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Um site para pensar sobre tudo e chegarmos sempre a um singular pensamento final: sabermos que nada sabemos.
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Tiago Pimentel
Críticas dos leitores para: tiago_pimentel@hotmail.com

quarta-feira, maio 25, 2005

Serve esta notinha apenas para vos alertar para a estreia de um filme que corre o risco de passar despercebido: The Upside of Anger. Um exercício prodigioso que nos coloca nas fronteiras dos (des)equilíbrios familiares e nas ambivalências do espaço pessoal. Um filme onde o núcleo familiar se centra na figura da mãe, também ela fragilizada pela fuga repentina do marido. É muito raro encontrar um filme que faça conviver de forma tão sóbria a comédia e o drama como partes integrantes da mesma realidade. Joan Allen está sublime na contenção implosiva de uma mãe em regime de fúria e Kevin Costner, no papel de anti-galã, está magnífico. Um filme a não perder.

Tiago Pimentel

segunda-feira, maio 16, 2005

Ler o som

Existe uma componente, por vezes decisiva, na forma como sentimos uma música. Muitas vezes é, inclusivamente, uma das possíveis portas de entrada para um som que nos é, de alguma forma, indiferente. As letras de uma canção são, de facto, componentes determinantes da poesia lírica que inspiram e potenciam emoções e pensamentos, bem como representam uma expressão da arte enquanto forma de comunicarmos. É desse casamento (umas vezes mais orgânico que outras) entre o poema e a estrutura musical específica que nasce um objecto único, com uma «anatomia» humana e artística.

É nesse corpo que nos revemos, é na voz do vocalista que encontramos os ecos de lugares e emoções que já visitámos, é nas letras que redescobrimos os reflexos de pensamentos e emoções que em nós se inscrevem, desconstruídos por outras sensibilidades, refeitos por outras poesias, renascidos noutros corpos. Nem sempre temos de compreender as letras que o poeta nos canta. No limite, seremos sempre parte da nossa mais estimulante limitação. A saber: percebermos que a riqueza poética de um objecto artístico, no geral, ou de uma canção em particular, não se esgota na nossa leitura (ou, colocando a questão de outra forma: na nossa ideia de «lógica»). De facto, ela poderá mesmo viver para lá da nossa compreensão sem que, por isso, percamos a vontade de a (re)descobrir. É nessa impossibilidade que revemos as nossas próprias interrogações: querermos saber sempre mais.

E esta música é um excelente exemplo de uma letra enigmática que desafia o nosso olhar lógico e a nossa sensibilidade. Um telefonema do inferno ou uma escadaria de pensamentos contraditórios, específicos à nossa existência? Ou ambos? Creio que, antes de descobrirmos as respostas, deveríamos procurar as perguntas. As respostas definitivas esgotam, possivelmente, a ambiguidade a que a poesia nos permite. Não é a poesia, também, a descoberta fascinante de sabermos que nada sabemos?

Oh, baby child
It's no secret that the stars are falling from the sky
It's no secret that our world is in darkness tonight
They say the sun is sometimes eclipsed by a moon
You know I don't see you when she walks in the room
It's no secret that a friend is someone who lets you help
It's no secret that a liar won't believe anyone else
They say a secret is something you tell one other person
So I'm telling you, child

Love, we shine like a burning star
We're falling from the sky tonight
A man will beg
A man will crawl
On the sheer face of love
Like a fly on a wall
It's no secret at all

It's no secret that a conscience can sometimes be a pest
It's no secret ambition bites the nails of success
Every artist is a cannibal, every poet is a thief
All kill their inspiration and sing about their grief
Oh love

Love, we shine like a burning star
We're falling from the sky tonight
A man will rise
A man will fall
From the sheer face of love
Like a fly from a wall
It's no secret at all

Achtung baby

Love, we shine like a burning star
We’re falling from the sky tonight
Love, we shine like a burning star
We’re falling from the sky tonight
A man will rise
A man will fall
From the sheer face of love
Like a fly from a wall
It's no secret at all

It's no secret that the stars are falling from the sky
The universe exploded 'cause of one man's lie
Look, I gotta go, yeah I'm running outta change
There's a lot of things, if I could I'd rearrange


«The Fly», U2

Tiago Pimentel

sábado, maio 14, 2005



In Good Company, de Paul Weitz

Class.:

Magnífico filme geracional! Paul Weitz instala-se, de forma cada vez mais pronunciada, algures entre os desequilíbrios melodramáticos familiares e as desapropriações humanas de um certo «way of life» que os caucionam. Há, de facto, um subtil subtexto político que denuncia a «corporate culture» e a política laboral americana (mais volátil que a nossa, por exemplo) sem nunca ceder a estereótipos ou a bengalas narrativas que o pudessem, eventualmente, transformar num académico exercício panfletário com todas as renúncias humanas que teriam de ser feitas.

