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Um site para pensar sobre tudo e chegarmos sempre a um singular pensamento final: sabermos que nada sabemos.
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Tiago Pimentel
Críticas dos leitores para: tiago_pimentel@hotmail.com

sexta-feira, outubro 31, 2003

CONFESSIONÁRIO

- A Verdade e a Lei


Bom, chegámos à última sexta-feira do mês e é altura de Confessionário. O mês foi, de facto, dos mais convulsivos dos últimos tempos, talvez por estarmos a caminhar cada vez mais no sentido de várias verdades (legais e morais) na nossa sociedade - e a verdade é sempre convulsiva. Foi um mês onde se desmascararam várias carecas, nomeadamente a de quem pensava que o sistema judicial funciona num regime perfeitamente idílico, como se fosse exterior ao factor humano, imperfeito por natureza. No entanto, a questão da violação do segredo de justiça foi, como tudo, tratado numa gigantesca máquina de «marketing» mediática, onde qualquer informação, por mais especulativa que fosse, poderia ser usada para aumentar o clima de histeria em volta da situação legal e política do nosso país. E no meio deste caos, ninguém parou para pensar afinal de onde vêm estas informações e em que contexto foram obtidas e produzidas. Miguel Sousa Tavares tocou em questões decisivas no Jornal da TVI, como a descontextualização falaciosa de informações proferidas em circunstâncias específicas e a própria violação da privacidade do indivíduo. Não é problemático que se revelem segredos fundamentais para o funcionamento eficaz da justiça? E se fossem informações protegidas por sigilo profissional, como as de advogado-cliente ou psicólogo-paciente?

Em boa verdade, creio que há situações limite em que esses segredos deixam de o ser e são transcendidos por circunstâncias que desafiam todos os cânones que criámos para nos organizarmos enquanto sociedade e civilização. Por lei, os órgãos de comunicação social têm o direito a proteger as suas fontes. Mas numa situação limite, em que se colocassem em causa os fundamentos legais do próprio sistema judicial que legislou essas regras, não seria um paradoxo continuar a aceitá-las? É, possivelmente, altura de pensarmos em que situação (moral, ética, social, legal) esta fragilidade do segredo de justiça nos colocou. É apenas mais um falhanço do sistema (porque humano)? Ou será um erro de raíz com os fundamentos originais que construiram a base do nosso próprio sistema legal? Pessoalmente, não tenho a resposta objectiva para este assunto. É uma questão que vem da religião; o grande problema por trás de religiões como a católica é escudarem-se em valores tradicionais esquecendo que o Homem (pilar fundamental em qualquer religião) já evoluiu e construiu novas gramáticas de ética e moral. E sejamos francos, esta é uma questão que ultrapassa a geografia dos tribunais. A capa da última edição da revista Flash trazia Paulo Pedroso com a sua namorada, numa entrevista intitulada "Como vivem com a suspeita de pedofilia". Paulo Pedroso, um sujeito bastante reservado, está subitamente a dar entrevistas à revista Flash. Mas creio que para demonstrar esta publicidade enganosa bastava ver a recepção despropositada - digna de herói de guerra - que Pedroso recebeu pelos seus colegas de partido, quando saiu da prisão.

A vantagem de estar a escrever um texto de opinião em vez de um texto legal é estarmos protegidos contra os efeitos sociais e humanos que uma decisão desse calibre possa provocar. Será que desmascarar as fontes que passaram a informação cá para fora iria beneficiar o estado legal do nosso país? Parece-me que tudo isto ultrapassa a lei. É, antes de mais, uma questão de ética (não é a ética que se esconde por trás de todas as leis?). Proponho deixarmos de lado todas as luxúrias legais e as ginásticas gramaticais para reflectirmos sobre o valor ético que está por trás disto tudo. Afinal, estamos ou não à procura da verdade? Continuarão os nossos princípios e valores adequados ao estado evolutivo da nossa civilização actual? Mais: não serão inimigos da evolução? São apenas perguntas e não insinuações de uma qualquer retórica mais irónica. A verdade é convulsiva e acreditarmos que estamos num nível civilizacional que nos permite lidar com a verdade do mundo e das pessoas com relativa estabilidade, é uma ilusão. As convulsões e os constantes desequilíbrios sempre fizeram parte da evolução humana e acreditar que chegámos a um nível de estabilidade onde já não precisamos de mudar é o mais grave erro que podemos cometer.

