<$BlogRSDUrl$>

Um site para pensar sobre tudo e chegarmos sempre a um singular pensamento final: sabermos que nada sabemos.
_____________________________

Tiago Pimentel
Críticas dos leitores para: tiago_pimentel@hotmail.com

sábado, fevereiro 26, 2005



OSCARS 2005

Tornou-se quase um ritual repetirmos os mesmos discursos, todos os anos, a propósito dos Oscars, acusando a Academia de usar a cerimónia como mecanismo previsível de promoção da sua própria indústria ou, de uma outra perspectiva, de defendermos a cerimónia dos Oscars pela celebração genuína que representa para o cinema e a sua História. Eu incluo-me no segundo grupo, mas, este ano, resisti ao impulso de repetir as mesmas palavras e o mesmo discurso. Quem me conhece, sabe que eu não vejo o cinema de um ponto de vista clubista, logo nunca procurei que os Oscars servissem para confirmar os meus gostos (onde, nesse caso, seriam oportunos, caso contrário seria tudo um disparate comercial e industrial). Gosto de acreditar que os prémios possam ter uma perspectiva política, mas também de reconhecimento e celebração dos artistas e da 7ª arte.

Posto isto, creio que há muitos anos que não se vivia uma cerimónia tão incerta, sobretudo nas categorias principais. Se, por um lado, O Aviador recolheu o maior número de nomeações, não é de ignorar o fenómeno genuinamente popular que Million Dollar Baby tem conseguido. Um filme sem grande promoção, acabado e estreado à pressa para ainda competir nos Oscars deste ano e que não parece deixar ninguém indiferente.

Quanto à cerimónia em si, tenho algumas resistências em relação ao apresentador e algumas alterações inseridas. Parece-me que a Academia quer recuperar algum do mercado mais jovem que tem perdido, ao longo dos anos, e Chris Rock acabou por ser nomeado “host” deste ano. Um actor da geração MTV dirão alguns, mas a questão não pode ser colocada dessa forma. O grande equívoco é pensar que o público já ganho está garantido e, como consequência, é preciso apenas agradar aos jovens. Não sei se Chris Rock foi a melhor escolha; pessoalmente, sempre me pareceu que se apresenta num registo histérico e sem piada nenhuma, esgotando até à última gota todas as anedotas de racismo que se possam imaginar. Pode ser que me engane, mas algumas das suas declarações recentes só auguram o pior. Por outro lado, a tentativa da Academia em encurtar, cada vez mais, a cerimónia teve agora a triste consequência de se decidir que alguns prémios mais técnicos serão entregues... no próprio lugar onde os vencedores estarão sentados. De qualquer forma, na tradicional lista de apostas, aqui fica a minha com as devidas justificações.

Melhor Filme

Apesar das 11 nomeações de O Aviador, esta categoria parece-me cada vez mais incerta. A nomeação de Clint para Melhor Actor parece-me sintomática da onda de fascínio que tem envolvido Million Dollar Baby. Por outro lado, o negrume e o contexto minimalista do filme de Clint Eastwood não costuma servir os padrões normais da Academia, ao contrário do épico gigantesco de Martin Scorsese que, ainda por cima, celebra a época de ouro de Hollywood. A acrescentar a isto, O Aviador ganhou o Globo de Ouro e o PGA (Producer’s Guild of America), reunindo todas as condições para ser o filme premiado na noite de dia 27.

Vai Ganhar: O Aviador
Devia Ganhar: O Aviador

Melhor Realizador

Um Globo de Ouro e um prémio da DGA (Directors Guild of America) e um buzz imparável (diz quem sente, directamente, em Hollywood) parecem dar a Clint Eastwood a vantagem destacada para este Oscar. Só um esforço de consciencialização, por parte dos membros da Academia, poderia dar finalmente, o Oscar merecido a Scorsese. Sem ignorar o trabalho sublime de Clint Eastwood (um clássico, no sentido mais genuíno da palavra), parece-me altura de premiar, finalmente, o mestre Martin Scorsese, um realizador geracional, um dos expoentes máximos da História do cinema com um filme que é, para todos os efeitos, um testemunho para a posteridade. Para todos os efeitos, começa a instalar-se uma imagem, um perturbante equívoco, à volta de Scorsese: como se o realizador, o eterno enfant-terrible rebelde a funcionar à margem de Hollywood, estivesse agora a aceitar um trabalho de encomenda. Morto por ter cão e morto por não ter. Dar o segundo Oscar a Clint, com Martin Scorsese sem nenhum, é grave. É nestas alturas que gosto de acreditar que os Oscars podem ser políticos, sem ironizarmos o conceito.

