próprios e recorrendo a um sistema de vigilância privado. A mãe, Beatriz Batarda, é a figura destruída, aquela que já não acredita e, por isso, se deixou vencer pelas lágrimas. O lugar-comum diria que «Alice» é um filme de actores, mas, arriscando uma frontalidade nada popular, dir-se-ia, antes do mais, que é um tremendo equívoco narrativo. Um argumento circular, balofo e repetitivo, esgota todas as suas ideias nos primeiros 20/30 minutos e utiliza-as para preencher o resto da sua duração, como um esforço frustrante de barrar um pedaço insignificante de manteiga numa enorme fatia de pão.

Existe uma ditadura de imagem onde os personagens parecem desaparecer, convertendo-se em peças decorativas e indivisíveis do azul obsessivo que as dirige – e eles, pobres actores, nada mais são que andróides subjugados a essa força ditatorial, marionetas numa encenação programática e artificial. Um agradável oásis: redescobrir Beatriz Batarda, um corpo exterior a qualquer ditadura. Nuno Lopes, uma figura eficaz da mimificação silenciosa da dor, mas inverosímil na sua limitada expressividade vocal. Uma cena que desmancha todo o calculismo programático do filme: a personagem de Nuno Lopes avista uma criança que lhe parece a filha, percorrendo vários quilómetros atrás dela, sem nunca ser capaz de a chamar a si, nem mesmo quando está ao alcance de uma mão. Um filme de uma tremenda crueldade para as suas personagens. Não pelo drama que lhes impõe, mas pela presença que lhes nega.

Tiago Pimentel

0 Comments:

Enviar um comentário

<< Home

This page is powered by Blogger. Isn't yours?