Bom fim-de-semana,

Tiago Pimentel

quarta-feira, outubro 29, 2003

Uma das notícias do dia parece ser o passe de bota do Deco para o árbitro Paulo Paraty. Enfim, a atitude é de lamentar e parece-me óbvio que Deco tem que receber uma punição disciplinar. O que me parece também lamentável foi o tratamento que a TVI fez da notícia, algo que o Miguel Sousa Tavares soube chamar a atenção e desnudar o problema. Dizia a notícia, das 4 ou 5 vezes que foi anunciada, que Deco poderia ser castigado por um periodo máximo de 4 anos, caso se provasse tentativa de agressão ao árbitro e/ou ferimentos graves. Claro que o problema da notícia estava logo à partida situado na forma como a locução estava completamente deslocada das imagens que estavam a passar. O comentador Miguel Sousa Tavares apontou isso, no seu estilo irreverente e contundente, uma vez que Deco apenas lançou a chuteira ao árbitro sem intenção de o ferir. Enfim, ele preferiu acusar o apresentador do noticiário de cobardia clubista, embora ele saiba a razão exacta e não tivesse nas melhores condições para a pronunciar. O problema reside na política sensacionalista de apresentação das notícias. Se não for polémica o suficiente, porquê não a tornar mais polémica? A função dos órgãos de comunicação social tem uma dimensão cada vez mais de fabricante de informação do que propriamente de divulgação. Mas isso tem vibrações directas e mais ou menos reversíveis com o formato televisivo, sobretudo nos «reality shows» onde já não parece ser possível a ideia inicial e inocente de acreditar no lado expontâneo e genuíno do Ser Humano e tentar construir reacções falsas para enganar o espectador. Como se a mentira aparentasse ser mais genuína que a verdade. Como se para estimular o olhar cada vez mais indiferente do espectador fosse necessário encenar tristes espectáculos como o Vidas Reais, tentando vender falsas verdades, esticando até ao limite todas as credibilidades. Mais: colocando em causa a própria inteligência humana. A TVI tem servido de bode expiatório para este tipo de desvios deontológicos mas a questão é bem mais generalizada. O problema é só este: caminhamos para um futuro onde já ninguém parece querer lidar com a verdade. Mais ainda: a verdade não é mais que uma peça de «marketing» para se poder encenar os tristes espectáculos do «entertainment» contemporâneo. Desde as novelas, aos «talkshows» e noticiários. O mais grave é começarmos a perceber que a verdade começa a variar radicalmente consoante as convicções pessoais de quem a redige.

Tiago Pimentel

terça-feira, outubro 28, 2003




Brendan: A love like that doesn't come up twice in your life!
Sean: Most of the times, it doesn't come once.


Site Oficial

«Mystic River», de Clint Eastwood

Não é todos os anos que aparece um filme a instalar-se de forma tão directa e omnipresente nas vibrações mais emocionais da morte. Clint Eastwood é, de resto, um dos cinestas mais obcecados com as variações dramáticas que a morte pode impor aos seus filmes e às suas narrativas. «Mystic River» talvez seja o culminar de tudo isso, de uma súmula de obras instaladas nessas variações, aproveitando para transformar aquilo que podia ser uma ficção policial mais ou menos interessante num poderosíssimo drama sobre a omnipresença da morte e da sua contextualização... na vida. A realização é profundamente clássica mas as perturbações são intemporais. «Mystic River» é, antes de mais, um filme coladíssimo aos lugares, uma espécie de narrativa onde a geografia emocional é decisiva para as reacções e comportamentos dos corpos; é, acima de tudo, um filme que arrasta a morte desde o início como mais um lugar, uma geografia do corpo humano, ali bem perto de nós, ao virar da esquina, sentada ao nosso lado à porta de casa. Nesse sentido, «Mystic River» é também um filme sem qualquer espaço para romantismo ou alívios bucólicos; é um drama profundamente desencantado com o ser humano onde não acredita existir já espaço para o amor (enfim, dá um desconto de esperança).

Na verdade, as personagens de Eastwood são como anjos da morte, corpos que arrastam consigo sinais de uma impotência vivencial imensa, mortos antes mesmo que o corpo se decida a morrer. E são todos geniais, desde o trabalho assombroso de Tim Robbins até à mais angustiante contenção dramática de Kevin Bacon. Todos transportam consigo restos da vida de outros corpos com que se cruzaram. Eastwood dá espaço para todas as personagens existirem fora de um vácuo interior de composição dramática, como espelhos de outros rostos com os quais partilharam e partilham a sua vida. No limite, «Mystic River» acaba mesmo por ser um filme sobre a necessidade do ser humano em transportar consigo a energia de outros corpos além do seu. E essa necessidade é tão radical que caminha constantemente no fio da navalha, entre a vida e a morte, a vingança e a culpa. É, também, um filme profundamente social e com a consciência de que as especificidades daquela comunidade se entranham na pele de cada um como se fossem poeiras do ar. Resta saber até quando a água do Rio Mystic continuará a ser suficiente para lavar as memórias que impedem o romantismo esquecido de se voltar a instalar no espaço humano.



Class.:

Tiago Pimentel

domingo, outubro 26, 2003



Lt. Dan: Have you found Jesus yet?
Forrest: I didn't know I was supposed to be looking for him, sir.



