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Um site para pensar sobre tudo e chegarmos sempre a um singular pensamento final: sabermos que nada sabemos.
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Tiago Pimentel
Críticas dos leitores para: tiago_pimentel@hotmail.com

quinta-feira, julho 29, 2004



Fahrenheit 9/11, de Michael Moore

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Depois de «Bowling for Columbine», Michael Moore vira os seus canhões directamente para a administração Bush e respectiva política externa. E o impossível aconteceu. «Fahrenheit 9/11» é ainda mais mentiroso, mais repulsivo, mais manipulador que o seu anterior documentário, com a agravante de ser também chato e desprovido de qualquer ritmo de montagem ou sentido de orientação e objectivo. Mas tem-se gerado um equívoco que me parece grave na generalidade do pensamento comum. Ou seja, cauciona-se este objecto com relativa passividade uma vez que encaixa nos valores e ideologias políticas de cada um. Mas Tarantino disse, aquando da entrega da Palma de Ouro em Cannes, que os méritos eram apenas artísticos e cinematográficos e nada tinham de político. Portanto, aceitemos o desafio e tentemos, então, descobrir esses méritos.

Moore limita-se ao mais básico: passeia todos os clichés que contaminam o pensamento mais preguiçoso do anti-americanismo mais primata (os americanos querem é petróleo, o Bush é feio, o Bush é mau porque tem relações com os sauditas, etc); limita-se ao burlesco mais básico colocando Bush em planos prolongados para arrancar gargalhadas boçais; faz montagens de imagens em que Bush se contradiz sugerindo que ambas se passaram no mesmo horizonte temporal; coloca Bush a dizer "que tudo era mais fácil numa ditadura" tirando tudo do contexto e mostrando apenas a frase que ele quer que seja ouvida; absorve o choro de uma mãe durante quase toda a segunda parte do filme, atitudes que tão peremptoriamente detestamos, reprovamos e criticamos nas reportagens "sociais" da TVI; dá informações falsas, nomeadamente nas eleições perdidas para o morto (mentira, foram perdidas para a mulher do morto); a forma como ele manipula o espectador tentando adivinhar o que pensava Bush ao receber a notícia do atentado de 11 de Setembro, anulando qualquer postura sóbria ou séria que pudesse analisar aquele momento; num momento representa os soldados americanos como assassinos impiedosos que ouvem música assassina e, no momento a seguir, já são vítimas de uma guerra sem causa; insinua que Bush não quis capturar o Bin Ladden, quando toda a gente sabe que aquilo que o Bush mais deseja é apanhá-lo; faz uma manipulação vergonhosa da forma como ocorreram as eleições presidenciais insinuando que foi a FOX a contar os votos e rebuscando de forma triste e absurda a política eleitoral que já existe há décadas nos EUA acusando-a de descriminação da população afro-americana; entrevista apenas pessoas que estão contra a administração Bush, mostrando apenas uma pessoa a favor e confiante do presidente: Britney Spears a mascar pastilha elástica; diz-se defensor dos direitos humanos mas não respeita ninguém que lhe reprove os métodos ou as ideologias, construindo uma montagem de imagens e sons com a única e exclusiva motivação de os fazer passar por parvos. Em boa verdade, a montagem e a manipulação emocional que ele desenha têm muito pouco de documental e muito mais de ficcional. Ou seja, aproxima-se mais de obras de ficção. E será necessário discutir as envolventes contextuais pré-Segunda Guerra Mundial, nomeadamente as querelas políticas, económicas e culturais entre Japão e os EUA para perceber que «Pearl Harbor» é mau?

Claro que é possível separar o conteúdo da forma. É possível ser-se contra quase tudo o que a administração Bush tem feito e, ao mesmo tempo, não gostar do documentário de Michael Moore. Assim como é possível ser-se a favor das grandes linhas de acção da administração Bush e gostar-se também do filme de Michael Moore. Pessoalmente, posso até dizer que vários amigos meus que, no geral, discordam das grandes linhas de acção da administração Bush, sentiram-se insultados com o simplismo e a manipulação irritantes do filme. E agora, repescando a questão de Tarantino, pergunto eu: que méritos artísticos? Que méritos cinematográficos? Até agora ainda não li uma única crítica a favor do filme que não ligasse o disco riscado a balbuciar que o Bush é o diabo em pessoa. E este parece-me ser o maior equívoco de todos. Estaremos nós dispostos a abdicar das componentes mais interessantes e decisivas da nossa postura enquanto espectadores, para nos tornarmos mecanismos de confirmação ou reprovação de campanhas eleitorais? Uma imagem que nunca me há-de deixar enquanto viver: o festival de Cannes a atribuir a Palma de Ouro a este filme. Sim, a Academia deu um prémio considerado menor a «Bowling for Columbine». Mas Cannes deu-lhe o galardão máximo. E isso seria a maior gag de todas, se não fosse a ilustração triste da nossa realidade.

