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Um site para pensar sobre tudo e chegarmos sempre a um singular pensamento final: sabermos que nada sabemos.
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Tiago Pimentel
Críticas dos leitores para: tiago_pimentel@hotmail.com

terça-feira, agosto 15, 2006



Ele faz cinema

Chico Buarque, em conjunto com Caetano Veloso, são provavelmente os dois nomes mais incontornáveis da música brasileira dos últimos 35 anos. 8 anos depois do seu último álbum de originais, Chico Buarque lança Carioca, uma compilação de pequenas canções (sem mais de 3 minutos cada), onde celebra toda a serenidade encantadora da sua música, sem abandonar a doce candura da sua sonoridade (agradável até ao ouvido de uma criança) e preservando as ambiências adultas da sua intimidade musical. As suas canções voltam a ser (nunca deixaram de o ser, note-se) pequenas alegorias à intimidade do nosso espaço e comoventes melodramas sobre o paradigma de se ser adulto numa sociedade que deixou de colocar nas suas canções a sensibilidade e atenção que podemos ouvir em Carioca. Dentro do álbum, reencontramo-nos com o reflexo musical do nosso olhar e com os ecos íntimos da nossa sensualidade.

Logicamente, a plataforma jazzística que sustenta todo este álbum e o refinado fundo sinfónico e clássico acabam por sublinhar uma curiosa e fascinante componente cinematográfica directamente associada a filmes ditos de relações adultas (mesmo com a diferença de línguas, ouvir este Carioca coloca-me directamente num imaginário específico a cineastas como Woody Allen e tantos outros que encontram na sensualidade da música uma espécie de identidade inequívoca das suas próprias sensibilidades e uma maneira de combater as formas mais imediatas que contaminam a forma de olharmos o mundo e todos os seus complexos ecossistemas afectivos).

Atenção especial a duas faixas intituladas Ela faz Cinema e As Atrizes, sendo a primeira o single de apresentação do álbum. Chico Buarque passará por Lisboa para dar quatro concertos em Novembro e os bilhetes já foram colocados à venda. A não perder!

Uma última nota: realce para o trabalho sublime da capa do álbum, onde vemos projectado um mapa de lugares sobre o rosto de Chico Buarque. A verdadeira poesia está, de facto, na carne! E se transportamos na carne os sinais mais expressivos das pessoas com quem nos cruzamos, não é menos verdade que os lugares que visitamos ficam-nos para sempre decalcados como uma espécie de mapa afectivo da nossa própria história. Carioca é, assim, a história de Chico Buarque mas, a partir de agora, faz parte também da minha.

Tiago Pimentel

quinta-feira, agosto 03, 2006

O que leva as pessoas ao cinema?

Talvez seja um pouco estranho – e até pretensioso – intitular um texto com uma questão tão íntima e fugaz quanto esta, mas asseguro que, por desconcertante paradoxo, não se pretende chegar ao fim e extrair uma razão suprema que resolva o algoritmo; não, antes do mais (como sempre, aliás) pretende-se “apenas” pensar sobre a questão.

De facto, é um assunto que tem ganho uma posição de destaque nos debates de qualquer espaço cinéfilo, tanto mais quanto nos lembramos que está agora a terminar um Verão de sucessivos flops financeiros (uns mais trágicos que outros). Desde o regresso do Superhomem ao grande ecrã (um projecto com mais de 10 anos de labor, com um super-orçamento quase impossível de cobrir com lucros satisfatórios), até ao falhanço crítico e de bilheteiras de «Lady in the Water» (o último de M. Night Shyamalan que estreará nas nossas salas em Setembro), passando ainda por outros flops como «Miami Vice» (um filme que custou quase 130 milhões de euros e fez um primeiro fim de semana que originou receitas na ordem dos... 20 milhões de euros).

Uma vez que os Blockbusters ocupam sempre uma fatia significativa dos espectadores anuais das salas de cinema, estes flops ajudam também a explicar a queda progressiva no número de espectadores nos últimos anos, motivada quiçá pela propagação irreversível da pirataria e outros factores paralelos. Mas isto seria matéria para uma outra discussão (intitulada, provavelmente, «porque razão as pessoas não vão ao cinema?»). E isso coloca-nos precisamente no outro lado da moeda: «Piratas das Caraíbas: O Cofre do Homem Morto» salva (no que às bilheteiras diz respeito) o Verão cinematográfico, tornando-se num sucesso incontornável, ultrapassando já os 600 milhões de euros no mundo inteiro. Logicamente, o modelo Blockbuster terá sempre de ser discutido na sua própria estrutura de produção e marketing, e nunca (apesar do que algumas vozes catedráticas poderão insinuar) numa espécie de modelo suspeito, fabricado nas cimenteiras de Hollywood e pensado apenas para essa entidade mais ou menos previsível que é a populaça. Bom, e os números não enganam: de facto, o público é bem mais complexo do que se possa pensar. O que terá levado tanta gente às salas para ver piratas em ilhas perdidas e a ignorar um fenómeno genuinamente popular como é o caso do Superhomem? Seguramente, não será apenas o sucesso do primeiro filme que o cauciona, até porque os números têm mantido esta sequela com uma excelente vida pós-primeiro fim de semana. Ao olhar para o exotismo das paisagens que habitam o imaginário desta saga dos Piratas das Caraíbas, o meu pensamento poderia facilmente concluir que o público está farto das mesmas histórias: de polícias e ladrões (Miami Vice), de superheróis de bandas desenhadas (Superhomem), etc. Mas a questão está longe de ser essa - até porque o Homem-Aranha foi um superherói recentemente introduzido à película e que muito sucesso tem feito.