Ontem passou na SIC, ao fim da tarde, um filme que eu já não via há uns 5 ou 6 anos e que foi uma experiência revigorante redescobri-lo. Falo de «Forrest Gump». Tom Hanks é, de facto, um dos mais geniais actores - e adicionar o «sufixo» contemporâneos seria completamente redutor - da História do cinema. Trata-se de um actor onde habita uma dimensão da mais genuína sinceridade, como se toda a verdade do mundo se decidisse no seu corpo. Nesse sentido, a sua personagem transporta uma certa verdade: a da história americana, ora escrita pelos erros mais infantis, ora promovida pelos mais belos ideais, mas sempre em constantes convulsões. É um dos mais belos filmes do mundo e, também, dos mais encantadores. Tocou o coração de muita gente e, por isso, tornou-se um objecto de olhares suspeitos por parte de alguns sacerdotes que promovem o culto elitista da Arte. Isto implica dois perigosos pensamentos: primeiro, implica que se toda a gente amasse, por exemplo, «India Song» já não seria possível essa elite gostar do filme (e eu sou o primeiro a dizer que gosto muito, mas mesmo muito); e em segundo lugar, implica que, como muita gente gostou do filme, se pense que gostaram todos da mesma forma. Está muito na moda desprezar alguns filmes com frases feitas como: "Ah, desse filme toda a gente gosta." Como se isto minorasse o valor do filme e, pior ainda, presumisse que toda a gente viu o filme da mesma forma. Será assim tão difícil perceber que um filme é feito sempre para um espectador e que, no limite, posso sentir-me mais próximo dos argumentos de alguém que não gostou de «Forrest Gump» do que de alguém que gostou?

Acima de tudo, é um filme que nos devolve um sentido muitas vezes perdido e mal-tratado em cinema: o da perspectiva. É um filme que assume uma perspectiva de início ao fim. Um filme que me voltou a destruir, por completo.


Class.:

Tiago Pimentel

sexta-feira, outubro 24, 2003



It's tiring to kill a man.


«Swimming Pool», de François Ozon

É um dos grandes filmes do ano e, provavelmente, o melhor do cineasta francês François Ozon. Os mais primários dos adeptos do anti-americanismo (e, por imediato contraste, apologistas de tudo o que se faz na Europa e continentes vizinhos) gostarão certamente muito do cinema deste realizador francês, mas estariam a esquecer-se que a grande fonte de filmes como «8 Mulheres» e «Swimming Pool» é, precisamente, o cinema norte-americano. E se «8 Mulheres» era o revisitar glorioso dos grandes musicais clássicos americanos, «Swimming Pool» é uma arrepiante e sufocante incursão pelos labirintos «hitchcockianos» baralhados pelas coordenadas surreais de David Lynch.

A atmosfera de cortar à faca passa, antes de mais, pelas personagens. Sobretudo, pela forma como os actores dão espaço ao próximo para se manterem numa realidade sempre incerta e ambígua, a oscilar entre o que está a acontecer no real e no livro. Faz tudo parte de um todo cinematográfico que Ozon gere com um controlo cada vez mais apurado. É, também, um poderoso filme sobre a fragilidade do feminino e a necessidade de reencontrar uma relação impossível entre mãe e filha atingindo níveis de insondável ambiguidade onde já não se sabe quem sente a falta de quem. É um dos filmes mais sufocantes dos últimos tempos, mas também um dos mais comoventes.



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Tiago Pimentel


You fascinate me.

Site Oficial

«Crueldade Intolerável», Irmãos Coen

Os manos Coen sempre me pareceram uma dupla de estudantes aplicados com um conhecimento superlativo da história do cinema e de um fascínio intelectual imenso. Falta-lhes, a maioria das vezes, mais do que uma vontade lúdica de desconstruir tudo aquilo que conhecem e sabem de cinema. Acima de tudo, estão numa fase de crise de ideias, distantes da inteligência narrativa de «Fargo» ou do negrume sufocante de «Blood Simple». George Clooney volta a arrastar a sua personagem pitoresca e infeliz de «Irmão, Onde Estás?» num ingrato esforço de colagem à parte burlesca de Cary Grant, enquanto Catherine Zeta-Jones vai beber às personagens «bacallianas» (enfim, tenta...).

«Crueldade Intolerável» é uma tentativa de reconstrução contemporânea dos melodramas clássicos mas fica-se pela importação elementar de meros sinais e indícios desses filmes, resultando um cinema frágil e fragmentado. Muito pouco de orgânico habita neste último filme dos Coen - aliás a parte do discurso de Clooney (invocando o cinema de Capra) fica-se pela dimensão mais simplista e maniqueísta de um certo discurso moralista que nada favorece a riqueza humana do cinema de Capra. Os Coen estão a precisar urgentemente de um grande argumento para os estimular e abandonarem de vez estas caricaturas ridículas e falsamente despretensiosas.


Class.:


Tiago Pimentel

terça-feira, outubro 21, 2003

Uma notícia triste...



Foi diagnosticado um cancro na próstata ao actor Robert De Niro. Felizmente, o cancro foi detectado ainda muito cedo e os médicos esperam uma recuperação total. Do artigo que li na Movie News pareceu-me que o porta-voz de De Niro transmitiu entusiasmo e desdramatizou a doença do actor. E de facto, o estado prematuro do cancro poderá ser uma forte componente para se ultrapassar rapidamente este obstáculo e continuar em frente. Força Robert!

