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Um site para pensar sobre tudo e chegarmos sempre a um singular pensamento final: sabermos que nada sabemos.
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Tiago Pimentel
Críticas dos leitores para: tiago_pimentel@hotmail.com

sábado, dezembro 30, 2006


Os melhores de 2006


1. «Munique», de Steven Spielberg

Um dos grandes monumentos da década! Um filme que retrata a violência sem receio de assumir um ponto de vista que nada tem a ver com clubismo político, mas antes se centra na desumanização de todas as formas de violência. Em Avner podemos ver tudo: desde a paixão violentamente humana de vingar os seus conterrâneos, até à extinção moral do seu corpo, do seu espírito e de tudo aquilo em que ele acreditou.

2. «Uma História de Violência», de David Cronenberg

Um dos grandes filmes da carreira de Cronenberg teria que figurar nos lugares cimeiros desta pequena lista. Um pequeno milagre de cinema, de arte e de catarse como epílogo da tragédia que lhe antecedera. É também um filme sobre o medo: não só o medo dos outros, mas o medo daquilo que fomos e que podemos voltar a ser.

3. «The Departed: Entre Inimigos», de Martin Scorsese

Com esta obra prima de Scorsese, fica completa a trilogia da violência e identidade (juntamente com Munique e Uma História de Violência). Um grande filme, devolvendo a Nicholson o protagonismo dos grandes secundários e consagrando DiCaprio como o grande actor da sua geração.

4. «A Dália Negra», de Brian De Palma

Um dos filmes máximos de De Palma. Um filme negro que permite ao cineasta a liberdade formal necessária para desconstruir todas as convenções interiores ao género e encenar um dos filmes mais hipnóticos do ano.

5. «Maria Madalena», de Abel Ferrara

É um dos filmes mais espirituais da década. Uma história de fé desconstruída pelo desencanto da actualidade. Forest Whitaker é assombroso.

6. «Match Point», de Woody Allen

O regresso de Woody Allen aos grandes filmes, depois de um punhado de filmes muito interessantes, mas menores na sua carreira. Quem diria que era preciso Allen sair da sua Nova Iorque para se reencontrar?

7. «Em Paris», de Christophe Honoré

Foi um bom ano também para o cinema francês (relembremos ainda o muito bom Le Temps Qui Reste, de Ozon), em particular para esta pérola sobre a amizade de dois irmãos, com a sobriedade necessária para retratar uma tragédia, mas com a liberdade formal (sinais de Nouvelle Vague - enfim, Godard, Rivette, ...) possibilitando um encantamento irresistível sobre os lugares, as personagens e a errância dos seus dilemas.

8. «Babel», de Alejandro González Iñárritu

Filme portentoso sobre a incomunicabilidade do mundo. Um filme fundamental de 2006 e que não podia deixar de figurar nesta lista.

9. «World Trade Center», de Oliver Stone

Um comovente reencontro com Oliver Stone e (através dele) com os trágicos acontecimentos vividos em 11 de Setembro de 2001, no World Trade Center. Um filme que dignifica a memória daqueles que perderam a vida nesse dia, mas que sustenta também uma invulgar força anímica para quem os ficou cá a chorar.

10. «Nada a Esconder», de Michael Haneke

Sabendo que se fala tanto (eu incluído) na indisponibilidade do olhar do espectador face às imagens que recebe, Haneke filma este magnífico Nada a Esconder com a subtileza dos vários olhares que o percorrem. É um filme sobre o(s) olhar(es) mas também sobre as imagens e as suas várias decomposições.

segunda-feira, dezembro 25, 2006

Have Yourself a Merry Little Christmas



Em 1944 Vincente Minnelli, um dos nomes maiores do melodrama clássico americano, dava oportunidade a Judy Garland de cantar aquela que, para o meu gosto pessoal, é a melhor música de Natal de sempre. Não sei se pela voz subtilmente operática (como uma cantora de ópera a sussurrar) de Judy Garland, se pelo tom minimalista que de alguma forma ajuda a cristalizar o paradoxo de tristeza e felicidade que define esta época, algo na música me apaixona. Apaixono-me algures entre a sua infinita tristeza e o seu contagiante optimismo, ponderado na voz nostálgica e serena de Garland. Porque me apaixona tanto essa antagónica tristeza, não sei explicar. Talvez pela mesma razão que não sei explicar porque me deixo contagiar pelo ritmo festivo de Santa Claus is Coming to Town. A tristeza e a felicidade não precisam de justificações; elas próprias são a justificação do nosso estado de espírito e da nossa maneira de ser. Tristes ou felizes, nós existimos para além dessas dialécticas, acreditando, pessoalmente, que tristes e felizes é uma lógica bem mais adequada à nossa complexidade e, muitas vezes, à insuficiência de nos apercebermos das nossas próprias emoções.

