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Um site para pensar sobre tudo e chegarmos sempre a um singular pensamento final: sabermos que nada sabemos.
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Tiago Pimentel
Críticas dos leitores para: tiago_pimentel@hotmail.com

terça-feira, janeiro 31, 2006

OSCARS - As nomeações


Algumas surpresas. Desde já, a presença – mais forte do que se esperava – de «Munich», de Steven Spielberg, que arrecadou 5 nomeações importantes. Depois do filme ter sido parcialmente destruído por algumas vozes mais conservadoras que se recusaram a pensar na sua complexidade temática e dramática (lendo-o, invariavelmente, como um filme com um ponto de vista suspeito), consegue ganhar forças para, nesta recta final, conseguir nomeações muito importantes, incluindo filme e realizador. Facto que não deve ser alheio à presença mediática de Spielberg nas últimas semanas que tem, literalmente, dado a cara pelo filme. «Brokeback Mountain» foi o filme que mais nomeações recebeu (oito) e deverá ser o grande vencedor da noite. Notável a campanha de «Crash» desde o fim do ano, valendo-lhe um crescimento cada vez maior de popularidade, vários prémios da crítica, um prémio de elenco no SAG (Screen Actors Guild) e, agora, várias nomeações aos Oscars, incluindo Realizador e Filme. George Clooney confirma-se como uma figura central de 2005, não só pela sua nomeação enquanto actor secundário por «Syriana», mas também pelas 6 nomeações fortes de «Good Night and Good Luck», por si realizado.

Curioso, também, o facto dos cinco filmes nomeados coincidirem, milimetricamente, com os seus realizadores e argumentistas, implicando uma necessária cumplicidade entre valores narrativos e valores de produção. Tudo isto implica uma certa fragmentação nas nomeações (apesar de «Brokeback Mountain» preservar um sentido de liderança) e um possível equilíbrio que o próximo mês, sem prémios, ajudará a esclarecer. Positiva também a introdução de «A History of Violence» na cerimónia para duas nomeações – de lamentar apenas a ausência de Cronenberg da lista de nomeados.

Aqui fica a lista das nomeações mais importantes:

Melhor Filme

«Brokeback Mountain»
«Capote»
«Crash»
«Good Night, and Good Luck»
«Munich»

Melhor Realizador

Ang Lee, «Brokeback Mountain»
Bennett Miller, «Capote»
George Clooney, «Good Night and Good Luck»
Paul Haggis, «Crash»
Steven Spielberg, «Munich»

Melhor Actor Principal

Philip Seymour Hoffman, «Capote»
Joaquin Phoenix, «Walk the Line»
Heath Ledger, «Brokeback Mountain»
David Strathairn, «Good Night, And Good Luck»

Terrence Howard, «Hustle and Flow»

Melhor Actriz Principal

Judi Dench, «Mrs. Henderson Presents»
Felicity Huffman, «TransAmerica»

Reese Witherspoon, «Walk the Line»
Charlize Theron, «North Country»
Keira Knightley, «Pride and Prejudice»

Melhor Actor Secundário

George Clooney, «Syriana»

Paul Giamatti, «Cinderella Man»
Jake Gyllenhaal, «Brokeback Mountain»
Matt Dillon, «Crash»
William Hurt, «A History of Violence»

Melhor Actriz Secundária

Rachel Weisz, «The Constant Gardener»

Michelle Williams, «Brokeback Mountain»
Catherine Keener, «Capote»
Amy Adams, «Junebug»
Frances McDormand, «North Country»

Melhor Argumento Adaptado

«Capote»
«The Constant Gardener»
«A History of Violence»
«Munich»
«Brokeback Mountain»

Melhor Argumento Original

«Crash»

«Good Night, Good Luck»
«Match Point»
«Syriana»
«The Squid and the Whale»

Melhor Filme de Animação

«Wallace & Gromit in the Curse of the Were-Rabbit»

«Tim Burton’s Corpse Bride»
«Howl’s Moving Castle»

A lista completa aqui.

Tiago Pimentel

segunda-feira, janeiro 23, 2006

Algumas impressões...




Munich, de Steven Spielberg

Classificação:

Por enquanto, só me é possível deixar poucas reflexões sobre um filme que literalmente me desarmou por completo. Uma obra prima máxima, muito mais austera do que alguma vez imaginei, infinitamente mais contundente que o lugar-comum das alegadas consciências políticas de culpa, e uma oração pela paz – promovendo o negativo do feel-good movie... isto é: mergulhando nos infernos irreversíveis e perturbadores daqueles que escolhem o sangue para equilibrar a equação de violência que se desmultiplica. Está, desde já, encontrada uma das experiências cinéfilas mais poderosas de sempre.



