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Um site para pensar sobre tudo e chegarmos sempre a um singular pensamento final: sabermos que nada sabemos.
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Tiago Pimentel
Críticas dos leitores para: tiago_pimentel@hotmail.com

terça-feira, junho 13, 2006



Classificação:


Há filmes que falham logo na abordagem. É o caso deste fraquíssimo «Ela é... Ele» - falha na abordagem e, em boa verdade, em tudo o resto. Sem querer generalizar ou favorecer estereótipos desnecessários, creio que a cultura americana desportiva continua muito longe da europeia, concretamente no que diz respeito a futebol (desporto Rei na Europa e um mero acessório nos EUA). O resultado prático disso mesmo é a aproximação que «Ela é... Ele» acaba por fazer do futebol (denominado soccer pelos americanos, uma vez que o football é semelhante ao nosso râguebi) ao futebol americano, com todas as incongruências e situações absurdas que daí resultam (desde a violência despropositada, passando pelos jogadores selvagens e jogadas de surrealismo olímpico). Claro que o lugar comum dirá que é propositado; que é suposto ser exagerado para fazer rir. Curioso, direi eu, que tanto exagero acabe por revisitar os mesmos lugares comuns que existem nas piores comédias americanas. Enfim, para nós, acaba por ter um efeito involuntariamente cómico, sobretudo, ao acompanharmos os dilemas dramáticos das personagens a serem desenhados e solucionados por tão exageradas e burlescas peripécias desportivas.

Em todo caso, creio também que a abordagem ao desporto em si é apenas um dos problemas deste filme. Tudo, desde a banalidade do argumento, à incompetência dos actores, ao novelismo primitivo e brejeiro retratado nos relacionamentos entre adolescentes, sem esquecer a reunião de todos os clichés reconhecidos ao género, fazem deste filme uma mediocridade cinematográfica que, tipicamente, pouca vontade dá para analisarmos e escrevermos. Mais do que isso, para perdermos tempo a pensar sobre ela. Mas vale a pena contrariarmos, por vezes, a nossa própria vontade (que, naturalmente, será maior para escrevermos sobre filmes que gostamos ou que são, de alguma forma, relevantes) e pensarmos também sobre os que nos são mais indiferentes. Até porque essa indiferença ocupa espaço na nossa sensibilidade e, em última instância, nas nossas salas de cinema.

Continua a preocupar-me que se façam filmes assim. Assim como? Filmes que reduzam a comédia a um género mais ou menos ligeiro e inconsequente, desculpando todas as suas incompetências e atrocidades à luz das suas fracas ou inexistentes ambições. Filmes como «Ela é... Ele» entorpecem o pensamento e reduzem drasticamente o impacto que outras comédias mais elaboradas poderiam atingir junto do grande público. Desculpem-me se firo a sensibilidade de quem, no seu direito, gostou do filme. Não é esse, logicamente, o objectivo do meu texto.

Tiago Pimentel

quinta-feira, junho 01, 2006



Lançamento em sala de Final Cut de «Blade Runner»

Finalmente! É o que apetece dizer, após ler as notícias (benditas!) sobre o lançamento oficial para 2007 de uma versão final de «Blade Runner», montada por Ridley Scott e que representará a visão definitiva do cineasta relativamente à sua obra prima de culto. O filme será lançado em sala em 2007 para comemorar o seu 25º aniversário e, posteriormente, será editado em dvd com direito a todas as versões disponíveis do filme. A sabedoria popular costuma pregar que quem espera sempre alcança e, de facto, vários anos passados sobre o lançamento da edição miserável e vergonhosa do dvd do filme (sem extras, com som stereo e disponível única e esclusivamente na versão Director’s cut), a obra prima de Ridley Scott terá, finalmente, o tratamento merecido.

O cinema faz-se, de facto, de imagens. Parece uma redundância ou um simplismo, mas de facto não é. O universo de «Blade Runner» começa por ser construído, precisamente, na sua imagem; na introdução aérea e catastrófica sobre uma cidade de Los Angeles apodrecida num futuro cada vez menos distante (2019). Mas estabelecer uma data de enquadramento neste filme é, no limite, irrelevante; a sua existência é quase sempre sonambular e as suas imagens parecem sonhadas, fazendo da sua ficção um sonho existencialista que poderia habitar o imaginário de qualquer geração. E, ao contrário de outras obras menores de sci-fi existencialista, «Blade Runner» não tem qualquer verbosidade filosófica; as suas reflexões situam-se (claro!) nas imagens. Não no que se diz, mas no que se mostra. Não no que as personagens dissertam, mas no que fazem.

Importa então pensarmos com as imagens! Pensarmos no que vemos! Em boa verdade, se fizéssemos uma lista de filmes impossíveis de reduzir a uma sinopse, «Blade Runner» estaria, seguramente, nos lugares cimeiros. A sua riquíssima e inesgotável fonte de arte e vida não se reduz a meia-dúzia de linhas que enquadram a sua história. A personagem de Harrison Ford – o destemido Deckard – é um detective encarregue de caçar os Replicants que se revoltaram e se encontram agora na Terra em busca do seu criador; mas, Deckard é também a metáfora da solidão humana, ensinado a adormecer as suas emoções para melhor se aproximar e caçar os Replicants, e paradigma intemporal do homem que deixou de saber lidar com o amor. O romance de Deckard com Rachel é, seguramente, um dos maiores paradoxos românticos da história do cinema: não só pelos papéis que ambos terão de desempenhar, mas também na emulação de uma verdade romântica que se crê perdida naquele universo escuro e apodrecido. No outro lado da equação existencial de «Blade Runner», estão os Replicants, seres clonados e fabricados por grandes empresas com o objectivo de trabalharem nas novas colónias fora do planeta Terra. Um pequeno grupo revolta-se e dirige-se para a Terra, procurando respostas para as mesmas perguntas que nós colocamos ao nosso pensamento. E através da sua criação, o Homem pode observar a sua própria caminhada nos passos da tecnologia que criou.

«Blade Runner» lembra-nos essa velha e absolutamente fundamental questão: se, por um lado, o Homem caminha sempre no sentido de desenvolver novas formas de tecnologia, por outro, nunca pode deixar de as questionar. E o filme de Ridley Scott é isso mesmo: o questionamento... das máquinas, da tecnologia... de nós. O questionamento do cinema e das imagens como formas de pensar (e como formas de pensamento). O questionamento do Homem e os limites da sua Humanidade. O questionamento do próprio espectador e da sua disponibilidade para olhar e pensar. É um dos maiores desafios da História do cinema, mas é também uma das obras máximas de sempre. A ver e rever, numa sala de estar, numa sala de aula, o lugar e o tempo não interessam...




Um olhar aéreo sobre o sonho (pesadelo?) em que a Los Angeles de Blade Runner se tornou, por oposição ao olhar pelas memórias sonhadas de Roy Batty.



A Tyrell Corporation, fotografada por Jordan Cronenweth



Mais um plano onírico da estrutura industrial de L.A.



O olhar triste e quase humano de Rachel



O romance e o ofício

Tiago Pimentel

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