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Um site para pensar sobre tudo e chegarmos sempre a um singular pensamento final: sabermos que nada sabemos.
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Tiago Pimentel
Críticas dos leitores para: tiago_pimentel@hotmail.com

terça-feira, setembro 26, 2006



«BLADE RUNNER» - Original Cut


No seguimento de um texto que coloquei há umas semanas sobre esta obra prima, decidi alongar um pouco mais a reflexão e escrever sobre questões e cenas concretas do filme. Também por isso, este texto contém SPOILERS e não deve ser lido por aqueles que ainda não viram o filme.

Pensar e existir


Se não existisse um sentido existencial e trágico nas imagens, «Blade Runner» poderia valer-se apenas da sua estética retrofuturista, sucumbida por uma fotografia soturna que abre espaços ao mistério noir da história e à transcendência artística das suas imagens e do seu imaginário. Vale a pena parar para pensar sobre o peso da palavra imaginário: nela lemos conceitos como imaginação, fictício, utópico. Imaginário poderá ser uma colecção de imagens que sustentam um determinado universo de ficção. E, se alguma vez o cinema atingiu um zénite na gestão criativa das suas imagens, «Blade Runner» foi, seguramente, um desses marcos históricos.

O segredo para «Blade Runner» permanecer intemporal e futurista seja qual for a altura em que o visionemos, tem a ver precisamente com a singularidade do seu património visual, compondo um lugar e um tempo que não parecem pertencer a tempo e a lugar nenhuns. Por um lado, colecciona elementos clássicos da ficção futurista, desde os carros voadores, às grandes estruturas piramidais (algures entre o cinzento-metálico do futuro e a construção egípcia do passado) passando pela evolução da robótica ao ponto de ser possível criar um ser biomecânico, auto-suficiente para trabalhar como escravo nas colónias extraterrestres; mas, por outro lado, o filme mantém uma ligação afectiva e material com símbolos do nosso mundano: os mercados e as praças continuam a lembrar as famosas chinatown, as armas têm um efeito semelhante às tradicionais (evitando criar um imaginário futurista e convencional de armas de raios laser e afins), a própria estilização do filme remonta para os film noirs dos anos 40, património do nosso passado. Algures entre a tecnologia do futuro e a plasticidade do passado, «Blade Runner» encontra um lugar que é menos temporal e mais cinematográfico. Dito de outra forma: o filme acaba por não pertencer a nenhum tempo em concreto, assemelhando-se mais a um estado de sonho, a um sonambulismo permanente algures entre o real e o quimérico. A entrada de «Blade Runner» (o plano aéreo de Los Angeles) introduz-nos à sua cenografia negra e operática, como se o mundo estivesse à beira de um fim ainda incerto (no final, sabemos, Roy morre com as suas lágrimas à chuva, e o filme renasce para um novo dia, acompanhando a viagem de Deckard e Rachel por paisagens montanhosas, perseguindo uma jornada também ela incerta... vemos o sol pela primeira vez).

O humano e a máquina

Os Replicantes de «Blade Runner» são robôs com tecido orgânico e aparência humana, e são utilizados no espaço extraterrestre para trabalharem como escravos nas colónias. O planeta Terra está transformado num unificado terceiro mundo, onde habitam apenas os que não têm condições financeiras e médicas para viajarem até uma das colónias. Algures numa dessas colónias, um grupo de Replicantes revolta-se e foge para a Terra, na esperança de resolver um problema que pensávamos ser exclusivamente humano: o medo consciente da morte. Neles (nos Replicantes) revemos os nossos receios e utopias condensados nos seus corpos, os seus desejos de vida, de memórias... de existirem.

É absolutamente fundamental percebermos que os implantes de memórias lhes davam uma característica humana incontornável: a capacidade de compormos as nossas próprias emoções em função de uma educação existencial adquirida com os anos e com as experiências. E essa é, no limite, a questão nuclear de «Blade Runner»: ganharmos consciência dos feitos fascinantes do nosso passado e compormos constantemente sonhos para o futuro. E é inevitável que esses sonhos se mantenham, até certo limite, inconcretizáveis. Faz parte da nossa condição, termos sempre um objectivo a atingir, um sonho que, na sua mais bela utopia, é impossível de ser tocado. O nosso humanismo completa-se nessa impossibilidade.

