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Um site para pensar sobre tudo e chegarmos sempre a um singular pensamento final: sabermos que nada sabemos.
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Tiago Pimentel
Críticas dos leitores para: tiago_pimentel@hotmail.com

terça-feira, setembro 28, 2004



A Vila

Class.:

Shyamalan vive, nos tempos que correm, estigmatizado pelo seu próprio autorismo. Ou seja, o estigma do “twist” parece, cada vez mais, uma exigência do público e crítica do qual Shyamalan se terá de resgatar. E, para já, A Vila parece ser esse sopro de liberdade que o cineasta, de peito cheio, deitou cá para fora. Foi muito criticado por isso, mas talvez sirva para se renovar e alargar os seus horizontes autorais. E A Vila é mesmo um dos seus filmes mais completos, complexos e tecnicamente perfeitos. Voltamos aos fantasmas de «O Sexto Sentido», os ditos mortos que se passeiam pelo presente com os costumes do passado, sem se verem, sem se conhecerem, inconscientes do tempo que habitam. Sem nunca terem atravessado a fronteira por medo do que os espera ou pela negação.

Desta vez, as assombrações não são amigáveis nem pretendem ajuda, são monstros tenebrosos que habitam o «outro lado» de uma floresta densa onde os pacatos habitantes da vila têm co-habitado ao longo de anos. Mas A Vila é muito mais que um filme de monstros (como, de resto, já o eram todos os filmes anteriores desde «O Sexto Sentido»). Os monstros são sempre metáforas para as nossas fragilidades humanas que exorcizamos como podemos. Extensões do nosso Ser que persiste em absorver sinais e metáforas como analogias da sua existência. Um pouco como os extraterrestres que Shyamalan coloca no núcleo familiar da personagem de Mel Gibson, como se desse arrastamento se transportasse a cura para a letargia do corpo. Sim, porque os heróis de Shyamalan são sempre personagens debilitados por uma letargia perturbante, como marionetas a quem se cortaram alguns dos fios, isolados do mundo por uma paralesia emocional, como se todas as emoções humanas convivessem num único corpo em conflitos inesgotáveis baralhando todas as cores e invalidando a verbalização do desejo.

É um filme que absorve a condição do mundo actual sem panfletarismos políticos; antes, compreende o medo que assombra o presente e constrói uma história composta por uma comunidade de personagens (como se os corpos dos filmes de Ford pudessem aqui renascer mais letárgicos e sussurrantes como espíritos com medo de revelarem um segredo) que se isola do mundo, da impureza, da maldade tentando recriar um conceito humano de bondade, pureza e inocência. É nessa inocência que adultos de 30 anos correm e pulam como crianças. É nessa pureza que descobrimos o brilho angélico no olhar de Bryce Dallas Howard. Mas a ironia máxima desta tragédia «bergmaniana» (sim, é possível reconhecer Bergman e Dreyer na paralesia pictórica que algumas imagens parecem chorar) é introduzida por um estranho elemento sobrenatural. De facto, para poderem sobreviver afastados do mundo, os habitantes da vila respeitam um pacto com umas estranhas e monstruosas criaturas que vivem nos bosques.

Não deixa de ser curioso que, para se isolarem do medo que contamina o mundo, tenham de conviver com outras formas de medo e terror. Em boa verdade, o medo não é apenas um objecto geográfico como já Kubrick o ilustrara em «The Shining». É, acima de tudo, uma componente especificamente humana, impossível de separar da carne. Por mais que se construam comunidades ou vilas isoladas do mundo, esse medo específico (a cor má) faz parte da nossa pluralidade. O ser humano é uma pintura abstracta de emoções e pensamentos onde todas as cores convivem sem ordem nem exclusão. A Vila é um filme que nos fala da procura do amor. No limite, é apenas isso que interessa, pois dentro do amor escondem-se todas as cores. É na procura do amor, sob todas as suas formas, que se escondem todas as cores que se querem “lá fora”. Sem grandes hesitações, um dos filmes decisivos de 2004. Um filme que dá vontade de parar e pensar.

Tiago Pimentel

quinta-feira, setembro 23, 2004



Hello! I'm at a place called Vertigo!