Votos sinceros de um Feliz Natal e Boas Festas a todos

domingo, dezembro 10, 2006



The Departed, de Martin Scorsese

Classificação:


Numa altura em que os franchises cinematográficos estão cada vez mais a ganhar um lugar na indústria (sobretudo nas sinergias que se conhecem entre o cinema oriental e o americano, nomeadamente no terror), é fundamental definirmos a natureza deste The Departed. Em boa verdade, não se trata de mais uma transposição mais ou menos banal dos meios de produção de um cinema para o outro. Trata-se, sim, do cumprimento da premissa central deste tipo de dispositivos. Isto é: refazer uma história. Ou, para sermos mais tradicionais: recontar uma história. Para todos os efeitos, as histórias sofrem remakes constantes com corpos e lugares diferentes (se Jurassic Park pode ser lido como o revisitar do conto de Frankenstein, também o mais recente Happy Feet pode ser encarado como o refazer da história do Patinho Feio). De facto, The Departed pode e deve ser olhado com esta liberdade formal e dramática, com a abstracção suficiente para percebermos como a mesma história originou filmes tão distintos.

De facto, olhando para Infiltrados e para este The Departed, facilmente percebemos como as sinopses são sempre fracos elementos de caracterização de uma obra. A história é a mesma, mas os pontos de vista são diferentes. A Scorsese interessam-lhe os dilemas melodramáticos que surgem da colisão de pessoas divididas pelas suas opções de vida, mas unidas na sua mais íntima orfandade. Recordo-me da personagem de Leonardo DiCaprio (o melhor actor da sua geração?), um homem que, algures na sua mistura profissional de identidades (é agente infiltrado), esqueceu-se da sua. Na sua errância, procura apenas matar a sua última identidade para poder renascer de volta para a sua vida (haverá algo mais trágico do que esquecermos a verdade da nossa própria identidade?).

The Departed é um filme que recupera uma dialéctica já encenada de forma magistral este ano por outros dois objectos notáveis (Munique e História de Violência). De facto, Scorsese encena-a como se ambas fossem vectores contraditórios de um mesmo corpo (de forma quase trágica, a identidade de cada um também se constrói da nossa relação com a violência e as suas múltiplas interacções). É fundamental sabermos que a violência não existe apenas sob a forma de uma bala a rasgar o tecido de um corpo: ela existe também no rosto de Nicholson e na sua solidão irremediável, confinado a relações transitórias, encontrando um sentido nos filhos que adopta na rua; e também sexual, no triângulo amoroso em que os seus protagonistas se infiltram na intimidade uns dos outros. E a presença subtil mas, ao mesmo tempo, tão forte de uma mulher (Vera Farmiga) nos dilemas centrais do filme, introduz também uma fascinante perspectiva feminina que raramente encontramos em Scorsese. De facto, se existe um lado masculino muito forte nos conflitos morais e bélicos que se desenham neste The Departed, ao seu lado (como se fosse um cheiro suave mas decisivo) a presença de um ponto de vista subtilmente feminino, acaba por converter um conto de armas, polícias e ladrões, numa trágica história de amor. E, como a violência, também o amor existe em todos os seus detalhes. Sem hesitações: uma das grandes obras primas dos últimos anos.

domingo, dezembro 03, 2006



Babel, de Alejandro González Iñárritu

Classificação:

A montagem é uma opção moral

Algures na aridez de Marrocos, ela leva um tiro e desespera um pequeno grupo de turistas, durante uma viagem de autocarro. De onde veio esse tiro? A lógica física obriga-nos a uma resposta simples (vendo o filme, sabemos quem dá o tiro), mas a lógica cinematográfica que Iñárritu propõe parece-me mais interessante. Isto é: percebermos que qualquer acto que tomemos terá consequências no mundo. E sabermos de onde veio o tiro não será tanto uma questão física, quanto cinematográfica ou até mesmo moral. A resposta estaria numa das outras histórias narradas neste magnífico Babel. O filme, tal como Iñárritu o constrói, está agora mais próximo de uma lógica de filme-mosaico do que o primeiro Amor Cão (mais fragmentado e difuso), totalizando um todo que é bem superior à soma das suas partes. As personagens parecem estar perdidas numa tragédia errante sem reversibilidade aparente (a menina japonesa com o olhar revoltado, destinada a ouvir o silêncio ensurdecedor de um mundo que lhe fôra vedado, ou mesmo uma senhora mexicana com problemas em estabelecer uma identidade geográfica no país onde vive há 15 anos). A incapacidade dela em ouvir não será uma mera casualidade (Iñárritu merece-nos mais respeito intelectual do que isso), mas sim uma poderosa metáfora sobre a incapacidade de comunicarmos e estabelecermos o nosso lugar no mundo. Filme político? Claro que sim, mas faz questão de o ser de forma absolutamente lateral (o único vestígio de evidências políticas aparece-nos quando os media anunciam o incidente de Marrocos como um atentado terrorista – curiosa exaltação da verdade). A verdadeira mensagem política surge-nos de forma quase purista (porque desarmadilhada de artifícios ideológicos), devolvendo o centro do mundo às suas pessoas. De facto, ela ouve tanto como nós. Não me entendam mal, não pretendo ter um discurso pessimista sobre as relações humanas, mas interessa-me, porventura, reflectir sobre a ideia de não sermos nós que não ouvimos, mas sim o mundo que nada tem para nos dizer. E ela, a menina japonesa, quer sentir o direito a ser amada como qualquer um, mas ninguém a parece ouvir (estarão tão surdos como ela?). Olhando para a verdade global destas histórias, apercebo-me que raras vezes o mundo esteve tão bem representado no cinema e, também por escassas oportunidades foi uma montagem de imagens usada de forma tão dramática. Em última instância, a escolha do plano seguinte afirma-se mesmo como uma opção moral. Qual? A de construir um sentido.

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