E Roy percebe a beleza trágica dessa impossibilidade no final, quando resume a Deckard os grandes momentos que viveu na sua curta vida. Ele viu coisas que mais ninguém acreditaria, visões assombrosas e sublimes, únicas na sua existência. E tudo isso se perderá na memória do tempo, não apenas porque ele se prepara para morrer, mas, acima de tudo, porque ganhou consciência humana do valor imenso daquilo que viu (e que, agora, se prepara para perder). Talvez dizendo-o a alguém, esses momentos perdurem de alguma forma. Talvez fosse isso que Roy queria no final: alguém a quem transmitir as suas memórias. É nessa carência que nos revemos, na necessidade de perdurarmos a nossa existência para além da nossa vida, como se fossem, de facto, conceitos distintos. E a arte não é isso? A imortalização de uma imagem, de uma ideia, de um pensamento. Com a morte de Roy vem a catarse de Deckard, a possibilidade de continuar a sua história de amor com uma Replicante cuja vida foi poupada. Rachel era especial, não tinha data especificada para terminar a sua existência e Deckard sabia disso. Ambos partem numa nova jornada romântica com toda a insegurança tão característica do humano: eles não sabiam quanto tempo ainda tinham juntos, mas de facto, alguém sabe?

Tiago Pimentel

terça-feira, setembro 19, 2006



Uma notinha apenas para desabafar a minha infeliz desilusão com o novo filme de M. Night Shyamalan. «Lady in the Water» (em português: «A Senhora da Água») mantém a sua serenidade, a sua dialéctica singular na mudança de escalas e planos, a sua contagiante fé nas pessoas... mas algo se perdeu. É provavelmente o seu filme mais ambicioso, o seu grande ensaio sobre a inspiração e a arte que perdemos, recuperamos e reinventamos. Falta nele, precisamente, o que mais gostamos no seu cinema: uma paixão irredutível pela densidade e riqueza dramática das suas personagens, bem como dos destinos que para si descobrem. Ficam as boas intenções e a sensação que há terreno suficiente neste filme para todos habitarmos com o radicalismo da nossa verdade. Filme para dividir? Sem dúvida, o cinema também é feito de filmes assim.

Tiago Pimentel

Introdução à reciprocidade

De facto, num espaço em que se pretende pensar sobre cinema, arte e todos os lugares que os envolvem, promover o diálogo é, mais do que uma funcionalidade: uma necessidade. Claro que, num espaço como a Internet, a escrita regressou a um grau zero de todas as linguagens: por um lado devolveu às pessoas a possibilidade de serem lidas, por outro, banalizou a necessidade de se escrever. Nesse sentido, sempre fui cauteloso na(s) forma(s) de diálogo que escolhi para este espaço, concretamente o uso de um e-mail. Mas, dadas as ferramentas de moderação que a blogspot disponibilizou, creio que já não há desculpa para este espaço continuar sem a opção de "comentários". Sendo assim, o pensamento está aberto a toda a gente que tenha, de facto, algo a dizer. Por uma questão puramente identitária (somos, seguramente, mais do que um endereço virtual ou um nickname inventado para a nossa vida informática), pedia apenas que os comentários viessem devidamente assinados.

Cumprimentos,

Tiago Pimentel

segunda-feira, setembro 18, 2006



Volver, de Pedro Almodóvar

Classificação:

Volver, de Pedro Almodóvar, recupera algum do seu, a espaços, fascinante sentido de humor sobre os reflexos instalados no tecido social, mas também algumas das suas limitações enquanto dramaturgo, convocando frissons melodramáticos que nunca têm hipótese de serem mais que meras caricaturas sociais e familiares limitadas à sua própria inconsequência. Em todo caso, o trabalho dos actores é, de facto, uma mais-valia que importa valorizar, concretamente a surpreendente composição de Penélope Cruz no papel de uma mãe que se vê colocada numa situação (a morte do marido) que começa por ser fulgurante do ponto de vista dramático mas que, como tudo o resto no filme, acaba por se transformar em mais uma nota de rodapé referida pontualmente para criar uma espécie de teia narrativa, tão desconcertante quanto caricatural. Carmen Maura, no papel da fantasmagórica mãe introduz, de facto, um subtil elemento dramático à acção: a presença de uma entidade materna cuja identidade é, de facto, um dos poucos lugares dramáticos para onde Volver ocasionalmente converge.