Match Point, de Woody Allen

Classificação:

Finalmente, o reencontro com o Allen de topo, aquele que (não) policiava o questionamento moral de Crimes e Escapadelas e que, neste Match Point, volta a descobrir a fábula moral como ponto de partida para as mais trágicas e subversivas leituras da acção humana. Ou ainda: como a presença do destino pode omitir o julgamento moral.



Caché, de Michael Haneke

Classificação:

Fabuloso ensaio de cinema sobre o espaço, as personagens e a emulação de perspectiva. A verdade é, em si mesma, uma realidade plural e inacabada, que aparece como um conjunto de olhares que, pela sua própria natureza, nos imprime toda a obsessão da sua visão. Em última análise, somos confrontados com os enigmas dogmáticos da insuficiência do nosso próprio olhar. Em abstracto, dir-se-ia que é a descoberta do oculto ou do espiritual, com todas as dificuldades e indefinições que esses conceitos encerram em si mesmos. A certa altura, já não sabemos quem olha quem e o quê.

Tiago Pimentel

terça-feira, janeiro 17, 2006

A informação pessoal, a Internet e o Hi5

- O fim da palavra eu


Há uns meses recebi um convite, por e-mail, para aderir a esse site Hi5 (que explicarei, detalhadamente, mais à frente). No princípio não liguei, já que me parecia um caso meramente pontual. Depois de receber vários convites, de vários amigos, resolvi registar-me e perceber de que se tratava. Durante uns tempos visitei e usei algumas das suas ferramentas, mas rapidamente me apercebi da imensa futilidade em que tudo aquilo se decidia. Como consequência natural, deixei de utilizar o Hi5, mas só com o tempo é que, confesso, me apercebi dos efeitos nefastos e surpreendentes que tem surtido nas pessoas e pela forma leviana como é encarado. Decidi que abandonar o Hi5 não chegava, e acabei mesmo por remover a minha conta e escrever este texto. Aliás, este meu texto pode até ser lido como uma experiência laboratorial do género: “Eu estive lá, usei, não gostei e saí.” Porque o fiz? Por várias razões, algumas das quais enunciadas neste texto. Mas, em última análise, creio que o fiz apenas para ser coerente comigo mesmo.

A tecnologia é sempre um pau de dois bicos: se, por um lado, precisamos das máquinas que inventamos, por outro, não podemos deixar de as questionar. E a Internet é muito pouco questionada e reflectida, na actualidade, sobretudo no campo do concreto. Qual é a diferença entre o registo num fórum temático de debates e num site de cruzamento de informações para encontros de amizade/amorosos? Ou o registo da nossa informação num desses sites de encontros amorosos e num site de identidade pessoal como o Hi5? Nas infinitas potencialidades da Internet, começa a ser difícil impor uma fronteira que resguarde a nossa vida pessoal da exposição pública. A Internet veio também dar visibilidade a qualquer um, isto é: qualquer um pode ser lido/ouvido/visto. Se, por um lado, isto devolveu algumas pessoas à escrita, por outro, banalizou quase por completo, algumas formas de escrita e a responsabilização de conteúdos que lhe está subjacente. Foi, então, com relativa naturalidade, que os blogues tomaram conta do espaço virtual e assumiram-se como o formato definitivo do cronista contemporâneo. Seria preciso uma hipocrisia desumana da minha parte para criticar os blogues... num blogue. A minha primeira preocupação não reside aí; é exterior e anterior a essa questão. Tem a ver com o autor, com o responsável do espaço. Dar o direito, a qualquer pessoa, de ser visitada por uma fatia significativa da população mundial, implica, também, uma responsabilização agravada dos conteúdos. Dito de outro modo: que informação estamos a partilhar e de que forma é relevante? E para quem? Confesso que fico sempre desconcertado ao encontrar blogues que existem para divulgar ao mundo qualquer informação, da mais insignificante à mais íntima, simulando um falso diário pessoal que sustenta a sua durabilidade no tempo com o input de toda e qualquer informação. O que interessa é estar actualizado e ter novos textos todos os dias. A mensagem transmitida é clara: o conteúdo da informação não é importante, o que interessa é existir sempre algo para ler, para dar a ilusão de relevância e empenho. Estaremos a perder o valor precioso da informação? De um texto...