Tiago Pimentel

terça-feira, julho 27, 2004



«I, Robot», de Alex Proyas

Class.:

Mais uma vez, parece-me haver um enorme equívoco por parte da crítica norte-americana. Não apenas porque ignora a especificidade de um objecto como «I, Robot», mas também porque, num curto espaço de tempo, aclamou «Spider-man 2» por uma ordem de razões que usou depois para atacar «I, Robot». Ou seja, estamos na aparente presença de dois filmes de entretenimento superior com a diferença de se reconhecer o direito à frivolidade no filme de Sam Raimi, enquanto o de Proyas já seria obrigado a uma componente reflexiva. Isto implica, claramente, um desconcertante equívoco na análise dos dois objectos, de resto, completamente distintos.

«I, Robot» descende da família visual de «Minority Report» e do seu futuro negro e sujo, onde as imagens das tecnologias de ponta desse tempo se cruzam com sinais do nosso presente. Mas é aí que se esgotam quaisquer semelhanças entre o filme de Spielberg e o de Proyas. O filme de Proyas é um conto de sci-fi sobre a convivência da tecnologia e do humano e das vantagens e perigos que a inteligência artificial poderá simbolizar para a humanidade das futuras gerações. Mas é um filme que dispensa a imaginação do espectador (no sentido de se projectar naquele tempo futuro) para ser profundamente actual. Na verdade, «I Robot» é um exercício brilhante sobre a projecção do nosso conceito de sobrevivência. É um filme de sci-fi sem fífias de argumento com um casamento perfeito entre o entretenimento puro e imaginativo e a fortíssima e pertinente componente reflexiva (mesmo Will Smith funde, na perfeição, todas as suas variações enquanto actor carismático com subtis, mas fortíssimas, componentes dramáticas). É um filme que, para estimular os neurónios do espectador, não precisa de recorrer à redundância de colocar os seus personagens a filosofarem e a debaterem «pensamentos» de «fortune cookies», como na trilogia «Matrix» (talvez isto seja desconcertante para uma parte da crítica que venerou a saga dos manos Wachowski). Afinal, qual é o lugar da máquina num mundo de Homens? Aliás, reformulando e respeitando o pensamento específico do filme: haverá lugar para uma nova forma de pensar? Ou seja, será possível simular o pensamento, as emoções, as imagens, os corpos?

Proyas arriscou a simulação cinematográfica, o visionarismo das novas possibilidades imagéticas. As imagens que compõem o espaço no futuro, que simulam aquilo que foi conhecido como realidade, noutros tempos: os hologramas, o corpo dos robôs, as suas feições e as novas formas de publicidade. Tudo isto são reinvenções de realidades, aperfeiçoadas progressivamente até não se distinguir a realidade da ficção. Ou melhor, até a ficção se tornar realidade e viajarem de mãos dadas nas imagens convulsivas que estão ainda por nascer. É neste interessantissimo enquadramento que nasce «I, Robot». Que enquadramento? A possibilidade do artificial se tornar humano.

Tiago Pimentel

domingo, julho 18, 2004

 



Conjunção kármica de todas as feromonas mais explosivas da História do sex-appeal concentradas todas num só corpo? Ou uma composição genética meticulosamente manipulada em estudos laboratoriais com base em anos de pesquisa e observação? Ou como cantava o outro: Sex bomb, sex bomb...   Só precisa de um bom cineasta que se lembre dela. A propósito, «Girl Next Door» é um filme simpático.  
 
Tiago Pimentel
 


quarta-feira, julho 14, 2004



«The Terminal», de Steven Spielberg

Class.:

O Extraterrestre que veio do planeta Terra

O cinema tem destas coisas. De vez em quando lá aparece um filme que nos devolve o grau zero de todas formas de pensar e sentir. Devolve-nos (a nós, espectadores) porque o cinismo que contamina o pensamento social, já nos fez esquecer que existem lugares dentro do nosso corpo que ainda não foram absorvidos por essa letargia emocional. Num aeroporto onde chegam e partem dezenas de milhares de pessoas por dia, Viktor Navorsky (Hanks) é apenas mais uma falha no sistema: o seu país entrou em guerra civil e Viktor perdeu a sua cidadania enquanto o governo não recuperar o controlo da situação. Nesse sentido, Viktor está proibido de sair do terminal do aeroporto e entrar em Nova Iorque.