Tiago Pimentel
O acontecimento cinematográfico do ano? Não sei, mas é de longe uma das mais esperadas edições de dvd de sempre. Isto no mesmo dia em que saiu Once Upon a Time in the West, de Sergio Leone. Pode dizer-se que é um dia em cheio. Quem quiser ler o meu texto poderá fazê-lo na secção de notícias do CINEMA2000 (www.cinema2000.pt)

Deixo-vos aqui algumas fotografias de antologia, uma espécie de álbum de memoires:



Tiago Pimentel

segunda-feira, outubro 20, 2003

Terminal - começaram as filmagens

O último filme de Steven Spielberg começou a ser filmado no passado dia 1 de Outubro em Los Angeles. «Terminal» conta a história de Viktor Navorski (Tom Hanks), um homem que parte para visitar a cidade de Nova Iorque. Durante o voo, a sua cidade de origem inicia um processo de guerra feroz, invalidando o seu passaporte e qualquer hipótese de entrar nos EUA. Navorski terá que improvisar os seus dias e noites num terminal do Kennedy Airport.

Spielberg volta a trabalhar com Hanks («Saving Private Ryan» e «Catch me If You Can»), desta vez com um elenco secundário onde se contam nomes como Catherine Zeta-Jones (uma secundária principal), Diego Luna, Barry Henley, Kumar Pallana, Zoë Saldana, Eddie Jones e Jude Ciccolella.

Tem sido um dos projectos mais enigmáticos do cineasta até porque ainda ninguém conseguiu enquadrar o projecto no registo pessoal do realizador. Teremos que aguardar pelo próximo ano para descobrir as especificidades do próprio filme.

Tiago Pimentel

sábado, outubro 18, 2003


Indiana. Indiana, let it go.

«Indiana Jones and the Last Crusade», Steven Spielberg

Sugestão de última hora: Acabei de verificar que a SIC vai transmitir esta tarde um dos ícones máximos do cinema-aventura: «Indiana Jones and the Last Crusade». É, provavelmente, o filme mais (auto)paródico dos três mas, paradoxalmente, o mais sério. Nada de contraditório, em boa verdade, até porque se há alguma coisa que os Capras, os Godards e os Wilders nos ensinaram é que as mais decisivas questões da vida discutem-se numa subtil ligeireza, nunca frívola mas sempre presente. Foi o primeiro filme de Spielberg marcado por uma explícita relação de pai e filho que, aliás, como ele próprio confessou, foi o «Indy film» que mais prazer emocional lhe deu. Foi, em última instância, o filme que passou definitivamente o herói mítico Indiana Jones para a idade adulta.

Este é também um bom aperitivo para o lançamento da trilogia em DVD, já dia 21 de Outubro (o acontecimento cinematográfico do ano?) e, também, para pensarmos sobre o 4º filme que, em boa verdade, estará já instalado na fase adulta e amadurecida em que o 3º nos deixou.


Class.:


Tiago Pimentel


«O meu filme não é sobre o Vietname... o meu filme é o Vietname»

Francis Ford Coppola no Festival de Cannes em 1979


Cinema em Casa

Lembrei-me de uma pequena sugestão para cinema em casa este fim-de-semana. Passa às 15h45 de Domingo, no Lusomundo Gallery (se a informação da Tvcabo estiver correcta), o épico de guerra de Francis Ford Coppola: «Apocalypse Now Redux». Sem quaisquer equívocos, trata-se de um dos filmes máximos a revisitar os fantasmas da guerra do Vietname e a afundar-se num inferno humano perturbante e angustiante. Os 50 minutos a mais que Coppola acrescentou retiram alguma da ambiguidade narrativa do filme mas oferecem-lhe alguma consistência, introduzindo um elemento que, até aí, era absolutamente inexistente e estranho ao universo: o romantismo. Neste sentido, a versão alargada do filme fica a dever mais ao cinema clássico e às convenções do género, por oposição à singularidade do enigma cinematográfico que o filme original representa. Seja como for, são duas obras-primas do cinema que vale sempre a pena rever e revisitar. Para acompanhar o filme na perfeição, sugiro também o visionamento posterior do documentário «Hearts of Darkness: A Filmmaker`s Apocalypse», de Fax Bahr, George Hickenlooper e Eleanor Coppola, para se perceber o inferno que foram as filmagens de «Apocalypse Now».


