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Tiago Pimentel
Críticas dos leitores para: tiago_pimentel@hotmail.com

terça-feira, março 20, 2007



Um filme tão luminescente como a própria vida. Nas lágrimas de Hugh Jackman reencontro o meu próprio desespero da morte. Não a minha, mas a do meu próximo; alguém que, por egoísmo meu, tento manter preso a mim mesmo, ainda que ela própria já não o deseje. No olhar dela (rainha ou escritora, confesso que ainda não me decidi) sente-se a consciência da morte e uma serenidade que delicadamente a contradiz e a transforma numa espécie de anacronismo afectivo (perdida algures nas suas duas personagens divididas pelo tempo e reunidas numa mesma tragédia). Nela misturam-se diferentes olhares: a tristeza do real, a possibilidade de fantástico, o misticismo de diferentes transcendências, mas, antes do mais, sente-se nela o olhar de uma criança que redescobriu que, afinal de contas, a morte não é o fim. Não por (como uma criança) não saber que existe morte, mas por reaprender a viver com ela.

«The Fountain», de Darren Aronofsky encerra a primeira trilogia de filmes do cineasta e, apesar de tematicamente distantes, há sempre uma iminência carnal que partilham: o braço roxo e apodrecido de Jared Leto em «Requiem for a Dream», por exemplo, pode ser reencontrado no dedo anelar de Hugh Jackman que ele próprio, obsessivamente, feriu para marcar no corpo uma memória que quer manter sempre consigo, até ao fim dos tempos. A câmara de Aronofsky mantém-se atenta à rotina das coreografias banais do corpo humano, deliciada pela possibilidade de os filmar como se nada mais no mundo existisse além da mímica do nosso próprio corpo. E, curiosamente, para um cineasta tão obcecado por pequenas referências visuais, «The Fountain» é um filme que, à falta de melhor palavra, é incrivelmente espiritual. Não só por convocar essa temática, mas também por filmar os seus actores com uma proximidade que coloca em causa a sua própria intimidade, as suas próprias ideias e crenças.

Nunca será demais relembrar a qualidade da prestação dos actores, sobretudo de Hugh Jackman cuja entrega mental e afectiva comove para lá dos dilemas da própria personagem. «The Fountain» é um acontecimento nuclear da segunda metade desta década e absolutamente obrigatório.

domingo, março 04, 2007



Uma noite memorável por diversas razões, mas, antes do mais, pela reinvenção do conceito de espectáculo da cerimónia, mais equilibrada e distribuida na sua duração (e afinal não era preciso cortar nas montagens como em anos anteriores, quem diria...). Claro que Ellen DeGeneres não integra o one man show incomparável de Billy Crystal ou a acidez intrépida de Steve Martin (a meu ver, os dois melhores anfitriões dos Oscars), mas algo nasceu com ela neste novo formato da cerimónia – uma espécie de intimidade (enfim, tanto quanto o formato televisivo nos permite) com o público, sustentando sempre pequenas interacções e números de humor, reconstruindo o conceito de palco, expandido-o além das suas fronteiras físicas e relembrando, no fim de contas, que o cinema não vive apenas dos inesquecíveis clássicos bem presentes nas magníficas montagens, mas também nas pessoas que se sentam na plateia: os actores, os cineastas, os directores de fotografia, montagem, também eles mitos do passado, incontornáveis do presente e promessas do futuro.

Um primeiro grande momento com a interpretação musical do trio Will Ferrell, Jack Black e John C. Reilly sobre a tragédia do humorista que nunca é levado a sério nos Oscars (provavelmente o melhor momento de entretenimento e espectáculo da cerimónia). Uma música instintivamente hilariante, ao mesmo tempo que satiriza a forma como a Academia por vezes favorece filmes menores em função das suas temáticas. Inesquecível também os diversos momentos de montagem (felizmente regressaram este ano), desde o vídeo do cinema europeu, passando pela homenagem a Ennio Morricone (esquecendo o lamentável momento Celine Dion), sem esquecer o imprescindível momento de homenagem às figuras do cinema que faleceram em 2006 – sempre um dos momentos mais dilacerantes das cerimónias de Oscars. E os pequenos detalhes de intimidade que se geraram, como a forma carinhosa e atenciosa como Clint Eastwood olhava para Morricone enquanto o ouvia falar para depois traduzir ao mundo as suas palavras. E a intensidade na voz de Forest Whitaker a agradecer o Oscar de Melhor Actor.

E, claro, o grande momento da noite: o nome de Martin Scorsese finalmente foi lido num envelope dos Oscars. E não podiam ter escolhido melhores vozes para lerem o seu nome do que os seus colegas geracionais “movie brats”: Spielberg, Lucas e Coppola. O discurso de agradecimento foi mais lacónico do que se esperava, mas manteve uma comovente humildade que começou logo pela forma peremptória como Scorsese decidiu lidar com a ovação de pé que recebeu no auditório. Contas feitas, ficou mais uma cerimónia bem distribuida, sem nenhum filme a arrecadar os Oscars todos, com um grau de imprevisibilidade bastante aceitável e uma gestão de prémios e de tempos que ajudou em tudo a melhorar a dinâmica do espectáculo. A palavra que melhor me ocorre é elegância; apercebi-me que este ano a cerimónia voltou a ser elegante. E não foi preciso cortar nas montagens ou entregar prémios na plateia.

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