O drama e a comédia voltam a rimar neste filme, embora não de forma tão equilibrada como no magnífico Fala com Ela (onde, de facto, a comédia era também uma forma dramática). Há algo de inconsequente em toda a volúpia dramática de Volver, uma espécie de frustração desconcertante que sentimos na câmara de Almodóvar, atenta a detalhes afectivos que, em boa verdade, não existem. Resta a corrosão e eficácia do seu sentido de humor na composição de uma sátira familiar, por diversas vezes enfraquecida por um argumento demasiado distante das suas personagens, troçando-as como se fossem restos de uma piada ou de uma caricatura bem desenhada. Poucos ecos vão ficar, mas Volver é, para todos os efeitos, um interessantíssimo reencontro com Pedro Almodóvar.

Tiago Pimentel

terça-feira, setembro 05, 2006



Bubble, de Steven Soderbergh

Classificação:

Será possível um dos grandes filmes de 2006 não estrear sequer numa única sala de cinema e ser remetido directamente ao mercado dos dvds? Parece que sim; é pelo menos, o caso do último filme de Steven Soderbergh. Bubble surge num conceito totalmente revolucionário (e, também por isso, incompreendido e falhado) de aglutinar os mercados de cinema e dvd no mesmo contexto temporal. Por outras palavras: era o objectivo de Soderbergh, estrear o filme em cinema e em dvd ao mesmo tempo, reduzindo assim os custos com a pirataria. Mas a verdade é que poucos apoios teve e os responsáveis das salas, na sua grande maioria, acabaram por se recusar a exibir um filme que, em boa verdade, estava à disposição numa loja de dvds.

De qualquer forma, Bubble foi então lançado no nosso mercado directamente em dvd e está à espera urgentemente de ser descoberto. Há algo de genuíno e autêntico neste filme que vai para além do facto de ter sido filmado com actores amadores; tem a ver com a recriação de uma comunidade do interior, das suas imagens mais fugazes bem como dos sinais mais inquietantes da sua intimidade. Soderbergh filma em HD (alta definição) e, de facto, isso transparece na clarividência e nitidez de cada imagem, no detalhe infinito de cada corpo e na composição dramática do espaço. Em boa verdade, o espaço de Bubble, apesar de definido até ao último detalhe, não se torna (por isso) menos enigmático e complexo; de facto, um dos grandes desafios deste filme é ensinar-nos a olhar para aquilo que (nos) parece óbvio e que, por desconcertante paradoxo, parece redefinir, a cada imagem, os seus próprios imaginários e estereótipos. Isto é, cada personagem de Bubble parece, de uma vez só, reunir todas as condições para pertencer aos quadros do americano-médio do interior, mas também o direito às suas intimidades mais específicas e exteriores à sua imagem.

Toda e qualquer imagem de Bubble aparece-nos mediante um contexto, numa economia narrativa e cinemática absolutamente estarrecedora: seja no fluxo interior aos diálogos, ou na presença invisível dos corpos nos cenários aparentemente redundantes das ruas e das pessoas (nas mãos de um cineasta banal seriam, porventura, separadores de cena, mas Soderbergh filma tudo como se, de facto, o espaço fosse um organismo dramático com as suas próprias respirações). Urge-se a descoberta dos curtos mas certíssimos 70 minutos deste filme, não só por se tratar (como diz no título) da nova experiência de Soderbergh (e poucas vezes a palavra experiência reuniu tantos sentidos), mas também porque é um drama laminar, a espaços comovente, sobre o desespero que é sentirmo-nos rejeitados pelo mundo.

Tiago Pimentel

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