Acabei de chegar do cinema Saldanha Residence onde fui ver o «Hollywoodland», um filme de Allen Coulter, mais uma das importações televisivas que Hollywood pontualmente vai recebendo. Mas o que mais me surpreendeu foi, à saída do edifício, ver carros a passarem com as buzinas e soarem bem alto e bandeiras hasteadas. Que competição desportiva importante me escapou hoje?, pensei. Na bandeira podia ler-se um SIM pintado de verde... e rapidamente regressei ao mundo real e me apercebi do que estava em jogo. Claro que este comportamento deriva da própria formatação do que esteve em debate nas últimas semanas. Desde o início que qualquer possibilidade de debate sobre o aborto se tornou inexequível.
Porquê? Porque não é possível debater com seriedade quando nos colocam uma pergunta com especificações previamente formatadas e pretendem dividir a população entre os que dizem SIM e os que preferem NÃO. Como se toda a complexidade deste assunto se pudesse reduzir a um jogo de binómios. Mais ainda, como se a própria individualidade da nossa opinião pudesse partilhar o mesmo espaço de tantas outras. Tudo neste debate apontava para um confronto clubista (pela primeira vez, provavelmente, o espaço do programa Prós e Contras recebeu um tema que se adequava na perfeição ao seu formato), daí que o meu choque inicial rapidamente deu lugar a uma reflexão das minhas certezas e incertezas sobre todo este episódio do referendo sobre a despenalização do aborto (um assunto ao qual talvez regressarei aqui um dia). E confesso que ingenuidade nunca foi o meu forte quando toca a política. Sei perfeitamente que o formato eleitoral sustenta (mais do que isso, favorece) uma postura clubista sobre as nossas convicções (não serão os partidos uma outra forma de clubes também?). Mas numa discussão que coloca em cena um tema tão complexo e delicado, não aceito que as pessoas possam hastear bandeiras na rua como se tivessem ganho uma competição. O que nos espera? Lançar fogo de artifício se um hipotético "SIM" fosse replicado sobre a eutanásia?
Em todo o caso, e regressando ao início, «Hollywoodland» parece-me uma variação interessante mas, em última instância, menor sobre o policial noir dos anos 40. Em todo caso, é de louvar que não se tenham preenchido as imagens de estilizações que esgotam a sua criatividade numa tentativa banal de recriar um pastiche. A queda da personagem de Adrien Brody e a gestão (por vezes demasiado linear e pouco densa, é verdade) da carreira artística colocada sob o dilema do actor ser ultrapassado pela sua própria personagem, são aproximações temáticas que se bastam para invalidar qualquer possibilidade de um mero pastiche.