Em boa verdade, a Internet parece-me favorecer – como qualquer dispositivo que oferece autonomia – uma existência arbitrária de conteúdos que acaba por ter um dos seus zénites, de momento, no famoso site Hi5. Para quem não conhece, o Hi5 é um site que funciona como base de dados para qualquer pessoa com um endereço de e-mail válido. O site reúne várias informações pessoais dos seus utilizadores (estado civil, idade, cidade, filmes preferidos, interesses, músicas, etc.), fotografias, bem como permite uma árvore de amizades que se estende de utilizador para utilizador. Pondo a questão de uma outra forma: é a maneira mais impessoal de “conhecermos” as pessoas. É tudo uma coincidência arbitrária: estamos todos aqui, sem estarmos. Será que estou a levar isto demasiado a sério? Claro que sim, caso contrário nunca escreveria sobre isto. É uma temática demasiado preocupante. Aliás, tanto mais preocupante quanto é encarada com ligeireza. Um pouco à semelhança das novelas: ninguém leva a sério, mas quase todos vêm. Na sua ligeireza, vai ocupando espaço no mundo, através da habituação. Quem me conhece sabe que sempre fui um detractor das novelas e do discurso televisivo mais simplista e redutor. E se há discurso que não tolero é dizerem-me que levo isso demasiado a sério. Claro que sim! Sinto o “meu” mundo a ser ocupado progressivamente por estes objectos que não são para serem levados a sério e, de repente, eles são uma parte considerável do real. Como disse Gordard, uma vez: “O meu país está ocupado pela televisão.” E por “país”, Godard referia-se ao cinema. E preocupa-me, de facto, que o Hi5, um passatempo que a sensibilidade comum diz não levar a sério, ocupe já um espaço tão significativo da nossa vida social e afectiva. É bom não esquecer que estamos a falar de um site que promove a comunicação e amizade entre pessoas, colocando-as em ligações arbitrárias, promovendo, não só a comunicação gratuita e banal através de mensagens, bem como da sua publicação, tornando-a evidente à vista de todos.

Não quero ter um discurso demasiado pessimista, até porque, nestas coisas, é essencial desdramatizar, quanto mais não seja porque o discurso demasiado negro e sério corre o risco... de não ser levado a sério. Mas há uma frase de Roland Barthes, crítico francês de literatura e da sociedade, que ajuda a compreender como é importante o que escrevemos (no limite, o que partilhamos com os outros): “Naquilo que se escreve, cada um defende a sua sexualidade.” De facto, há algo de literalmente radical nesta frase que ajuda a perceber como é importante o que escrevemos, o que mostramos, ou o que partilhamos de nós. Em última instância, como essa frivolidade assumida da nossa “identidade digital” acaba por deteriorar o nosso próprio plano identitário. Não somos mais do que um conjunto de informações vagas e genéricas, descontextualizadas e redutoras. E essa simulação identitária é disponibilizada na Internet com o pretexto de nos unirmos de forma totalitária e global. Mas unirmos de que formas? A utopia, na sua génese mais abstracta, poderá ter interesse académico, mas na prática que interesses humanitários e ecuménicos estamos a servir, ao colocarmos milhões de pessoas num mesmo espaço, como escravos de uma comunicação global que tem como ponto de partida um currículo de interesses e fotografias pessoais? Estaremos a passar a mensagem de ser legítimo agrupar as pessoas por interesses e compleição física? Que mensagem está a ser passada sobre a construção de relações humanas? As relações humanas constroem-se, sobretudo, no desequilíbrio do imprevisto; em conhecermos pessoas literalmente por acidente. Isto é, em conversas diárias, em interacção física, ganhando o prazer de as conhecermos para lá do seu portfólio mais imediato e, a partir do qual, se calhar nem teríamos interesse em conhecê-las logo à partida. E sites como o Hi5 promovem o negativo disto. Isto é: cada pessoa pode ser vítima de um catálogo de interesses e estará implicitamente a competir social e fisicamente com outros perfis disponíveis. Um pouco à semelhança dos catálogos dos super-mercados, com fotografias e informações específicas dos produtos em comercialização. E, sejamos frontais, a componente física continua a ser a mais decisiva e, num certo sentido, será sempre uma relação com dimensão semelhante à relação superficial de bar ou discoteca.