Pois é, amanhã estreia nas rádios nacionais o novo single dos U2: Vertigo. Já tive oportunidade de ouvir e fiquei estarrecido. Porque me parece uma viagem a lugares que já foram visitados antes mas nunca com esta maturidade, com esta depuração religiosa como se se tratasse de uma eucaristia rock onde Deus se materializa no perturbante conflito musical. Existe ou não existe Rock (O Deus das massas)? Isto porque Vertigo está longe do pure fun de uma Elevation, por exemplo. Existe, sim, o revisitar do punk rock do nascimento dos 80's (ou por nostálgica consequência, da morte dos 70's) mas é um revisitar ponderado, maduro. Os U2 já não são apenas músicos à procura de um som que afogue o mundo; neste momento, procuram sons que salvem o mundo de se afogar. E é esse desespero que sinto na música. Parece um pedido de socorro, uma urgência: tão festiva quanto uma celebração, mas tão apoteótica quanto o anunciar do fim de algo... da música, do mundo, de Deus...

Tiago Pimentel

sexta-feira, setembro 17, 2004

O Fanático

Apetece-me falar um bocadinho desta expressão. Até porque acho que é um bocado mal-tratada. Geralmente tenta-se sempre desenhar uma linha invisível entre fã e fanático. Mas gostava que alguém ainda se lembrasse de explicar, afinal, a diferença. O fã é racional e o fanático é irracional, obsessivo? O fã persegue os seus ídolos para lhes pedir autógrafos e o fanático persegue para pedir peças de roupa interior? O fã coloca posters do seu ídolo no quarto e o fanático coloca tatuagens espalhadas pelo corpo? Eu gosto do descontrolo saudável. Gosto da imprevisibilidade que a palavra fanático me sugere. Até porque, no limite, o grau de fanatismo mede-se sempre pelo amor e compreensão que temos em relação à arte de quem admiramos. Por exemplo, a uma banda de música, a um actor de cinema, a um cineasta, a um pintor. Será que gostarmos de todas as músicas de uma banda é fanatismo saudável? Seria, nesse caso, fã ou fanático? Será que é assim tão difícil de compreender que o revisitar de uma voz que nos é tão especial pode, à partida, validar mesmo a música menos entusiasmante? Ou melhor, estou a cair no erro da falácia popular. A música nunca seria menos entusiasmante, porque o fanático (ou fã) sente os contornos todos da música, aqueles que não são objectivos nem sequer tangíveis por alguém que não ame "aquele som". Revisitamos a especificidade instintiva da guitarra, a voz única que nos acompanha em pensamentos, o "feeling" geral que não abandona jamais o seu som. Enfim, somos fanáticos apenas porque os compreendemos bem demais. E de fanáticos passamos a suspeitos. Suspeitos por gostarmos de tudo o que aquele cineasta produziu. Suspeitos porque a sua marca de autor é tão forte que se torna impossível de ignorar, impossível de não gostar. Antes de gostarmos da arte como uma expressão geral, amamos carnavais específicos, atmosferas especiais, cineastas de culto, bandas de cabeceira, pintores de eleição, (...). Somos humanos e, por isso mesmo, procuramos constantemente lugares. Lugares que nos desafiem e onde possamos conviver com os nossos pensamentos e dialogar com as emoções. Encontramos esses lugares quando vivemos as nossas obsessões. Os nossos fanatismos. Somos humanos, pois claro. Ou talvez apenas fanáticos.

