<$BlogRSDUrl$>

Um site para pensar sobre tudo e chegarmos sempre a um singular pensamento final: sabermos que nada sabemos.
_____________________________

Tiago Pimentel
Críticas dos leitores para: tiago_pimentel@hotmail.com

sábado, maio 29, 2004

Revisitando Eternal Sunshine of the Spotless Mind

Constantly talking isn't necessarily communicating.

Blessed are the forgetful, for they get the better even of their blunders.

How happy is the blameless Vestal's lot! The world forgetting, by the world forgot. Eternal sunshine of the spotless mind! Each pray'r accepted, and each wish resign'd.

I could die right now, Clem. I'm just... happy. I've never felt that before. I'm just exactly where I want to be.

Please let me keep this memory, just this one.

I can't remember anything without you.



Revisitar Eternal Sunshine of the Spotless Mind é como uma redescoberta de emoções, sensações, estímulos. É um filme de rara complexidade intelectual e narrativa mas de uma frontalidade emocional invulgarmente directa e simples. É uma história de amor, ponto! Uma história romântica que procura a dimensão trágica do amor. Que tragédia? Reconhecermos que num presente que habitamos sem a pessoa que amamos, as memórias são, de uma vez só, o mais penoso e precioso que guardamos. Ou seja, são uma forma de recuperar os espaços que já vivemos e que, por circunstâncias que não dominamos, perdemos. Mas a tragédia caminha sempre de mãos dadas com o destino. E o amor habita essa mesma ambivalência. E, por circunstância do tempo, o amor transformou-se em ódio, porque em tempos amou demais. E podemos apagar todas as memórias que guardamos desse amor, desse lugar. Mas não podemos apagar o mapa da nossa sensibilidade mais íntima; isto é: não podemos apagar o desejo recorrente e inevitável de nos apaixonarmos pela mesma pessoa que insistimos em apagar da memória. Este é o maior paradoxo desta magnífica história de amor. E se fosse possível habitar para sempre essas memórias? Ou, pelo menos, recuperá-las de vez em quando para nos relembrarmos de quem fomos e o que buscamos. Eu, da minha parte, continuo a projectar mentalmente as melhores memórias que guardo do filme. E nas memórias que recebemos de outros, reconhecemo-nos. Nessas linhas que também são nossas (do nosso corpo) e que os outros transportam como se fôssemos todos partes fragmentadas de vários corpos. Dos corpos com quem nos cruzamos, dia após dia. Dos corpos que não nos lembramos mas que, invariavelmente, nos transformam sempre um bocadinho. Somos sempre partes de outros corpos. Memórias de outras vidas. Sem elas, perdemos um parte nossa e vários fragmentos de outras existências. Lost in time, like tears in rain.

Tiago Pimentel

domingo, maio 23, 2004

Cannes 2004: Festival ou comício?

Finalmente a prova que Cannes começa a ser o festival mais académico, político (no pior sentido da palavra), previsível e escancaradamente militante que existe à face do planeta. Já há uns anos que isto vinha a acontecer mas sempre disfarçado por um véu artístico (fosse na realização muda de Roman Polanski ou na determinação artística de Gus Van Sant). Mas este ano chegou a níveis de insólita mesquinhez. Pela primeira vez, um festival serviu de propaganda política para que um filme/documentário ganhasse mais visibilidade, mais hipóteses de distribuição e até mais aculturação política no sentido de pressionar as massas a não reelegerem o presidente Bush em Novembro. É um pack 3 em 1 com uma vida temática de 6 meses como o Eurico de Barros bem relembrou. Aguardemos pelo filme mas bastam as imagens que já foram mostradas, complementadas com os comentários estupidificantes do seu realizador para assegurar um espectáculo simplista mas com o discurso antiamericano muito bem estudado, bem ao gosto da esquerda reaccionária das elites intelectuais francesas (e europeias). A própria Susan Sarandon, já reconhecida pelo seu activismo contra a administração Bush, ficou incomodada com o histerismo panfletário de «Bowling for Columbine» e do seu excêntrico realizador. Na altura, descobriram mesmo que o próprio Moore enganou meio mundo nas suas entrevistas para levar as pessoas a dizerem o que ele queria (e daí ter surgido a tal petição para lhe retirarem o Oscar). É possível ser pro-americano, anti-americano e até um bocadinho de ambos. Mas, numa sugestão um pouco irónica, alguém devia seguir a mesma tese que ele e fazer um documentário com a seguinte linha de pensamento: como é que o festival mais conceituado de cinema do planeta premiou o documentarista mais estúpido do mundo e como é que ainda há quem o aplauda durante 20 minutos. Tilda Swinton esticou o punho cerrado quando o filme terminou, mas esqueceu-se de deixar um dos dedos esticados.