Enfim, como qualquer realidade perniciosa, terá as suas alegadas vantagens, como reunir velhos colegas de escola, fãs de uma banda ou de um artista, e pode servir como ponto de partida para algo mais. Mas é esse ponto de partida que importa questionar. De onde estamos, afinal, a partir? E para onde nos dirigimos? Dito de outro modo: que futuro desejamos para o relacionamento entre pessoas? Que rituais estamos a promover? Ninguém parece muito preocupado com isto, até porque o Hi5 não mexe com as consciências de forma séria. É apenas um site que serve uma certa curiosidade gratuita de espiarmos os outros, numa lógica de peeping tom directamente importada dos dispositivos de reality shows televisivos, onde a vida dos outros pode e deve ser exposta e, pior ainda, pode ser avaliada e julgada pelos outros. A lógica é a mesma, mudam-se as formas de apresentação apenas. Mas as pessoas não parecem muito preocupadas, até porque continuam a navegar pelo Hi5, conscientes de que o fazem sem grande importância e apenas por lazer. Mas estas coisas que, afinal, não têm grande importância, começam a ocupar um espaço demasiado importante no continente humano de cada um, desde o Morangos com Açúcar, até ao reality show 1ª Companhia, passando por todas as novelas que ocupam o espaço nocturno da nossa televisão, e acabando em sites de exposição pessoal, onde o Hi5 é apenas mais um, embora seja talvez um dos mais ocupados (em Portugal é, seguramente, o mais visitado). Inconscientemente, todas estas formas de lazer aparentemente inofensivas, estão a ocupar espaço em nós, no nosso imaginário intelectual e afectivo. Estão a criar as suas próprias regras, o seu próprio ecossistema, a enraizarem-se nas consciências mais desatentas e a desenvolverem o seu próprio estatuto social.

Tiago Pimentel

domingo, janeiro 08, 2006



Jarhead, de Sam Mendes

Classificação:


Como lidar com um filme que recupera os ecos da Guerra do Golfo, joga com as mentalidades políticas contemporâneas e não esboça uma única crítica à legitimidade ou glorificação bélica da guerra? A imprensa americana não conseguiu, de facto, lidar com este objecto, imprimindo-lhe o estigma de «filme sem ponto de vista». Jarhead habita precisamente nos antípodas temáticos de Três Reis, a sátira bélica à Guerra do Golfo de David O. Russell, mas Sam Mendes tem uma perspectiva definida e concreta do conflito. Não é uma perspectiva política, no sentido mais verboso do termo; é, antes do mais, um filme que não perde de perspectiva o soldado... isto é: o corpo que suporta a solidão insustentável daquele que tem a legitimidade de matar. Mais do que a legitimidade, Jarhead mostra que a letargia de uma guerra decidida no ar, e o sol tórrido de um deserto desenterrado de cadáveres, desesperam o soldado americano e a morte passa a ser uma necessidade, um percurso paradoxal para manter a sanidade. Em boa verdade, mais até do que a morte: o acto de matar!

Importa, também, relembrar que o comando deste filme pertence a um senhor que vem do teatro. Sam Mendes, transferido do teatro para o cinema, mais concretamente para os Oscars (ganhou o Oscar pelo seu primeiro filme Beleza Americana), traz consigo o minimalismo e a atenção ao detalhe da representação. Por outras palavras: é um realizador atento às nuances humanas dos seus actores. E Jarhead, num tempo em que o cinema procura novas formas narrativas e visuais (desde o preto e branco de Sin City, até à sobre-estilização dos dois Kill Bill) promove, de facto, o regresso do actor como corpo central de todas as reinvenções. É deles (de Jake Gyllenhaal, de Jamie Foxx e do magnífico Peter Saarsgard) que parte, no limite, a razão de existência da história.

Muito mais do que a política de guerra e que a consciência crítica, interessa para Jarhead a decomposição dos personagens e a errância trágica que neles se instala. Mendes pretende que os rostos dos actores sejam espelhos empoeirados dos corpos que matam e morrem nos desertos do Iraque. É sobretudo neles que encontramos a maior violência de Jarhead; desengane-se quem procura uma carnificina gore de balas a picotarem corpos e granadas a espalharem pernas e cabeças pela areia. Nesse sentido, Jarhead é um filho directo de Apocalypse Now, embora formalmente esteja mais próximo das duas partes bem definidas (o treino dos marines e a consequente incursão na guerra – do Vietname num, e no Iraque noutro) de Full Metal Jacket, de Stanley Kubrick (os primeiros minutos do filme não são acidentais e compõem uma bonita homenagem ao filme de Kubrick).

Sem a mesma matéria dramática e perturbante dos outros dois títulos citados, Jarhead será também criticado por nada de novo acrescentar ao filme de guerra contemporâneo. Mas, goste-se ou não, não há mais filme nenhum a reconstituir a Guerra do Golfo de forma tão comovente e despida de sátiras ou consciências críticas. No final, restam apenas o soldado, os lugares e a destruição lenta que ambos impõe... um ao outro.

Tiago Pimentel

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