Class.:

Bom fim-de-semana,

Tiago Pimentel

sexta-feira, outubro 17, 2003

Alvaláxia

Aproveitei o fim de tarde para estrear as novas salas do Alvaláxia onde vi um filme muito interessante: «Laurel Canyon»/«Atracção Acidental». Sobre o filme escreverei depois, mas de uma forma meramente impulsiva, era o filme que eu precisava de ver a seguir a «Kill Bill»; ou seja: «Laurel Canyon» é um filme agarrado às suas personagens, dependente delas. Quanto às salas, em primeiro lugar devo dizer que a mão da Atalanta associada a uma consciência apurada de mercado permite a distribuição cinematográfica mais variada e nas melhores condições técnicas no mercado português. É possível encontrar filmes como «Bad Boys 2», «Dogville», «Laurel Canyon», «American Pie 3», apenas para citar alguns como prova da sinopse mercantil que o Alvaláxia consegue obter. As salas parecem reunir todas as condições estruturais e técnicas necessárias. Ficaram, no entanto, por estrear as salas maiores - tudo a seu tempo, ainda arranjo coragem para ir ver o «Bad Boys 2». Um ponto que também me agradou foi a imensa simpatia e educação que os funcionários demonstram, sem deixar escapar um boa-tarde ou um obrigado. São coisas pequenas, mas são as que nos separam de outros países evoluídos. Começamos a ir pelo bom caminho.

Tiago Pimentel

quinta-feira, outubro 16, 2003


He killed nine inocent people, including my baby. He made only one mistake. He should have killed ten.


Site Oficial

«Kill Bill» de Quentin Tarantino

O Narcisista

Existe uma frase de entrada em «Kill Bill» que me parece decisiva para perceber o espírito narcisista que contamina o primeiro volume deste filme: “O quarto filme de Quentin Tarantino.” De facto, existe uma estranha sensação de deja vu que percorre o filme inteiro; uma espécie de cinema de epiderme que foi buscar referências a diversas correntes cinéfilas – desde a habitual contextualização contemporânea do Western spaghetti (com amor pela dimensão operática da música de Morricone) até ao filme de artes marciais – misturando tudo num cocktail de cores e sons que é, de facto, um festim visual de encher o olho. Por outro lado, há uma desconcertante sensação de vazio no meio de todo aquele Carnaval de cores, criando um estranho efeito demonstrativo de memórias específicas a diferentes tipos de cinema; como se Tarantino resumisse numa sinopse cinematográfica, diferentes correntes cinéfilas por sinais mais ou menos elementares (das cores à música) que estamos habituados a reconhecer de imediato.

Claro que não faltará muito até algumas pessoas começarem a defender que se trata apenas da primeira parte de um filme e que, como tal, não pode ser correctamente criticado. Por um lado, não temos, de facto, culpa que a Miramax tenha decidido partir o filme em dois para maximizar o lucro (para todos os efeitos, é um filme de 110 minutos aproximadamente); por outro, as pessoas que acusaram os detractores de «Matrix Reloaded» de falta de legitimidade, uma vez que era apenas a primeira parte de um filme, foram as mesmas que não se inibiram de colar também a sua opinião entusiasta. Devo dizer que uma parte de mim gosta de reencontrar estas referências filtradas pelo cinema de Tarantino que é, de resto, um cineasta tecnicamente no pico da sua carreira. Outra parte de mim, mais significativa, sente falta da liberdade formal e apaixonante que Tarantino conseguiu mostrar em «Jackie Brown». «Kill Bill» é, nesse sentido, uma regressão na obra do realizador e uma frustração emocional absoluta. Uma espécie de exercício narcisista de fim de curso, para demonstrar como é possível desconstruir tudo que se aprendeu. E isto vindo de um cineasta que se gaba constantemente de nunca ter frequentado nenhum curso de cinema e de ter aprendido tudo num clube de vídeo. Mesmo as elipses narrativas que tanto encantaram em «Pulp Fiction» começam a parecer também, e apenas, mais uma (auto)referência. Num filme, todo ele, alimentado obsessivamente por sinais com uma marca temporal específica sem o deixarem alcançar uma identidade própria e um caminho. Nesse sentido, infelizmente, é o primeiro filme falhado de Tarantino.




Class.:


Tiago Pimentel

quarta-feira, outubro 15, 2003



You're not a bad guy. You're just not a very good one.

«Matchstick Men», de Ridley Scott

Site Oficial


O último filme de Ridley Scott consegue uma invulgar e agradável proeza: recupera a tradição dos «heist movies» (ou filmes golpada) respirados pela atmosfera «cool» da banda sonora de Hans Zimmer, ao mesmo tempo que reconverte totalmente essa dimensão numa espécie de subtexto mais ou menos formal de uma narrativa que, a pertencer a algum "género", será o do melodrama e de todos os seus desequilíbrios familiares na procura constante de uma ordem.

Este é, de facto, o lado mais interessante de «Matchstick Men», isto é: a colocação em campo de uma personagem (a filha) que irá desequilibrar por completo a vida de um coleccionador de tiques nervosos (já por si, muito desequilibrado) e que, por acaso, acontece também ser perito em burlar pessoas. Ridley Scott consegue recuperar a tradição burlesca do cinema clássico onde, através de subtilezas formais e nuances específicas de cada actor, se decidem subitamente questões dramáticas fortíssimas.