Os prémios mais importantes:

PALMA DE OURO

«Fahrenheit 9/11», de Michael Moore (EUA)

GRANDE PRÉMIO

«Old Boy», de Park Chan-Wook (Coreia)

PRÉMIO DE INTERPRETAÇÃO FEMININA

Maggie Cheung, em «Clean» (França)

PRÉMIO DE INTERPRETAÇÃO MASCULINA

Yuuya Yagira, em «Nobody Knows» (Japão)

PRÉMIO DE REALIZAÇÃO

Tony Gatlif, por «Exils» (França)

PRÉMIO DE ARGUMENTO

Agnès Jaoui and Jean-Pierre Bacri, por «Comme une Image» (França)

PRÉMIO DO JÚRI

Irma P. Hall («O Quintento da Morte») e «Tropical Malady», de Apichatpong Weerasethakul (Tailândia).

CÂMARA DE OURO

«Or», de Keren Yedaya (Israel)

Tiago Pimentel

sexta-feira, maio 21, 2004

Andy Kaufman: Morto ou vivo?

Foi um dos mais polémicos humoristas da História e, seguramente, um dos mais lendários. Ficou famoso pelas suas imensas criações artísticas (Latka provavelmente foi a mais determinante) e, também, pela forma como enganava o mundo inteiro com as suas partidas deliciosamente infantis. Mas fará sentido continuar a falar no passado? Estava a percorrer as notícias no Yahoo quando dei com esta notícia, no mínimo, curiosa: http://news.yahoo.com/news?tmpl=story&u=/040519/234/726q1.html

A notícia remete para aquele que, a provar-se verdade, será o maior embuste de Andy Kaufman e, provavelmente, de sempre: a farsa da sua própria morte. Verdade ou mentira, a minúcia com que tudo foi feito merece uma vista de olhos. Vale ainda a pena visitar (como indicado no site supracitado) o blogue do pseudo-Kaufman.

Na morte ou na vida, a presença de Kaufman, 20 anos depois, continua a acompanhar-nos e a provar, se provas fossem ainda precisas, que já há muito que abandonou a mortalidade para se tornar numa entidade lendária.

Parabéns Andy,

Tiago Pimentel

quinta-feira, maio 20, 2004



Eternal Sunshine of the Spotless Mind

Site Oficial

Class.:

Será possível revisitarmos as nossas memórias como paisagens físicas da nossa anatomia enquanto seres humanos? Ou seja, será possível regressar aos melhores momentos da nossa vida e vivê-los uma segunda vez, como se estivéssemos "lá". E "lá" não interessa, é num lugar específico da nossa memória que nos remete para emoções, sentimentos e vivências. É poder regressar ao restaurante onde jantámos pela primeira vez com a pessoa que amamos. É poder regressar à casa de Verão onde passámos férias inesquecíveis. «Eternal Sunshine of the Spotless Mind» é um filme que nos devolve essa especificidade do cinema. Qual? A possibilidade de converter o abstracto em concreto, os pensamentos em espaços, as memórias em sentimentos. Quem conhece o trabalho de Michel Gondry, sobretudo a sua colaboração com Björk, já espera um universo de novas imagens e novas desconstruções do real que desafiam constantemente as ideias feitas do nosso olhar. E quem conhece o trabalho de Charlie Kaufman, sabe que o original, inesperado e surreal são sempre palavras de ordem. E quem conhece o trabalho de Jim Carrey é melhor não esperar absolutamente nada, já que o actor está num registo de inaudita contenção (podia agora falar-se em «Man On the Moon», mas creio que o melodrama não é o que o actor procura neste registo). Podia também falar-se de um filme que vive da sua esquizofrenia, mas creio que se iria alienar esta temática em função do mais simplista. Isto é: falar-se do prazer, mais ou menos lúdico e surreal, de acompanhar a viagem de um protagonista na sua própria mente. Mas o mais esquizofrénico e interessante é apercebermo-nos que as mesmas memórias que tão desesperadamente as personagens querem apagar (para seguirem com a sua vida) são precisamente o que de mais precioso guardam dentro de si. Aqui sim, o filme recupera um dos paradigmas mais barbudos do cinema e que clássicos como Ford, Hawks, entre outros, dominavam em absoluto: a dimensão trágica do ser humano.