É bom celebrar um filme onde a política é apenas um de muitos subtextos de uma narrativa riquíssima, onde se cruzam gerações, emoções e, fundamentalmente, uma pedagogia humana que é, de uma vez só, consciente do contexto sócio-político que denuncia, mas também, determinante na errância humana que nele se define. É um filme desencantado? É, mas com uma certa cultura empresarial, com a indiferença e inércia que provoca nas células humanas que nela se inscrevem. Mas é um filme profundamente encantado com a capacidade de nos sobrepormos a todas as convenções que definem um certo pensamento de construção de uma vida, de uma carreira, de um futuro... de nos reencontrarmos e procurarmos um sentido para o que fazemos com a vida.

Topher Grace inscreve-se nesse vazio numa composição notável, infectado por todos os sinais automáticos desse yuppie «way of life», com a mesma carreira que esgota todo o espaço humano dentro de si. Dennis Quaid é o seu novo subordinado com idade para ser seu pai e com uma filha por quem a personagem de Topher se apaixona. Quaid é ideal na composição de pai de uma família simples e feliz, apesar (ou talvez por causa) das lutas constantes para manter o emprego, para proporcionar a melhor educação à sua filha mais velha (fantástica Scarlett Johansson) e lidar com duas hipotecas. Paul Weitz é mais do que um cronista da cultura familiar; é, antes do mais, um cúmplice directo do «espaço» familiar e da «anatomia» humana específica à história. Por outras palavras: como filmar uma história sem parecer uma filiação temática e generalizada de um pensamento político-cultural. O contexto existe, mas apenas para fazer viver o humano. Sabe bem ver um filme assim.

Tiago Pimentel

domingo, maio 08, 2005



Star Wars: Episode 3 – Revenge of the Sith

Class.:

Sem dúvida, um dos filmes mais aguardados do ano já que é, de uma vez só, o regresso da mais emblemática saga espacial da História e, também, o capítulo conclusivo desta prequela de Lucas. E, sem quaisquer hesitações, é possível afirmar que se trata, não só do mais emocionante episódio desta nova trilogia, como é mesmo o melhor Guerra das Estrelas desde O Império Contra-ataca.

O filme está contagiado, como já acontecia com O Império Contra-ataca, por um negrume envolvente, embora, ao contrário do que acontecia no capítulo intermédio da trilogia original, este negrume não tenha tanto de místico, mas sobretudo de aterrorizante, de medonho, de visceral e arrepiante. É, seguramente, o primeiro Guerra das Estrelas a aproximar-se do formato de terror, ou não estivesse a figura do Imperador Palpatine tão próxima da filiação tenebrosa recriada por Gary Oldman no corpo do Drácula de Bram Stoker. Lucas ultrapassou a necessidade de fabricar novos fãs e assumiu o compromisso de transcender as expectativas dos incondicionais. Aliás, sempre me pareceu um equívoco tentar a aproximação a novos fãs convertendo o universo Star Wars num espectáculo infantil e circense (ainda que bastante competente) de A Ameaça Fantasma. No passado, a trilogia nunca precisou de personagens voláteis como Jar-Jar Binks ou de efeitos especiais de ponta a roubar espaço aos actores para reunir a maior legião de fãs de sempre numa space-opera.

Este capítulo final é uma obra prima épica que desce aos infernos para ferver as emoções do espectador. Hayden Christensen nunca esteve tão bem na sua revolta e progressiva transfiguração no tenebroso Darth Vader, Ian McDiarmid impõe-se como o equivalente malévolo de Vader nesta fase final da trilogia, numa composição assustadora e arrepiante, digna dos mais célebres vilões de antologia. Pela primeira vez na nova trilogia, sente-se algo a “sujar” a limpidez que o digital vinha impondo e impedindo que emoções de outros tempos renascessem novamente. Talvez a nostalgia e a impossibilidade de reviver esses tempos fossem, como é habitual acontecer, os grandes responsáveis pela paixão que ainda sentimos pela trilogia velhinha e, de certa forma, o nosso olho se sinta distante do cosmos galático e digital que Lucas criou na nova saga. Mas este terceiro capítulo vem provar o contrário. É possível resgatar a mística sem alienar as potencialidades das novas tecnologias.