Tiago Pimentel

domingo, setembro 12, 2004

Amesterdão - algures entre a destruição e a utopia

É uma cidade de paradoxos. Disse-me uma holandesa que o seu país é belíssimo e cheio de segredos para descobrir. Tive alguma pena de apenas ter visitado a parte destruída de Amesterdão; o segmento consumido pelas utopias ideológicas nacionais. Aquilo que vi pareceu-me um bocadinho como se aquela cidade fosse uma espécie de experiência laboratorial para radicalismos ideológicos, desde a legalização das drogas leves à própria prostituição e promoção comercial do sexo. Nas ruas é possível ver os turistas passearem. Famílias observam o entulho que se acumula pelas ruas da cidade, os corpos consumidos pela heroína adormecidos no chão, as mulheres que vendem o corpo atrás de vitrinas que as crianças apontam e questionam os seus pais com curiosidade, as vozes que se evaporam como o último fôlego numa inconsequente cigarrilha. Mas é uma cidade demarcada do resto do mundo e, talvez por isso, tão cinéfila. Não no sentido que pensam, mas sobretudo porque promove o pensamento artístico: a criação. Para perceberem melhor o meu pensamento, talvez a introdução do titulo Escape from Amsterdam ajude a clarificar. É um organismo urbano destruído. Mas não é surpresa: talvez porque a legalização arbitrária seja sinónimo também da ausência de ordem, de lógica e de aparência. Sim, talvez o civismo asseado passe por uma camuflagem, por uma proibição. Ou, como em tudo na vida, por um equilíbrio. Cabe a cada um descobri-lo.

Tiago Pimentel

quinta-feira, setembro 09, 2004

Comentário algo desconcertado depois de ter visto «The Village», de Shyamalan. Desconcertado não com o valor do filme, mas antes com a radicalização no registo do realizador. Já vinha acontecendo há algum tempo, essa sublimação narrativa algures entre o líquido e o gasoso. Mas Shyamalan agora é um abstracto completo, um visionário «bergmaniano» a manipular as suas realidades com um bisturi de mise-en-scéne apuradíssimo. Mas a ambiguidade que antes lhe era reconhecida, entre a cirurgia cinéfila e o interesse pelo público e pelas massas, parece agora completamente alienada. Isso talvez explique um pouco a queda que o filme tem sofrido no «box-office» americano, depois de um primeiro fim-de-semana estrondoso que só o nome do realizador pode ajudar a explicar. E o filme é magnífico, pois claro.

Tiago Pimentel

sexta-feira, setembro 03, 2004

Paris é a mais bela cidade da Europa. Não porque tenha mais ou menos monumentos históricos ou as ruas mais arranjadas que outros corpos urbanos que habitam o velho continente. Mas, sobretudo, porque existe em Paris um sentido de urbanismo, ou de vida urbana, que absorve a componente cultural enquanto organismo da sua sensibilidade específica. Ou seja, não é apenas mais uma cidade a vender bilhetes para a Torre Eiffel ou para o interior do Arco do Triunfo. Não é apenas mais uma cidade a cumprir os requisitos turísticos enquanto guia informativo da sua História mais taxativa. Acima de tudo, é uma cidade onde essa dimensão cultural - o desejo de conhecer e de dar a conhecer - existe dentro da cidade como sangue nas suas artérias urbanas. Pertence-lhe essa vontade. A vontade de reconhecer todas as formas de arte e de procurar as suas especificidades em todas as imagens do quotidiano. Como se a Arte e a vida convivessem nas ruas sem ser necessário entrar num museu ou numa sala de cinema. É desse encanto que falo. Caminhar encostado ao Seine e descobrir que as barraquinhas montadas fragilmente ao longo do rio vendem, não rosas ou jornais desportivos, mas livros, quadros, dossiers que ilustram um pouco da sua cultura histórica, mas também do resto do mundo. É esse amor generalizado pela Arte, pela obsessão atenta ao enquadramento específico de cada imagem, que promove e desafia o olhar com que consumimos Paris, sem alienações. Na mítica cinemateca cruzam-se os fantasmas de outros tempos com as suas fotografias históricas baralhadas um pouco pelas paredes. Sentem-se os ecos das suas memórias nos cantos mais escondidos encaixotados pelas quatro paredes; resgatamos algumas das nossas memórias cinéfilas no brilho dos retratos que a fotografia monocromática não absorveu. Jean Seberg olhava-me como se quisesse gritar "New York Herald" mas sem precisar de falar. As ruas de Paris decompunham-se conforme as memórias que me assaltavam. E são precisamente essas memórias que a cidade ainda não esqueceu. São essas memórias que ainda definem a intemporalidade parisience. Sinto-me como Woody Allen a descrever a sua cidade em «Manhattan», com a insuficiência da palavra. Como se só com uma câmara se pudesse contar a sua história. Como qualquer cidade apaixonada pela Arte, tem sempre uma vontade incontrolável de comunicar. E Godard bem o sabe...

Tiago Pimentel

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