É possível sentir que Spielberg terá regressado às suas fontes clássicas mais directas, sobretudo Capra e Keaton. De resto, o herói de The Terminal absorve toda a amplitude do herói «capriano»: é alguém sem lugar, sem nada a não ser um enorme coração capaz de alterar a vida de qualquer ser com quem se cruze. Mais uma vez, seguindo o registo melodramático de «Apanha-me se Puderes», «The Terminal» transcende a frivolidade que o nosso olhar procura numa comédia «light». Sem nos apercebermos, o filme desenha o labirinto existencial de um personagem perdido num aeroporto (e na vida) à procura de completar as últimas memórias paternas (e, num certo sentido, para completar o corpo do pai) e regressar de novo a casa. Na sua passagem pelos EUA, conhece habitantes do mundo cujas relações estabelecidas transcendem qualquer barreira linguística ou cultural. No fundo, é a história revivida do ET. Apesar do extraterrestre, desta vez, ser bem humano, vem de um lugar inventado (Krakhozia, algures na Europa de Leste). É para esse «planeta» que, sabemos, terá de regressar. Em boa verdade, é a tragédia suspensa dos melodramas mais dolorosos de Spielberg: a construção efémera de uma família destinada à separação. Ou, para recuperar a ambiguidade de finais como os de ET ou AI, é a tragédia «happy/sad» desenhada pelo efémero que deixará marcas para o resto da vida.

Mas «The Terminal» não é uma quadro concreto. É, antes do mais, uma pintura abstracta de corpos, estímulos, emoções, sentimentos. Apetece dizer que todos os corpos são aparições. Com tudo o que a palavra arrasta de efémero e eterno. Porque uma aparição pode durar apenas uns segundos aos nossos olhos e permanecer para sempre na nossa memória. Assim é, por exemplo, Catherine Zeta-Jones, personagem feita à imagem de tantas mulheres contaminadas pela errância do amor do cinema clássico norte-americano. Muitos espectadores poderão sentir uma sensação algo desconcertante, já que a história de amor é tratada com a mesma prioridade de outras sub-histórias da narrativa. Talvez porque este filme não é uma história de amor. Pelo menos não entre Viktor e Amelia. É, sobretudo, uma história de um filho que, depois de cumprir a sua missão, apenas quer regressar a casa.

«Life is Waiting» diz-nos o cartaz do filme. Todos esperam, diz Viktor. E num terminal de aeroporto, onde todos esperam vidas que chegam, vidas que partem, o filme dá vida a um pequeno circo de personagens que vivem a sua vida como personagens de um conto de fadas em busca do seu final feliz. Alimentado por gags que nos deixarão um sorriso desenhado no rosto por vários dias e potenciado por uma narrativa melodramática fortíssima, «The Terminal» é uma das mais comoventes experiências dos últimos anos de cinema e um filme que apetece levar para casa e ver, vezes e vezes sem conta.

Tiago Pimentel

terça-feira, julho 13, 2004



Serve este post apenas para dizer que estou apaixonado por este «pequeno» filme. Mais ninguém, hoje em dia, é capaz de fazer algo assim, tão apaixonado, tão hilariante, tão comovente... tão cheio de vida. Um clássico instantâneo que só apetece levar para casa e ver vezes sem conta. «Life is Waiting», diz o cartaz do filme. E se a vida nos espera do lado de fora de um aeroporto, talvez dentro do terminal seja o sítio indicado para filmar os cruzamentos de quem parte e quem chega, o pequeno universo de relações e emoções que aparecem tão depressa como desaparecem, deixando marcas para o resto da nossa existência.

Tiago Pimentel

quinta-feira, julho 08, 2004



Homem-Aranha 2 (Spiderman 2)

Class.:

Aí está ele de volta, um dos heróis mais populares da BD e, objectivamente, uma das mais rentáveis adaptações cinematográficas da História. Fica o herói, reciclam-se os vilões e as temáticas. E ainda bem, até porque o vilão do primeiro filme (o Duende Verde) era fracote e excessivamente tipificado e «cartoonizado». O vilão de Molina (Dr. Octopus) não é muito mais interessante mas sempre preserva uma certa ambiguidade moral e humana no coração da sua personagem. Ainda assim, muito distante da psicose delirante de Joker ou da inquietação humana vertiginosa do Pinguim, respectivamente de Batman e Batman Regressa. Talvez porque a adaptação de Sam Raimi é muito mais «cartoonish» enquanto que a de Burton é, antes do mais, cinematográfica. Resulta de uma efabulação do universo visual do autor, enquanto que Raimi tenta o oposto. Isto é: uma aproximação do cinema aos formatos do «comic». Raimi volta a recuperar o paradigma humano que determina o núcleo dramático desta história: a dualidade de Peter Parker/Spiderman. É aqui que o filme ganha vantagem sobre 90% das adaptações de «comics» dos últimos anos, ou seja, parte de dentro da célula humana do superherói, evitando retratá-lo como um conjunto de superpoderes acumulados num corpo. Mas o filme guarda ainda alguns dos problemas que o primeiro já mostrava: a relação demasiado «teen» e enfadonha de Maguire com Dunst, a tipificação excessiva e «cartoonish» de alguns secundários cuja densidade dramática se podia resumir, de facto, a uma folha de papel de um «comic» (como o editor-chefe do jornal). É, no entanto, mais equilibrado que o primeiro filme, mais coeso e mais conduzido pelas suas personagens. No meio da amálgama de adaptações de «comics» que o cinema vai coleccionando, a saga do herói Aranha continua a ser das mais interessantes e estimulantes. Sem ter a vertigem de Tim Burton, é dos objectos de maior fulgor a nível de entretenimento que o mercado dos «blockbusters» nos tem dado.