Tenho muitas resistências com o segmento final do filme. Parece-me que há um claro descuido no tratamento dos últimos 20 minutos, em todos os aspectos: desde a própria revelação final até ao tratamento dos secundários reduzidos a funções meramente serviçais. Acaba por ter um efeito estranhamente desconcertante, até porque o elemento mais interessante do filme - a relação pai e filha - é despachado de uma forma um pouco tosca. Em todo o caso, «Matchstick Men» é entretenimento superior sem se prender a um mecanismo exclusivamente burlesco e indulgente que o poderia diminuir. Por outro lado, «Blade Runner» e «Alien» começam a parecer objectos cada vez mais órfãos e exilados num desconcertante anonimato.



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terça-feira, outubro 14, 2003

A bomba foi largada pela última edição da revista Time que elegia Bragança como o bairro vermelho do velho continente. Enfim, trocado por miúdos, Bragança subitamente ficou exposta aos olhos do mundo, mas pela negativa: é o bairro europeu da prostituição. Os mais atentos perceberam, mal viram as notícias, que alguma coisa estava errada. Afinal, porquê Bragança? Por que não Amesterdão, a capital da prostituição? Martha de la Cal - jornalista da Time Magazine - explica que em Amesterdão é tudo feito sem subtileza, com uma exposição horrorosa do corpo humano como mais um adereço mercantil. E que, por oposição, em Bragança é tudo feito com discrição, no escuro, às escondidas. De facto, é notável esta descoberta jornalística: uma revista com uma tiragem a nível internacional decide fazer uma reportagem sobre uma pequena comunidade (um bairro como lhe chama), falando sobre a discrição em que tudo é feito, proporcionando um roteiro sexual e ignora que a sua própria intervenção poderá ter alterado tudo isso. Claro que poderia ser um pequeno artigo mas os senhores da Time decidem dar o dobro da atenção a Bragança do que à eleição de Arnold Schwarzenneger no Estado da Califórnia. Quando confrontada com a questão do turismo sexual poder vir a aumentar em Bragança e estragar o clima de veludo azul, Martha de la Cal responde, rindo: "Não sei, mas não há hotéis que cheguem." E eu que pensava que ela ia dizer preservativos. Estes jornalistas continuam a surpreender-me diariamente.

Tiago Pimentel

segunda-feira, outubro 13, 2003



Turn on the Bright Lights - INTERPOL

«Turn on the Bright Lights» é o primeiro e único trabalho dos Interpol, uma banda de Rock dramático e sombrio mas sempre verdadeiro com as suas raízes. O álbum data já de Agosto de 2002, mas teve lançamento recente no mercado português. É, de facto, uma deslocação hipnótica fascinante pelas tonalidades tímbricas dos anos 80 - inevitavelmente relembramos a sonoridade serena dos Joy Division, no centro do (anti)punk. Aconselho vivamente a ouvir este CD com luzes reduzidas e uma disponibilidade mental e afectiva bastante receptiva. A música Leif Erikson é uma das mais geniais peças de Rock construídas nos últimos 10 anos - à altura de um «Bad» (in «Unforgettable Fire») por exemplo (meu Deus, já lá vão quase 20 anos...).

Class.:

Tiago Pimentel

domingo, outubro 12, 2003

...E aqui ficam, como prometidos, os títulos que ligam respectivamente às imagens que aqui coloquei ontem:

«Human Stain», de Robert Benton

«Kill Bill», de Quentin Tarantino

«Mystic River», de Clint Eastwood

«Swimming Pool», de François Ozon

«Finding Nemo», de Andrew Stanton e Lee Unkrich

«O Senhor dos Anéis: O Regresso do Rei», de Peter Jackson


Tiago Pimentel

sábado, outubro 11, 2003

Reentrada de luxo.

Este ano está a provar-se invulgarmente recheado de obras memoráveis. Desde a reentrada (fim de Verão) já nos foram apresentados dois filmes máximos deste ano: «Hero» e «Dogville». Mas faltam aí esperanças fortíssimas que, penso seu, deixarão o ano de 2003 na História. Por agora, coloco apenas as imagens para se deixarem contaminar pelas reminiscências visuais que as respectivas suspensões fotográficas possam despertar em cada um de nós. A associação de cada imagem aos respectivos títulos colocarei talvez amanhã. Falta um título importantíssimo, para o qual não encontrei imagens (não procurei muito confesso), mas que acredito que possa ser um objecto central deste ano: «Elephant», de Gus Van Sant. Sem mais demoras:



















Tiago Pimentel

sexta-feira, outubro 10, 2003



Mais uma semana que acaba e encontrei em Godard - «Une Femme Est Une Femme» - o refúgio necessário de um outro real, dos mais subtis sinais que preenchem e definem o nosso esquecido lado humano, dos ingredientes que cozinham o paradoxo da complexidade simples da nossa realidade. É possível refazer a realidade retirando as coordenadas formais que (nos) ajudam a desenhar uma espécie de lógica inteligível e linear e baralhar tudo no mais apaixonante exercício de abstracção cruzado com as variações mais subtis da nossa vivência? Claro que é. Ah, Aznavour, tu t'laisser aller.