Mas o problema de fundo, em boa verdade, prende-se com essa questão fundamental: as histórias. O mais recente filme de M. Night Shyamalan, pelos textos que se podem ler da imprensa norteamericana é precisamente um ensaio sobre um termo que os ingleses aglutinam numa sábia palavra: storytelling, ou em português, contar histórias. E as histórias, infelizmente, têm abandonado algumas das grandes produções do cinema (note-se, não é uma novidade, logicamente). E cineastas como Shyamalan apercebem-se disso e colocam essa questão em cena no seu mundo, tentando reconquistar alguma da consciência popular que se terá perdido ao longo dos anos. Que histórias procuram as pessoas? Será que procuram histórias de todo? Estaremos a assistir à concretização de um medo muito genuíno que Godard exprimiu quando disse “Claro que levo a televisão a sério... está a ocupar o meu mundo!” E o seu mundo, logicamente, era o cinema, precisamente a arte que me parece cada vez mais aculturada pelos modelos televisivos mais simplistas e populares no pior sentido da palavra. Popular, há uns anos atrás, significava «ET», «O Padrinho», «Indiana Jones» e por aí fora. Não quero traçar nenhum cenário catastrofista, entenda-se! Logicamente, sempre existiram filmes maus e filmes bons, independentemente da década em causa e dependente, única e exclusivamente, da sensibilidade pessoal de cada um. O que pretendo relembrar é que o dispositivo moderno das grandes produções deixou de ter espaço para o storytelling. Hoje, é muito mais urgente colocar imagens a acontecerem em catadupa sem se pensar, na maior parte das vezes, na simples consequência que o aparecimento de uma nova imagem tem: no espectador, na narrativa, nas personagens, etc. As imagens deixaram de ser pensadas na perspectiva clássica mais cáustica – aquela que nos diz, precisamente, que uma imagem nova pode revolucionar o mundo, e passaram a ser tratadas como objectos estandardizados que devem aparecer tão depressa quanto desaparecem para manterem os olhos sonambulares do espectador abertos e atentos. Atentos a quê? A nada, de facto. Atentos a uma ilusão de velocidade, de ritmo e de evolução, acompanhadas por centenas de efeitos digitais e especiais de encher o olho sem deixar que mais nada aconteça. O Superhomem e o King Kong são dois bons exemplos de como o modelo está completamente desvirtuado: duas produções mastodônticas, com uma duração incompreensível para a anorexia dramática das suas narrativas.

O argumento (e Capra tanto frisava o argumento como os três principais factores de um filme) deixou de ter importância e o storytelling fica reduzido à mera competência técnica na gestão dos meios de produção. A presença de cineastas jovens como Shyamalan e PT Anderson ajuda a combater essa consumação, mas nas paisagens saturadas do cinema de grandes produções, parece-me haver cada menos espaço para o espectador. Entretenimento, dirão alguns. Sem dúvida que uma das maiores atracções do cinema sempre foi a capacidade de entreter. Mas alguém é capaz de ficar entretido com meia dúzia de carros a andarem a alta velocidade, num filme que anda à velocidade de uma matilha de caracóis como é Velocidade Furiosa? Ou num filme como a trilogia dos X-Men onde tanta coisa é filmada e tão pouco acontece. Serei sempre o primeiro a defender o entretenimento como uma causa nobre e artística e que dispensa ser menorizada por filmes que em nada dignificam o modelo.

E, num espaço cada vez mais dominado por obras sem qualquer controlo no tempo de exposição das suas imagens, aparece-nos um objecto como Lady in the Water, com menos de 2 horas que nos fala sobre a urgência de recuperarmos as imagens como fragmentos específicos de uma história. Sem ter visto o novo filme de Shyamalan, confesso-me admirador da sua curta filmografia. Cada objecto que o cineasta enquadra é dono de uma tragédia específica no olhar do espectador e cada plano novo que nos surge é pensado como uma nova forma de fazer a história andar. É disso que se trata, de facto! Pensarmos que as histórias que levavam as gerações anteriores ao cinema, têm cada vez menos espaço na tolerância dos próprios modelos de produção e no olhar saturado do público. Que voltem as histórias! Que volte o peso irredutível das imagens! Que voltem as pessoas às salas de cinema!

Tiago Pimentel

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