Tiago Pimentel

sexta-feira, julho 02, 2004



Marlon Brando (1924-2004)

Morreu, com 80 anos, aquele que era por muitos considerado o «melhor actor de sempre». Marlon Brando morre quase um ano depois de Elia Kazan, realizador de quem foi um dos principais cúmplices humanos e dramáticos. Foi um dos pioneiros mais emblemáticos do Método, sobretudo pela forma como transformava o processo criativo de acting num fenómeno hiper-realista de renovação de todas as formas de representar. Nunca a expressão chapliniana «o mundo é um palco» atingiu proporções tão intensas como no fenómeno Brando. Foi um dos mais revoltados actores de sempre e, talvez por isso, um dos mais polémicos. Em 1973 recusou o Oscar pela sua prestação em «O Padrinho» como voz de revolta à descriminação que Hollywood mostrava pelos Índios nativos dos EUA. Mas para a História ficará, mais do que o Oscar, a imortal e carismática figura de Don Vito Corleone (Brando) que Coppola conseguiu vender ao patrão da Paramount (na altura, Charles Bludhorn) Marlon Brando como ideal para esse papel. Coppola filmou Brando a mascarar-se de Vito Corleone, passo a passo, colocando os lenços de papel na boca e a untar o cabelo. Bludhorn terá dito "quem é este velho? É fantástico!"

Era um actor de excepção, não porque sabia as falas todas de cor ou porque todos os takes lhe saíam bem à primeira. Mas precisamente pelo contrário, como relembra Anthony Hopkins: «Era preciso filmar vários takes com Marlon Brando, porque havia sempre algo que falhava. Mas quando saía bem, era o mais próximo que podíamos estar de um milagre de Deus.» E era nessa ambiguidade, nessa incerteza que Brando construía as suas composições artísticas, como esculturas mais próximas de um conceito dramático do que de uma estrutura bem definida de características, maneirismos e vícios. Lembro-me de «On the Waterfront», por exemplo, num diálogo entre Brando e Eva Marie Saint, quando Eva deixa cair o seu lenço (acidentalmente, já que não constava no guião). Um actor vulgar ficaria sem saber o que fazer e esperava o «corta!» do assistente de realização. Brando pegou no lenço e acariciou-o enquanto continuava o diálogo intensificando a agrura dramática da cena e, de repente, recriava novas formas de explorar a sensibilidade específica de uma situação através do improviso e da incerteza.

Foi um dos pais da representação realista. Talvez seja redundante colocar a questão desta forma. Foi um dos pais do cinema, um dos renovadores dos formatos dramáticos e humanos que nos colocam (a nós, espectadores) em confronto com a sensibilidade realista de uma persona «bigger than life» que nos poderia representar a todos. Talvez fosse isso que o colocava sempre um degrau acima dos outros. Porque ele tinha espaço, dentro de si, para representar todas as formas do humano. Porque ele nunca olhava para o teatro e para o cinema de uma forma matemática ou metodológica. Dentro dele existia o cinema no estado mais puro. Sem equações nem filtros de ensino. Era uma escultura abstracta, uma ideia, uma noção, um conceito. Hoje morreu. Estamos todos um pouco mais desamparados, já que com ele morreu também a inspiração de todo um conjunto de novas gerações. Essa força de vida esgotou-se (em boa verdade, já se vinha esgotando há alguns meses). Mas era uma força «bigger than life» e, por isso, inesgotável. Morreu o corpo, ficou o espírito. Morreu o actor, ficaram as memórias. Em criança chamavam-lhe Bud. Um rapaz sem nome, cuja alcunha o colocava nos pés de qualquer ser humano do planeta. Adeus Bud, you had class. You were someone. You were more than a contender!

Tiago Pimentel

quinta-feira, julho 01, 2004

Pequeno apontamento sobre este dia de hoje, quinta-feira.

Será que se vai escrever direito por linhas tortas?

Tiago Pimentel

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