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Tiago Pimentel
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domingo, abril 23, 2006



«Lilith», de Robert Rossen

Classificação:

If I died tonight, would it have been enough? Then I'll live forever.


Não podia deixar de escrever sobre este filme, até porque vi recentemente a edição de dvd do clássico esquecido de Robert Rossen. Em boa verdade, Rossen é um cineasta cuja importância histórica parece, teimosa e incompreensivelmente, passar ao lado da memória cinéfila geral, concretamente a norteamericana. Não é dificil de perceber (mais dificil é de aceitar) que assim seja, tanto mais que a sua filmografia, lembremo-nos, maioritariamente celebrada pelos anos 50 (o apogeu, mas também a transição, do cinema clássico), já pouco guardava da sua herança americana. Em bom rigor, não podemos ser tão simplistas, até porque dizer isto significa, obviamente, validar o inverso. Isto é: pouco tinha do americano clássico, mas nela se começavam a observar as paisagens de um cinema americano ainda por celebrar. Sobre os seus filmes pesava já a tragédia da imagem bergmaniana, o onirismo quase surreal da câmara de Buñuel e a nova realidade formal da Nouvelle Vague, influências que, em boa verdade, eram menos uma herança ou um legado, e muito mais um novo património que Rossen ajudara a construir. E é bom não esquecer que, tanto a Nouvelle Vague como o cinema americano pós-50’s construiram movimentos suficientemente independentes para desenharem os seus próprios destinos, bem como um vasto leque de interrelações cinematográficas que, no limite, possibilitaram que se construissem mutuamente. Pouca gente nos EUA deu a devida importância a filmes como «Lilith» («All The King’s Men» foi o único a conquistar plenamente a cinefilia americana, vencendo o Oscar máximo, deixando, ainda assim, Rossen sem ganhar nada) e o reconhecimento, acabaria por vir, inequivocamente, da cinefilia europeia, nomeadamente das edições dos Cahiers.

«Lilith» aparece-nos três anos antes de «Bonnie and Clyde», curiosamente protagonizado também por Warren Beatty, e iniciava um período de oito anos onde, de facto, o cinema americano deixou de funcionar por modelos de produção e, para o melhor e para o pior, passou a obedecer apenas à imaginação dos seus criadores. «Lilith» teve esse estranho poder premonitório, não só sobre as coordenadas que viriam a colocar o cinema num complicado paradoxo artístico (algures entre a verdade do autor e do negócio), mas também no fim trágico da vida de Jean Seberg. Revendo na memória algumas imagens de «Lilith» quase apetece dizer, de forma absolutamente trágica e desconcertante, que Jean Seberg terá deixado um pouco da sua morte naquele filme. «Lilith» foi também o último filme de Rossen que acabaria por falecer dois anos depois. Sendo um filme sobre a perdição do amor, é também uma viagem perturbante aos limites da nossa sanidade. A personagem de Warren Beatty acaba por se aperceber de uma das maiores crueldades do universo. A saber: Amar nos limites do amor, implica descobrirmos também os limites negros do nosso corpo. Por outras palavras, a relação amorosa que Vincent, um funcionário de um asilo de doentes mentais, estabelece com Lilith, uma das doentes, acaba por destruir todas as memórias românticas de um cinema americano clássico (quase podíamos ver este «Lilith» como o negativo do sublime «Esplendor na Relva», de Elia Kazan) e reconhecer, como raras vezes o cinema o fez, que o amor pode ser a mais trágica doença de todas. No limite, tudo no filme acaba contaminado por essa doença, inclusivamente a câmara de Rossen que se vai deixando controlar pela morte das imagens, obrigando-nos a ver a inquietação do seu olhar.

«Lilith» permanece como um dos mais espantosos e perturbantes clássicos esquecidos do cinema americano. Um monumento de cinema e de reflexão, a ver e rever, sem medo de deixarmos nele, um pouco da inabalável segurança que acreditamos ter sobre o nosso corpo e os nossos destinos.

Tiago Pimentel

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