Infâme? Je ne suis pas infâme. Je suis une femme!

Bom fim-de-semana,

Tiago Pimentel

quinta-feira, outubro 09, 2003

A vida a 24 imagens por segundo





Arnie foi nomeado governador da Califórnia sucedendo a Gray Davis no comando de um dos Estados mais deficitários da América. A questão profissional de Schwarzenneger foi, como era previsto desde o início, usada e abusada contra e a seu favor. Num dos seus discursos, Arnie fez a certa altura uma brincadeira com o Exterminador Implacável, dizendo qualquer coisa como: «Gray Davis terminated jobs. It's now time for us to terminate Gray Davis.» Enfim, não consigo precisar a citação, mas creio ter sido qualquer coisa deste género. Será que o cerne de toda a questão eleitoral é perceber se a condição profissional do actor é positiva ou negativa? Será que a comunicação social pretendeu mostrar se o potencial governador poderia estar mentalmente menorizado ou, pelo contrário, mais capacitado para exercer a função de governador do Estado da Califórnia? Claro que não. O problema da comunicação social tem a ver directamente com o problema da mediatização tendenciosa. É um problema, de facto. Arnie tinha sempre as câmaras consigo - sem ilusões, foi isso que, em última análise, lhe valeu as eleições. São as câmaras que fazem as estrelas (e, infelizmente, já não são as câmaras de cinema).

Há uma profunda falta de consciencialização por parte dos media relativamente ao seu papel informativo cedendo facilmente a um lado manipulador e de formação de opinião. Não é preciso ir mais longe, a libertação de Paulo Pedroso ontem à tarde, 4 meses e meio depois da sua detenção, foi algo que mais se assemelhava ao regresso de um herói de guerra ou de um campeão olímpico (favorecido também pelos seus amigos e colegas de partido) do que propriamente a de um homem que continua sob investigação mas que ganhou a confiança dos 3 Juízes (enfim, de 2) para continuar esse processo cá fora. E é triste que os próprios media, em geral, sustentem e favoreçam o tempo das estrelas públicas como se estivessem sob um tratado de intemporalidade de antena. São logo três conceitos confundidos de uma vez: actor/estrela de cinema/político.

É um pouco angustiante observarmos, diariamente, as estrelas instantâneas e recicláveis que nascem nos diversos horizontes televisivos (desde o «Levanta-te e Ri» até às novelas como «Morangos com Açúcar»). Já nem sequer questiono as qualidades artísticas mas preocupa-me a mera deificação de pessoas celebrizadas pelos mais banais padrões de imagem que reduzem o Ser Humano a um conjunto de elementos físicos distantes dos genuínos conceitos de beleza e arte, favorecendo a mais reciclável fotogenia da imagem. Isto é não só injusto para outras pessoas do mesmo ramo profissional (que não têm as mesmas hipóteses, uma vez que não correspondem ao padrão fotogénico habitual, embora possam ter as mais variadas experiências profissionais), mas também acaba por ser triste e cruel para essas pessoas celebrizadas pela televisão, numa espécie de sucesso instantâneo que terá muito pouco a ver com algum tipo de talento mais especial e interessante. Porquê? Porque são sucessos que duram muito pouco e escorraçam a pessoa para a desilusão e esquecimento. O papel dos media é decisivo neste desequilíbrio de oportunidades? Sem dúvida, mas acima de tudo é o responsável pelo pensamento sem memória da nossa sociedade. Esse é o grande problema.


Tiago Pimentel

terça-feira, outubro 07, 2003





O Cinema no futuro


Avizinham-se tempos de convulsões para o cinema. Por diversos motivos mas, sobretudo, porque a experiência de cinema em casa está a aproximar-se cada vez mais do que se vive numa sala de cinema. Claro que todos temos os nossos princípios e eu continuo a acreditar que a ida a uma sala de cinema tem um ritual específico impossível de recriar na nossa sala de estar. Mas para a esmagadora maioria do público a situação é outra bem diferente. A sala de cinema é um incómodo: ter que aturar as pipocas, os risos inoportunos, o preço dos bilhetes, o sorver irritante dos refrigerantes, os espectadores mais faladores, etc. De facto, a possibilidade de reconstruir uma sala de cinema no conforto da sala de estar é uma fortíssima alternativa. E falo disto com alguma experiência própria: tenho vários amigos e conhecidos que desistiram de ir ao cinema e preocupam-se mais em expandir a sua DVDteca. E este Verão de sucessivos fracassos com «Blockbusters» simboliza algo de muito significativo. Neste momento, a grande fonte de lucro das grandes distribuidoras está no mercado de DVD. É aqui que se pagam o que resta dos custos e se enchem os bolsos dos lucros durante uma média de 8 anos, de acordo com os estudos estatísticos. Por outro lado, o mercado dos DVDs está a ser ameaçado pelas cópias piratas cada vez mais próximas do formato cristalino do digital. E estamos a falar de filmes como «Tomb Raider 2», «Terminator 3», «Hulk», etc. - tudo filmes que, se calhar, fariam bastante mais dinheiro há uns 10 anos atrás. Isto tudo para perceber já uma decisiva conclusão: ainda que o esforço criativo seja cada vez menor (daí o número preocupante de sequelas), chegámos finalmente a um ponto de saturação do mercado no que diz respeito à dimensão espectacular do visual. Já não há espaço neste formato de cinema para conseguir fazer brilhar o olhar espantado do espectador; perdeu-se aquela que era a sensação primária que acompanhou as primeiras pessoas a entrar numa sala de cinema: o medo da imagem do «lado de lá». Claro que não me estou a esquecer de filmes como «Hero» que conseguem coisas assombrosas com a imagem que é possível hoje em dia. Mas a questão não é essa; estamos a ponderar a possibilidade de ultrapassar o conceito de imagem como o conhecemos hoje em dia.