Vai ganhar: Clint Eastwood
Devia ganhar: Martin Scorsese

Melhor Actor

Provavelmente, o Oscar mais previsível da noite. Se a vaca não tossir, Jamie Foxx vai mesmo levar o Oscar para casa, deixando o desempenho histórico e monumental de Leonardo DiCaprio a ver navios. Mas Foxx ganhou o Globo, ganhou o SAG, até mesmo fora dos EUA ganha indescriminadamente (o BAFTA é sintomático do fenómeno geral que se instalou à sua volta).

Vai ganhar: Jamie Foxx
Devia ganhar: Leonardo DiCaprio

Melhor Actriz

Hillary Swank parece estar sem concorrência à altura. Os indicadores dão-lhe vantagem. Ganhar o Globo, o SAG e ser parte integrante do fenómeno Million Dollar Baby, confere-lhe o estatuto de favorita e deverá roubar, pela segunda vez, o Oscar a Annette Bening.

Vai ganhar: Hillary Swank
Devia ganhar: Hillary Swank

Melhor Actor Secundário

Creio que o fenómeno Clive Owen que se instalou com Closer, não será suficiente para superar Morgan Freeman que se demarca como a verdadeira definição do actor secundário, a sombra e consciência de Eastwood. Além do mais, já estava na altura de Freeman, um dos actores máximos do cinema, receber um Oscar.

Vai ganhar: Morgan Freeman
Devia ganhar: Morgan Freeman

Melhor Actriz Secundária

Começou por se falar muito em Natalie Portman. A actriz ganhou mesmo o Globo de Ouro e era dada como a grande favorita. Mas o tempo e a evolução de outros indicadores importantes como os SAG, começam a destacar Cate Blanchett na linha da frente. Em boa verdade, creio que a comparação entre ambas é um pouco injusta, por uma simples razão. A saber: a definição de secundário. E isto parece-me algo alienado, tanto mais quanto Natalie Portman se define, em Closer, como uma co-protagonista que partilha o papel principal com mais 3 actores (Jude Law, Julia Roberts e Clive Owen). Cate Blanchett, em O Aviador, é a definição pura de actriz secundária, lacónica no protagonismo, mas acutilante na sua presença. Como se fosse, ela própria, uma vida, um protagonismo num outro filme qualquer, e O Aviador captasse apenas um lado da sua existência: a sua relação com o multimilionário Howard Hughes.

Vai ganhar: Cate Blanchett
Devia ganhar: Cate Blanchett

Melhor Argumento Original

Poderá ser a oportunidade de Charlie Kaufman subir ao palco e receber um merecido Oscar, não só pelo imaginativo e comovente argumento de Eternal Sunshine of the Spotless Mind, mas também por ser um dos mais criativos argumentistas a trabalhar na indústria cinematográfica. De qualquer forma, a narrativa densa, complexa, subtil e gigante de John Logan em O Aviador parece-me existir sem equivalente.

Vai ganhar: Charlie Kaufman (Eternal Sunshine of the Spotless Mind)
Devia ganhar: John Logan (O Aviador)

Melhor Argumento Adaptado

Deverá ser o momento de Sideways brilhar. A aclamação crítica fortíssima que envolveu o filme deverá impor que o filme arrecade, pelo menos, este Oscar. Seja como for, o trabalho narrativo imposto em Million Dollar Baby parece-me uma lição de ritmo, progressão e divisão dos actos que implica um compromisso, desde muito cedo, com o espectador. E a ideia de usar uma voz off é a expressão disso mesmo.

Vai ganhar: Alexander Payne, Jim Taylor
(Sideways)
Devia ganhar: Paul Haggis (Million Dollar Baby)

Melhor Animação

Julgo que a Pixar vai marcar, novamente, presença de luxo nesta categoria. Num ano marcado também pela escassez de grandes filmes de animação, The Incredibles assume-se como o grande favorito. Shrek 2 não deverá fazer sombra, até porque o seu ascendente directo já teve direito à estatueta.

Vai ganhar: The Incredibles

Devia ganhar: The Incredibles

Melhor Filme Estrangeiro

Não me parece que haja espaço para muitas dúvidas nesta categoria. Mar Adentro, o filme espanhol que se instalou na difícil polémica da eutanásia, deverá arrecadar o Oscar sem grandes dificuldades.