Das profundezas da mente de Lucas (o tal local muito, muito distante, finalmente revisitado pelo cineasta), nasce este capítulo aterrorizante que, sem retirar mérito ao magnífico Ataque dos Clones, se demarca de forma decisiva dos dois episódios anteriores, assumindo-se, de uma vez só, como o mais intimista e universal capítulo da nova trilogia. Está tudo na dosagem certa, as piscadelas aos fãs suficientes mas não monopolizadoras (como a cena de Anakin a observar o confronto de Mace Windu e o Imperador Palpatine com ressonâncias da fase final de O Regresso de Jedi); os momentos de comédia acertam quase sempre e são pontuações breves de comédia física ou preciosidades de montagem sonora absolutamente fascinantes; as sequências de acção são muito mais envolventes e viscerais, transcendendo o simples esquematismo coreográfico de um vídeo-jogo (relembrar os dois últimos capítulos de Matrix) e encenando batalhas que traduzem, de facto, o diálogo trágico que se institui em todos os corpos da narrativa.

Pela primeira vez, é impossível resistir ao peso dramático que a tragédia de Anakin Skywalker impõe, criando a ponte temática, narrativa e cinematográfica perfeita para o nascimento de uma das mais impressionantes óperas trágicas jamais vividas no espaço, numa galáxia tão distante que julgávamos que Lucas nunca mais a iria reencontrar.

Tiago Pimentel

domingo, maio 01, 2005



Kingdom of Heaven

Class.:

Foi com muita incerteza que entrei na sala para ver este filme. Se, por um lado, tinha um dos piores actores do mundo (Orlando Bloom) a protagonizar uma narrativa dita épica, por outro tinha um factor, também de si incerto, na realização: o nome de Ridley Scott. Mas Scott tinha feito Gladiador há poucos anos, um grande épico que poderia, de alguma forma, caucionar este seu familiar directo. Mas, no lugar do olhar enraivecido de Russell Crowe, está o fantoche inanimado de Orlando Bloom, e da glória épica e dramática de Gladiador, restam apenas farrapos, pálidas ideias dramáticas, espalhadas pela narrativa em jeito de citações ou autocolantes. Ideias de ideias de ideias...

O filme perde, logo à partida, com a cruel montagem que o esquartejou – sabe-se que o filme tinha, originalmente, mais uma hora de duração. Perderam-se todos os conceitos de ritmo e tempo, cada sequência ao longo do filme dura uma média de 1 minuto, as personagens não têm tempo de respirar, de marcar uma presença e tudo se perde num insustentável fardo de inconsequência.

O luxuoso elenco de secundários passeia-se pelo filme como turistas de uma narrativa dramática inexistente, como se observássemos pequenos trailers consecutivos a anunciarem um grande épico histórico. Mas, depois de juntas as peças, fica a sensação de pertencerem todas a filmes diferentes, como um organismo sem anatomia narrativa. O argumento trata as personagens como se fossem habitantes de efémeros flashbacks em catadupa para perder, depois, todo o tempo que lhe resta a demonstrar as maravilhas do digital em batalhas tão vistosas quanto inconsequentes. E o pior é ficarmos, no fim, com a sensação que mais uma hora de filme não chegava para remendar nada. Os problemas são bem mais estruturais que isso e começam logo num argumento sem qualquer sentido de construção dramática e épica, estropiado por uma montagem e uma realização demonstrativas, sem ideias de duração cénica ou de tempo. E, a cereja no topo do bolo, um protagonista sem qualquer presença nem gravitas dramática. Orlando Bloom está tão invisível que dá ideia de, apesar de ser o protagonista, continuar tão secundário como nos seus filmes anteriores.

Um projecto tão anónimo que nem o seu rotundo e académico falhanço o torna interessante. Talvez Tróia seja mais irritante por ser um objecto tão escancaradamente teen e o equivalente cinematográfico de uma revista de mulheres, mas não deixa de ser curioso que o mais interessante dos épicos a estrear nos últimos tempos seja Alexander, o mais trucidado pela crítica de uma forma geral.

Tiago Pimentel

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