Hollywood precisa de descobrir novas formas de produção cinematográfica. A questão é complicada até porque exige a reconversão total dos equipamentos de reprodução audiovisual já instituídos. Várias alternativas já falharam no passado. Estou a lembrar-me por exemplo do IMAX que permanece apenas como uma tecnologia de suporte para salas de espectáculos audiovisuais. Enfim, não é totalmente verdade, até porque em Los Angeles, na Universal Studios, existe uma sala IMAX que projecta um filme em cartaz (há uns anos visionei lá o épico de guerra «Apocalypse Now Redux»). Neste momento há duas grandes alternativas: cinema digital e a tecnologia MaxiVision48. A guerra está a ser ganha pelo primeiro, sobretudo com a campanha de marketing brutal que George Lucas tem sustentado. E o cinema digital traz, de facto, inovações importantes como a duração infinitamente maior das cópias, a reprodução perfeita e cristalina da imagem digital e a projecção digital por satélite minimizando o perigo das piratarias. Por outro lado, não oferece grandes avanços a nível da imagem a não ser varrer as «moscas» do ecrã; tal avanço seria provavelmente banalizado nos primeiros meses. Ou seja, possivelmente não consegue lucros suficientes para pagar os custos de implementação da própria tecnologia digital. Já a segunda tecnologia (MaxiVision48) parece ser muito mais revolucionária a nível visual (mais próxima de tecnologias que pretendiam expandir a experiência sensorial como a IMAX e a Odorama). Basicamente trata-se de uma tecnologia que permite a reprodução a 48 imagens por segundo (o dobro do que se consegue agora). Qual é o resultado prático? Roger Ebert esclarece tudo em mais pormenor em http://www.maxivision48.com/ebert.html, mas de qualquer forma, nas suas próprias palavras, a experiência traduz-se por se converter a tela numa espécie de janela. Ou seja, seria como estar a olhar por uma janela para o mundo real lá fora, com uma reprodução tridimensional impressionante.

Será, do ponto de vista do mercado, uma tecnologia bastante mais difícil de implementar. Até mesmo considerando que é uma tecnologia com 4 anos e muito pouca gente ouviu falar dela. A diferença é que não tem um nome como George Lucas a promovê-la. Seja como for, o cinema caminha para sentidos inexoravelmente paradoxais. Como cinéfilo, confesso que gostava de ver a Maxivision48 a triunfar (se se confirmar ser tão impressionante como o anti-digital Roger Ebert afirma ser), sobretudo porque se reavaliariam questões de fundo ligadas directamente à dimensão genuinamente cinéfila de uma deslocação até às salas de cinema. Neste momento também não sustento a ilusão de algo que, de facto, ainda não vi. Roger Ebert é alguém que sempre se opôs à instituição do digital (as suas palavras, se bem me lembro, comparavam o digital a uma espécie de estado de hipnose, enquanto que a película se aproximava mais do sonho). E não nos podemos esquecer que, se o MaxiVision48 triunfasse, os problemas que se colocam hoje com a película (degradação das cópias, projecções muitas vezes em más condições, etc) persistiriam uma vez que a tecnologia continuaria com esse formato de base. Em todo o caso, parece-me que o mais importante é descobrir uma forma do cinema poder encontrar mais espaço para continuar a evoluir e siderar a massa humana; como, aliás, sempre o fez ao longo dos tempos. Seria como regressar um século atrás e entrar numa sala de cinema como se fosse a primeira vez, independentemente do filme. Voltar a temer a imagem. Regressar ao estado zero da sensualidade visual e resgatar o espectador de um certo sentido letárgico e indiferente que se ocupou dele quando visita uma sala de cinema. Revalorizar o peso das grandes salas e repor o simbolismo divino que sempre encontrámos dentro de uma sala escura iluminada pela lanterna mágica. É a única forma de recuperar o sentido de ritual que distingue as salas de cinema da nossa sala de estar. Vamos ver como se comporta o futuro.

Tiago Pimentel

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