Vai ganhar: Mar Adentro

Melhor direcção artística

Um dos Oscars técnicos que poderá fazer peso para O Aviador começar a coleccionar estatuetas e, assim, reforçar progressivamente as suas hipóteses no Oscar máximo. E, diga-se, esta é uma categoria em que o filme de Scorsese mais se destaca, não só pelo complexo trabalho de recriação de toda uma época de glamour (ainda bem presente na memória de muitos membros da Academia), como também no rigor perfeccionista que o olho cinematográfico de Scorsese exige em todos os detalhes de um cenário.

Vai ganhar: O Aviador
Devia ganhar: O Aviador

Melhores Efeitos Especiais

As categorias técnicas podem ser muito ingratas. Até porque são automaticamente consideradas como menores e, como tal, não existe grande sensibilidade para o labor específico que envolve o “craft” de um filme. No caso específico dos efeitos visuais, creio que vai ganhar O Homem Aranha 2, não tanto porque quem vota acha que merece, mas mais por ter sido um fenómeno popular e de crítica. Geralmente estas categorias servem para o filme vencedor da noite coleccionar Oscars e ganhar peso. Como O Aviador não está nomeado, creio que o fenómeno Homem Aranha 2 irá prevalecer.


Vai ganhar: Homem Aranha 2

Devia Ganhar: Eu, Robô

Melhor Guarda-Roupa

Mais um Oscar para fazer peso a O Aviador. E totalmente merecido...

Vai ganhar: O Aviador
Devia ganhar: O Aviador

Melhor montagem

Thelma Schoonmaker disse, uma vez: “tenho consciência que ganhei o Oscar pelo Touro Enraivecido porque, nesse filme, a montagem via-se mais.” E isso é sintomático dos equívocos que se geram nesta categoria, tida também como menor. De facto, a montagem é uma das componentes mais decisivas na reprodução do efeito de tempo, movimento, acção. É a magia de ligar duas imagens e, nem sempre, as pessoas se disponibilizam para essa especificidade. Em todo o caso, creio que a montagem da Thelma em O Aviador é exemplar e uma lição de como ligar duas imagens como expressão de um diálogo dramático, humano e narrativo.

Vai ganhar: O Aviador
Devia ganhar: O Aviador

Melhor fotografia

A fotografia obsessiva do veterano Robert Richardson produz em O Aviador o efeito de realismo que o filme precisava para se recriar e reinstalar numa época específica do cinema; ao mesmo tempo que se demarca do mais banal registo de telefilme, recriando-se como elemento dramático determinante na composição de uma imagem. É uma fotografia realista, porque atenta ao pormenor, ao grão, à matéria. É possível sentir o fumo de uma explosão, como matéria densa, palpável. Um trabalho notável.

Vai ganhar: O Aviador
Devia ganhar: O Aviador

Melhor Som

A produção superlativa de O Aviador parece-me capaz de coleccionar mais este Oscar. Seria importante para fazer número e consolidar a posição do filme.

Vai ganhar: O Aviador
Devia ganhar: O Aviador

Melhor montagem de efeitos sonoros

Vai ganhar: Homem Aranha 2
Devia ganhar: Homem Aranha 2

Melhor banda sonora

Duas das melhores bandas sonoras não estão nomeadas: a de O Aviador por ter demasiadas músicas não-originais, e a de Million Dollar Baby devido a um atraso burocrático na entrega dos papéis. De qualquer forma, estão boas bandas sonoras nomeadas. Creio que será o prémio de consolação para Finding Neverland, um dos primeiros favoritos a surgir há já uns largos meses, mas cuja aura se foi desvanecendo com os meses.

Vai ganhar: Finding Neverland
Devia ganhar: A Vila

Melhor caracterização

Uma categoria que poderá valer o único Oscar ao filme de Mel Gibson, A Paixão de Cristo. E parece-me que o tratamento corporal e carnal que foi dado ao Cristo de Caviezel é merecedor dessa distinção.

Vai ganhar: A Paixão de Cristo
Devia ganhar: A Paixão de Cristo

Melhor canção

Com a ausência da canção de Alfie, tudo fica mais incerto. Qualquer uma pode vencer. Creio que o voto político em Motorcycle Diaries poderá ser decisivo.