Tiago Pimentel

segunda-feira, maio 17, 2004

Uma final de taça bem disputada. Os primeiros 20 minutos (e não 10/15 como disseram os infelicíssimos comentadores da TVI) foram de domínio avassalador do Benfica. Um domínio como o Porto provavelmente nunca sofreu esta época. As coisas reequilibraram-se. A meu ver, é falso dizer que o Porto controlou a partir daí. Deco era o FC Porto. Dois jogadores ficaram por expulsar: Nuno Valente por uma cotovelada estilo râguebi e Maniche por trepar para as costas de Fernando Aguiar à la Karate Kid. Mas lamentáveis mesmo foram as palavras finais de Mourinho: "O árbitro é uma farsa e o Benfica não mereceu ganhar." Nenhuma das afirmações tem verdade suficientemente chocante para serem afirmadas de forma tão taxativa. Aliás, eu nem lhes reconheço grande verdade. É fácil saber ganhar... o difícil é saber perder.

Tiago Pimentel

segunda-feira, maio 10, 2004



«Tróia», de Wolfgang Petersen

Site Oficial

Class.:

Chega a ser desconcertante como uma superprodução desta dimensão (cerca de 175 milhões de dólares) consegue tão impressionante desperdício de dinheiro por milímetro quadrado de fita. E o pior é que, provavelmente, vai ser catalogado de “típica superprodução de Hollywood”. Como se as raízes do cinema americano fossem estas. Aliás, «Tróia» está mais próximo de uma daquelas superproduções europeias («Enemy at the Gates», «Astérix & Obélix») que se preocupam tanto em gastar dinheiro na reconstruções históricas mas depois ninguém sabe bem como as filmar. Não há qualquer sentido geográfico dos espaços e dos cenários durante o filme inteiro; está a ser filmado em Tróia como podia ser na praia de Carcavelos. Os actores não têm presença e muito menos personagens para trabalharem: Brad Pitt está entalado numa versão “herói para teenagers” que o ridiculariza e reduz a um protótipo do mítico Aquiles; Eric Bana encaixa umas frases «série b» de bom líder sem quaisquer desequilíbrios humanos; Orlando Bloom... é Orlando Bloom; Diane Kruger não tem a dimensão de beleza (em todos os sentidos e não apenas no tratamento fotogénico) que a iconográfica Helena de Tróia merecia; e Brian Cox foi despachado com o autocolante de vilão ultra-maléfico sem escrúpulos.

Uma história tão imponente como «A Ilíada» merecia muito mais que um telefilme com vedetas bronzeadas e uma banda sonora importada das piores séries bíblicas para encher os Domingos de Páscoa.

Tiago Pimentel

quinta-feira, maio 06, 2004


What movie?

The Dreamers, de Bernardo Bertolucci

Site Oficial

Class.:

O cinema visto pelo cinema

Fulgorante! Não é todos os anos que aparece um objecto com tanto vapor passional pelos seus contextos, pelo seu tempo e pelo seu espaço. Dito de outro modo, «The Dreamers» é um filme passado durante a geração específica de Maio de 68, mas parece ocupar várias dimensões geracionais. Talvez porque o cinema, ou a imagem, possa servir de ponte geracional para outras formas de pensar e de sentir.

Com «The Dreamers», Bertolucci quis mostrar aos jovens de hoje um tempo em que o futuro ainda era algo de positivo. Talvez por causa dessa nostalgia em relação a um tempo em que ainda se acreditava na revolução dos ideais, este filme tenha sido tão atacado por saudosismo esquerdista ou por epítetos mais graves ainda. Em todo o caso, também me parece que «The Dreamers» se sente um pouco exterior a essa revolução; afinal de contas, ela acontece mas é sempre lá fora, nas ruas, vemo-la ocasionalmente pela janela, os barulhos, os sinais (provavelmente o final é o único desequilíbrio do filme). Este é um filme sobre cinema e sobre cinefilia. E porque cinefilia se decompõe logicamente por amor ao cinema, também os seus personagens se transfiguram nesse amor absoluto como se fossem partes de um único corpo.

E as imagens de outros cinemas habitam «The Dreamers» como memórias íntimas dos seus próprios personagens e, nesse sentido, como se fossem parte dos seus próprios corpos. É um cinema carnal, visceral, talvez dos mais carnais de que há memória. Porque o cinema e as imagens são como memórias, fragmentos do nosso corpo que os três personagens partilham como se nelas se reconhecessem e que carregam como citações das suas próprias existências. “És um de nós”, grita o casal francês. Nesta frase habita uma ingenuidade que tem tanto de infantil como de perverso. Porque, como crianças grandes em que o sexo ainda simboliza o maior dos enigmas, a nudez dos corpos é o único diálogo em que os três se vão reconhecendo. “De que filme é?” será outra maneira de perguntar “Quem sou eu?”. É nestas interrogações que nascem as diferenças e o trágico fatalismo da distinção dos corpos.

Tiago Pimentel

This page is powered by Blogger. Isn't yours?