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Tiago Pimentel
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domingo, janeiro 08, 2006



Jarhead, de Sam Mendes

Classificação:


Como lidar com um filme que recupera os ecos da Guerra do Golfo, joga com as mentalidades políticas contemporâneas e não esboça uma única crítica à legitimidade ou glorificação bélica da guerra? A imprensa americana não conseguiu, de facto, lidar com este objecto, imprimindo-lhe o estigma de «filme sem ponto de vista». Jarhead habita precisamente nos antípodas temáticos de Três Reis, a sátira bélica à Guerra do Golfo de David O. Russell, mas Sam Mendes tem uma perspectiva definida e concreta do conflito. Não é uma perspectiva política, no sentido mais verboso do termo; é, antes do mais, um filme que não perde de perspectiva o soldado... isto é: o corpo que suporta a solidão insustentável daquele que tem a legitimidade de matar. Mais do que a legitimidade, Jarhead mostra que a letargia de uma guerra decidida no ar, e o sol tórrido de um deserto desenterrado de cadáveres, desesperam o soldado americano e a morte passa a ser uma necessidade, um percurso paradoxal para manter a sanidade. Em boa verdade, mais até do que a morte: o acto de matar!

Importa, também, relembrar que o comando deste filme pertence a um senhor que vem do teatro. Sam Mendes, transferido do teatro para o cinema, mais concretamente para os Oscars (ganhou o Oscar pelo seu primeiro filme Beleza Americana), traz consigo o minimalismo e a atenção ao detalhe da representação. Por outras palavras: é um realizador atento às nuances humanas dos seus actores. E Jarhead, num tempo em que o cinema procura novas formas narrativas e visuais (desde o preto e branco de Sin City, até à sobre-estilização dos dois Kill Bill) promove, de facto, o regresso do actor como corpo central de todas as reinvenções. É deles (de Jake Gyllenhaal, de Jamie Foxx e do magnífico Peter Saarsgard) que parte, no limite, a razão de existência da história.

Muito mais do que a política de guerra e que a consciência crítica, interessa para Jarhead a decomposição dos personagens e a errância trágica que neles se instala. Mendes pretende que os rostos dos actores sejam espelhos empoeirados dos corpos que matam e morrem nos desertos do Iraque. É sobretudo neles que encontramos a maior violência de Jarhead; desengane-se quem procura uma carnificina gore de balas a picotarem corpos e granadas a espalharem pernas e cabeças pela areia. Nesse sentido, Jarhead é um filho directo de Apocalypse Now, embora formalmente esteja mais próximo das duas partes bem definidas (o treino dos marines e a consequente incursão na guerra – do Vietname num, e no Iraque noutro) de Full Metal Jacket, de Stanley Kubrick (os primeiros minutos do filme não são acidentais e compõem uma bonita homenagem ao filme de Kubrick).

Sem a mesma matéria dramática e perturbante dos outros dois títulos citados, Jarhead será também criticado por nada de novo acrescentar ao filme de guerra contemporâneo. Mas, goste-se ou não, não há mais filme nenhum a reconstituir a Guerra do Golfo de forma tão comovente e despida de sátiras ou consciências críticas. No final, restam apenas o soldado, os lugares e a destruição lenta que ambos impõe... um ao outro.

Tiago Pimentel

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