Vai ganhar: Motorcycle Diaries


Tiago Pimentel

sexta-feira, fevereiro 18, 2005

É preciso relembrar essa actriz absolutamente decisiva da sua geração. Uma pérola chamada Natalie Portman. Estão aí dois filmes muito recomendáveis para redescobrirmos a actriz: Closer e Garden State. Particular atenção ao primeiro, não só por ser melhor que o segundo, mas por ter valido a Natalie a sua nomeação merecida para o Oscar de Actriz Secundária. A propósito de Closer, desculpem-me os fãs de Clive Owen, mas só eu é que sustento a opinião que ele é, de facto, o elo mais fraco daquela teia de relações cruzadas? Mesmo esquecendo o passado que o define como canastrão, Clive Owen em Closer parece-me apenas competente e, sobretudo, filmado com inteligência com a câmara a cortar nos pontos certos. As fragilidades são tanto mais óbvias à medida que se evidenciam as dificuldades de sustentar o contracampo com uma actriz como Julia Roberts. Em todo o caso, Closer é muito bom e já faltava um filme de relações adulto e sóbrio, sem ceder aos esquemas narrativos e temáticos que esgotam as mais banais comédias românticas. E Garden State pertence também a essa galeria, filho directo de Lost In Translation. É bom sentir a inevitabilidade do casual. Porque a realidade é, também, definida pelo imprevisto e pelo desejo de viver o momento como se fosse uma vida inteira.

Tiago Pimentel

quarta-feira, fevereiro 02, 2005



«Million Dollar Baby», de Clint Eastwood

Class.:


Um pequeno milagre de cinema. Há muito tempo que Clint Eastwood se instalou numa visão algo desencantada da vida e do mundo. Um minuto para recordar a sua filmografia e percebemos que não existe nada de gratuito no seu pessimismo; antes, existe uma dorida, mas apaixonante, orgânica de filmar o amor. A saber: perceber que a vida é, no limite, a mais cruel impossibilidade do amor. Enfim, as variações na intensidade dessa obsessão variam consoante o contexto e a obra, mas «Million Dollar Baby» é, de facto, um filme sobre o doce perigo de amar. É um filme de boxe, mas não é um filme sobre boxe (à imagem do que acontecia, por exemplo, no magnífico «A Lenda de Bagger Vance», de Robert Redford, que jamais se reduzia a um objecto técnico sobre golfe).

Em boa verdade, Clint Eastwood percebe que a tragédia e o amor se cruzam e só nos seus limites será possível desconstruir o risco de amar. «Million Dollar Baby» instala-se nessa trágica insegurança: a da vertigem de nos desprotegermos do mundo e nos entregarmos ao amor. E o amor pode ser o maior dos enganos, o mais triste dos lugares, o mais efémero dos oásis. A personagem de Clint Eastwood, um treinador de boxe consagrado, existe nessa perdição, algures entre a esperança da redenção na religião e a fragilidade cruel do amor. É um dos seus filmes mais negros, mas também dos mais apaixonantes.

É uma história de amor, mas no seu contexto mais abstracto e universal. Frankie (Eastwood) aceita treinar, contra as suas convicções, uma rapariga de 31 anos (Maggie) para esta se tornar numa grande pugilista. É um filme que, lentamente, nos desarma o coração e estilhaça qualquer carapaça de cinismo com um fulgor humano irredutível e sempre apaixonante, mesmo na sua tristeza. Sim, é um filme negro, talvez o mais negro da carreira de Eastwood. Nem sempre é fácil aceitarmos um retrato tão negro e pessimista do ser humano, como uma espécie de corpo errante sem lugares para compreender o amor que lhe foi vedado. Tanto mais quanto nos apercebemos que o desejo de viver é resgatado pelo risco de amar... e é esta vertigem que torna o filme apaixonante, independentemente de Clint Eastwood acreditar, ou não, na possibilidade romântica desta fórmula melodramática resultar.

Vale a pena perder um pouco de tempo a relembrar a acutilância dramática de Hillary Swank na sua melhor composição até à data, no corpo de uma pugilista que luta contra o tempo (e contra o sangue); a presença assombrosa de um actor de classe chamado Morgan Freeman a reviver uma ideia com mais de 60 anos (relembrar o Grilo Falante de Pinóquio) de um corpo narrativo que impõe uma releitura da presença decisiva da «consciência» do protagonista; e, por fim, Clint Eastwood num dos seus mais complexos trabalhos de composição, na carne de um velho treinador abandonado num ginásio de fantasmas, à procura de um lugar paterno que o enquadre. Um dos mais doridos filmes dos últimos anos mas, também, um dos mais belos hinos ao amor.

Tiago Pimentel

This page is powered by Blogger. Isn't yours?